Por Alessandro Lima.
Introdução
Uma das principais objeções de pessoas não cristãs (principalmente ateus) aos 4 Evangelhos se deve à sua confiabilidade histórica. Para eles os Evangelhos não são historicamente confiáveis porque segundo sua opinião, eles relatam lendas, coisas impossíveis de acontecerem no mundo real. É claro que esta objeção refere-se aos milagres. Eles comparam os Evangelhos à Mitologia Grega, que embora cite lugares reais e até pessoas que tenham existido historicamente, não passa de pura fantasia.
Eles – os ateus – que se consideram homens da ciência, será que basearam suas objeções em constatações resultantes de um minuncioso estudo acadêmico ou simplismente conjecturaram com base na sua filosofia materialista-naturalista?
Será que os 4 Evangelhos passariam por uma análise crítica da Academia? O que será que a Academia tem a dizer sobre a confiabilidade histórica dos Santos Evangelhos?
1a. Análise: A Verificação da Autoria dos Evangelhos
A verificação de se os Evangelhos foram escritos por testemunhas oculares é muito importante para a análise de sua da confiabilidade histórica. O testemunho ocular, geralmente é determinante e persuasivo. O ponto máximo de um julgamento será o instante em que a testemunha apontar o réu com autor do crime na sala do tribunal. Poderá isso ser o bastante para condenar o réu à prisão, ou ainda coisa pior. Até mesmos os sistemas jurídicos mais antigos utilizaram testemunhas oculares para finalizar um caso, tal é a o grau de importância de sua palavra para atestar a verdade.
Os 4 Evangelhos são comumente conhecidos como autoria de Mateus, Marcos, Lucas e João. Mas será que alguém não teria algum motivo para mentir e atribuir a autoria dos Evangelhos àquelas pessoas, quando na verdade não o fizeram? Na opinião do estudioso Craig L. Blomberg (1) isso é pouquíssimo provável por se tratar de pessoas bem singulares. “Marcos e Lucas nem sequer pertenciam ao grupo dos 12. Mateus sim, mas era odiado porque fora coletor de impostos; portanto, depois de Judas Iscariotes (que traiu Jesus!), seria ele a figura mais abominável. Compare isso com o que aconteceu quando os fantasiosos evangelhos apócrifos foram escritos muito tempo depois. As pessoas atribuíram sua autoria a personagens conhecidos e exemplares: Filipe, Pedro, Maria Madalena e Tiago. Esses nomes tinham muito mais prestígio que os de Mateus, Marcos e Lucas. (…) não háveria por que conferir a autoria a esses três indivíduos menos respeitáveis se não fossem de fato os verdadeiros autores.” (2)
E o que dizer sobre o Evangelho de João? Ora, João era um dos 12 e era um dos três apóstolos mais íntimos de Jesus. “O mais interessante é que o evangelho de João é o único sobre o qual paira uma certa dúvida quanto à autoria. (…) Não há dúvida quanto ao nome do autor: era João mesmo. A questão é que não se sabe se foi João, o apóstolo, ou se foi outro. Segundo o testemunho de um escritor cristão chamado Pápias , em aproximadamente 125 d.C., havia João, o apóstolo, e João, o ancião, mas o contexto não deixa claro se ele se referia a uma única pessoa de duas perspectivas distintas ou a pessoas diferentes. Fora essa exceção, todos os demais testemunhos afirmam unanimemente que foi João, o apóstolo, o filho de Zebedeu, quem escreveu o evangelho.” (3).
É importante notar que os Evangelhos na verdade são anônimos. Ora, se assim são, como é que lhes foi atribuída alguma autoria? A autoria dos Evangelhos foi transmitida ao longo do tempo através da Tradição da Igreja Católica. São testemunhos tão antigos, que remontam o tempo em que ainda estavam vivas pessoas que conheceram os Evangelistas, ou apóstolos. Qual é a importância disto? Ora, se fosse a autoria dos Evangelhos fosse falsamente atribuída a Mateus, Marcos, Lucas e João, as pessoas que viveram entre eles contestariam tal coisa. No entanto, não há qualquer registro sobre tal fato, pelo contrário, autoria dos Evangelhos nunca foi questão de disputa entre os primeiros cristãos.
