A eleição do romano pontífice

O Romano Pontífice – como se sabe – exerce na Igreja Católica o ofício de Vigário de Cristo e Pastor da Igreja universal. Juntamente com o Colégio dos Bispos – do qual o papa é a cabeça – constitui-se em sujeito do poder supremo e pleno sobre toda a Igreja (cf. cânones 331 e 336).

O cânon 332, §1 estabelece o seguinte:

“Cânon 332, §1 – O Romano Pontífice obtém o poder pleno e supremo na Igreja pela eleição legítima por ele aceita, junto com a consagração episcopal. Por conseguinte, o eleito para o sumo pontificado, que já tiver o caráter episcopal, obtém esse poder desde o instante da aceitação. Se o eleito não tiver caráter episcopal, seja imediatamente ordenado bispo”.

É compreensível que a legítima sucessão apostólica na Sé Apostólica tenha sido sempre objeto de especial atenção por parte do Legislador Universal. No decorrer dos séculos, muitos papas têm considerado seu dever regulamentar com normas oportunas a eleição do Sucessor de Pedro. Até 1996 vigorava a Constituição Apostólica Romano Pontifici Eligendo, de 1º de outubro de 1975 (AAS 67 [1975] 609-645). Sob as ordens desta Constituição Apostólica foram eleitos João Paulo I e João Paulo II, em agosto e outubro de 1978, respectivamente.

Atualmente vigora a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, sobre a vacância da Sé Apostólica e a eleição do Romano Pontífice, de 22 de fevereiro de 1996. Como se pode observar, esta Constituição Apostólica ainda não foi aplicada até o presente momento [mai/2004]. Seus artigos, entretanto, são precedidos pela experiência de muitos séculos, sendo que muitos deles procedem de leis anteriores sobre a eleição do Romano Pontífice. Algumas de suas normas remontam ao século XI. Estas são as suas normas principais:

 

Poder do Colégio dos Cardeais durante a Sé Vacante

Ficando vaga a Sé Apostólica, começa um período chamado “Sé vacante”. Durante este período, rege o princípio do nihil innovetur (=que nada seja inovado). O governo da Igreja é confiado ao Colégio dos Cardeais apenas para o despacho dos assuntos ordinários ou os inadiáveis e aqueles acerca da preparação de todo o necessário para a eleição do novo Pontífice (art. 2). O artigo 1, para maior detalhamento, assinala que “o Colégio de Cardeais não tem nenhum poder ou jurisdição sobre as questões que correspondem ao Sumo Pontífice na vida ou no exercício das funções de sua missão; todas estas questões estão reservadas exclusivamente ao futuro Pontífice”.

Durante a Sé vacante, o Colégio dos Cardeais pode reunir-se em dois tipos de reuniões: as Congregações Gerais e as Congregações Particulares.

À Congregação Geral devem assistir todos os cardeais não impedidos legitimamente; podem ausentar-se os cardeais que não têm o direito de participar na eleição do papa. Nela se decidem os assuntos de maior importância e deve ser celebrada diariamente. Os assuntos são decididos pela maioria simples dos votos. A Congregação Particular é composta pelo cardeal-camarlengo e outros três cardeais eleitos por sorteio, chamados assistentes. Nela são decididos os assuntos de trâmite e de menor importância.

 

O Conclave

Os cardeais devem se reunir em conclave para proceder à eleição do novo Romano Pontífice. O artigo 37 estabelece que o conclave será iniciado 15 dias após a vacância da Sé Apostólica, muito embora o Colégio de Cardeais possa estabelecer outra data, que não poderá ultrapassar 20 dias após a vacância.

Como se verá mais adiante, o conclave não deve ser considerado um mero lugar de reunião dos cardeais com direito a voto, mas trata-se de um âmbito de retiro sagrado onde os cardeais eleitores invocam ao Espírito Santo para proceder à eleição do Romano Pontífice.

Quem tem o direito de eleger o papa

O artigo 33 aponta que “o direito de eleger o Romano Pontífice cabe unicamente aos cardeais da Santa Igreja Romana, com exceção daqueles que, antes do dia de falecimento do Sumo Pontífice ou do dia em que a Sé Apostólica tornou-se vacante, tenham completado 80 anos de idade”. Portanto, se um cardeal completou 80 anos após a vacância – antes, inclusive, do início do conclave – terá direito de eleger o papa.

O cânon 351, §2 aponta que “Os cardeais são criados por decreto do Romano Pontífice, que é publicado perante o Colégio dos Cardeais; desde a publicação, têm os deveres e direitos estabelecidos por lei”. Por sua vez, o artigo 36 da Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis acrescenta que “um cardeal da Santa Igreja Romana, que tenha sido criado e publicado em consistório, tem por isso mesmo o direito de eleger o Pontífice conforme o nº 33 da presente Constituição, ainda que não se lhe tenha imposto o barrete, entregue o anel, nem tenha prestado juramento. Ao contrário, não têm este direito os cardeais depostos canonicamente ou que tenham renunciado, com o consentimento do Romano Pontífice, à dignidade cardinalícia. Ademais, durante a Sé vacante, o Colégio dos Cardeais não pode readmitir ou reabilitar a estes”.

A Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis reitera, em seu artigo 33, a exclusão do direito de eleição ativa da parte de qualquer outra dignidade eclesiástica ou a intervenção do poder civil de qualquer ordem ou grau. O artigo 80, ademais, penaliza com excomunhão latae sententiae aos cardeais que aceitarem o encargo de uma autoridade civil de propor veto contra algum cardeal. Até 1904, os reis de algumas nações católicas ostentavam o direito de veto na eleição pontifícia. A última vez que [o direito de veto] foi usado foi no conclave de 1903, no qual o imperador da Áustria vetou o cardeal Rampolla. O papa eleito naquele conclave, São Pio X, promulgou a Constituição Apostólica Vacante Sede Apostolica, em 25 de dezembro de 1904, na qual abolia todo direito de veto.

Quem são admitidos no conclave

Para satisfazer às necessidades pessoais e de ordem relacionadas com o desenvolvimento da eleição, poderão entrar nos locais reservados à habitação ou à eleição o secretário do Colégio Cardinalício, que atua como secretário da assembléia eletiva; o mestre das celebrações litúrgicas pontifícias, com dois cerimoniários e dois religiosos adscritos à Sacristia Pontifícia