O testemunho mais antigo e portanto o mais significativo é do Pápias. Vejamos:
Sobre o Evangelho de Mateus: “Mateus reuniu, de forma ordenada, na língua hebraica, as sentenças [de Jesus] e cada um as interpretava conforme sua capacidade”. (Pápias de Hierápolis, Fragmentos. Séc. II).
Sobre o Evangelho de Marcos: “O presbítero também dizia o seguinte: ‘Marcos, intérprete de Pedro, fielmente escreveu – embora de forma desordenada – tudo o que recordava sobre as palavras e atos do Senhor. De fato, ele não tinha escutado o Senhor, nem o seguido. Mas, como já dissemos, mais tarde seguiu a Pedro, que o instruía conforme o necessário, mas não compondo um relato ordenado das sentenças do Senhor. Portanto, Marcos em momento algum errou ao escrever as coisas conforme recordava. Sua preocupação era apenas uma: não omitir nada do que havia ouvido, nem falsificar o que transmitia'”. (Pápias de Hierápolis, Fragmentos. Séc. II).
Santo Ireneu de Lião, no final do séc II também pôe por escrito o testemunho dos antigos quanto à autoria dos Evangelhos:
“Mateus, no entanto, publicou entre os hebreus em sua própria língua um Evangelho escrito, enquanto Pedro e Paulo anunciavam a boa nova em Roma e lançavam os fundamentos da Igreja. Mas, após a morte deles, Marcos, discípulo e intérprete de Pedro, transmitiu-nos por escrito igualmente o que Pedro pregara. Lucas, porém, companheiro de Paulo, deixou num livro o Evangelho pregado por este último. Enfim, João, o discípulo que reclinou sobre o peito do Senhor [cf. Jô 13,25. 21,20], publicou também ele um evangelho, enquanto residia em Éfeso, na Ásia” (Contra as Heresias, séc II)
Por tanto temos aqui o testemunho de Pápias (que foi discípulo pessoal de São João e companheiro de São Policarpo outro discípulo pessoal de São João) e de Santo Ireneu, que fora discípulo pessoal de São Policarpo. Os estudiosos consideram seus testemunhos muito confiáveis devido à proximidade que possuíam com a era apostólica.
(1) Craig L. Blomberg, Ph. D. Condiserado uma das maiores autoridades sobre as biografias de Jesus nos EUA. Doutor em Novo Testamento pela Aberdeeen University, Escócia, tornando-se posteriormente pesquisador sênior da Tyndale House, na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Leciona Novo Testamento no seminário de Denver. Autor dos livros “Jesus and the gospels: interpreting the parables”; “How wide the divide?”; “Jesus under fire” entre outros. É membro da Sociedade para Estudo do Novo Testamento, da Sociedade de Literatura Bíblica e do Instituto de Pesquisas Bíblicas.
(2) Lee Strobel, Em defesa de Cristo, pg. 28. Editora Vida, 2001. Tradução de Antivan Guimarães Mendes.
(3) Lee Strobel, Em defesa de Cristo, pg. 29. Editora Vida, 2001. Tradução de Antivan Guimarães Mendes.
2a. Análise: A Integridade das Informações Constantes nos Evangelhos
Será que as informações contantes nos Evangelhos foram preservadas de modo seguro até serem colocadas por escrito?
Sabemos agora que os Evangelhos procedem direta ou indiretamente do testemunho ocular. Mas será que as informaçoes que eles contêm foram preservadas de modo confiável até que fossem postas por escrito anos mais tarde?
Essa é mais uma das objeções de não cristãos em relação à confiabilidade histórica dos Evangelhos. Um exemplo desta objeção está na obra “A history of God”, da ex-freira Karen Armstong:
“Sabemos muito pouco sobre Jesus. O primeiro relato mais abrangente sobre sua vida aparece no evangelho segundo São Marcus, que só foi escrito por volta do ano 70, cerca de 40 anos depois de sua morte. Àquela altura, os fatos históricos achavam-se misturados a elementos míticos que expressavam o significado que Jesus havia adquirido para seus seguidores. É esse signficado, basicamente, que o evangelista nos apresenta, e não uma descrição direta e confiável” (1)
Em poucas palavras, para a senhora Armstong os Evangelhos foram escritos muito tempo depois da ocorrência dos acontecimentos, o que levou-os a terem sua redação contaminada por lendas que se desenvolveram durante esse período. Se repararmos bem, há dois pontos a serem tratados nesta objeção: a data da redação dos evangelhos e o segundo é se eles foram contaminados por lendas.
a) A data da redação dos Evangelhos
As datas estabelecidas no meio acadêmico, mesmo nos círculos mais liberais, situam Marcos nos anos da década de 70, Mateus e Lucas na década de 80, e João na década de 90 (2). Há estudiosos como o já mensionado Dr. Craig Blomberg que defendem uma data mais recente para os Evangelhos. Segundo ele: “Atos termina, aparentemente, sem um conclusão. Paulo é a personagem principal do livro, e se encontra preso em Roma. É assim, abruptamente, que o livro acaba. O que acontece com Paulo? Atos não nos diz, provavelmente porque o livro foi escrito antes da morte dele. (…) Isso significa que o livro de Atos não pode ser posterior a 62. d.C. Assim, podemos recuar a partir desse ponto. Uma vez que Atos é o segundo tomo de um volume duplo, sabemos que o primeiro tomo – o evangelho de Lucas – deve ter sido escrito antes dessa data. E ja que Lucas inclui parte do evangelho de Marcos, isto significa que Marcos é ainda mais antigo. Se trabalharmos com a margem aproximada de um ano para cada um, chegaremos à conclusão de que Marcus foi escrito por volta de 60 d.C., talvez até mesmo em fins da década de 50. Se Jesus foi morto em 30 ou 33 d.C., temos aí um intervalo de, no máximo, 30 anos aproximadamente.”(2)
Nestas datas ainda viviam testemunhas oculares da vida de Jesus, tanto aquelas que gostavam Dele, quanto àquelas que lhe foram hostis. E estas últimas serviriam de parâmetro de contestação caso houvesse nos Evangelhos algo estranho à vida de Jesus. Pouca gente sabe mas as duas biografias mais antigas sobre Alexandre, o Grande, foram escritas por Ariano e Plutarco depois de mais de 400 anos de sua morte, ocorrida em 323 a. C. E no entanto, os historiadores as consideram muito confiáveis. Se compararmos estes dados com as datas aceitas pela Academia em relação aos Evangelhos, podemos afirmar que os Evangelhos são notícia de última hora.
b) Hove tempo para que os Evangelhos tivessem sido contaminados por lendas?
Neste intervalo de 30, ou -no pior das hipóteses- 40 anos entre os acontecimentos e a redação dos Evangelhos, será que foi possível o surgimento de lendas acerca de Jesus? Novamente retomando o caso de Alexandre, o Grande, todo material considerado lendário sobre ele só apareceu após as duas biografias antes mencionadas. Isso significa que por 500 anos a história de Alexandre ficou intacta.
Podemos ainda comparar os Evangelhos com outras literaturas. Por exemplo, embora as Gathas de Zoroastro, que datam de 1000 a.C. sejam consideradas autências pela maioria dos estudiosos, grande parte de suas escrituras do zoroatrismo só foram postas por escrito no séc. III d.C. A biografia pársi mais popular de Zoroastro foi escrita em 1278 d.C. Buda que viveu no séc VI a.C., só teve sua doutrina e vida registrados no séc. I d.C. E ainda, as palavras de Mamoé foram registradas no Alcorão entre 570 e 632 d.C., mas sua biografia só foi escrita em 767, mais de um séc. depois de sua morte. Não é sem motivo que diante destas informações da Academia, o Dr. Edwin M. Yamauchi (um dos mais conceituados especialistas sobre história antiga da atualidade) declara: “O fato é que temos uma documentação histórica de melhor qualidade sobre Jesus do que sobre o fundador de qualquer outra religião.” (4).
Há ainda aqueles que afirmam que os evangelistas fantasiaram os relatos sobre a vida de Jesus fazendo empréstimos de lendas. Por exemplo, acusam os evangelistas de basearem os milagres e ressurreição de Jesus na biografia do fabuloso Apolônio. Segundo esta biografia, Apolônio de Tiana, foi um homem que viveu no séc. I, que teria curado pessoas e exorcizado demônios, ressussitado uma jovem dentre os mortos, e ainda que teria aparecido a alguns de seus seguidores depois de ter morrido. Impressionante não a semelhança com Jesus não?
Filostrato redigiu a biografia de Apolônio a mais de um século e meio depois da sua morte, enquanto os Evangelhos foram escritos por pessoas contemporâneas de Jesus, e num intervalo de tempo pelo menos 3 vezes menor. Os relatos sobre os milagres de Jesus e sua ressureição são corroborados por diversas fontes como os escritos do Apóstolo Paulo (que datam entre 35 a 40 d.C, por tanto anteriores aos Evangelhos), Flávio Josefo (historiador Judeu do séc. I) , o Talmude (obra que compila toda a doutrina judaica, não nega os milagres de Jesus, no entanto atriubuia tais práticas à magia.) entre outros. No caso de Apolônio, nenhuma outra fonte corrobora seus relatos.
Filostrato foi incubido pela imperatriz XXX de escrever uma biografia para dedicar um templo a Apolônio. Ora, ela era seguidora de Apolônio, assim Filostrato teria um motivo financeiro para embelezar a história. O que não ocorre no caso dos Evangelhos. Os evangelistas não tinham nada a ganhar e sim muito a perder, por causa da perseguissão movida por judeus e Roma. Filostrato escreveu a biografia de Apolônio no início do séc. III, na Capadócia, onde o Cristianismo já estava bem estabelecido. Por tanto, se houve algum empréstimo, foi da parte de Filostrato e não dos evangelistas.
É com consenso entre os especialistas em histórias antigas que no mundo antigo as lendas não surgiam do dia para a noite, era preciso pelo menos um intervalo de 200 a 300 anos para que uma lenda se formasse e se estabelecesse. Isso isenta os Evangelhos de terem sido contaminados por lendas qualquer tipo de lenda.
Conclusão
Num tribunal o depoimento de uma testemunha é sempre colocado em prova, através da verificação de sua capacidade de ver o que acontecera, é questionada a sua precisão e relatar fatos, procuram achar inconsistências nos testemunhos e procuram levantar dúvidas sobre o caráter das testemunhas. A identificação de qualquer uma destas inconsistências leva qualquer depoimento ao descrédito. Os avanços nas descobertas arqueológicas confirmam a exatidão dos relatos evangélicos em relação a lugares e pessoas históricas (5). Interessante notar como as objeções levantadas principalmente por ateus – que se acham os homens da ciência – não sobrevivem por uma análise crítica da Academia.
(1) Armstrong, A history of God. p. 79
(2) Paul Barnett. Is the New Testament history? Ann Arbor, Vine, 1986. Craig Blomberg. The historical reliability of the gospels. Downers Grove, InterVarsity, 1987. F. F. Bruce. Merece confiança o Novo Testamento? 2. ed. Trad. Waldyr Carvalho Luz. São Paulo, Vida Nova, 1990.
(3) Lee Strobel, Em defesa de Cristo. pg 43. Editora Vida, 2001. Tradução de Antivan Guimarães Mendes.
(4) Lee Strobel, Em defesa de Cristo. pg 112. Editora Vida, 2001. Tradução de Antivan Guimarães Mendes.
(5) Jack Finegan. The Archaeology of the New Testament. Princeton, Princeton Univ. Press. 1992. John McRay. Archaeology and the New Testament. Grand Rapids, Baker, 1991. J. A Thompson. The Bible and Archaeology. Grand Rapids, Eerdmans, 1975. Edwin Yamauchi. The stones and the Scriptures. New York, J. B. Lippencott, 1972.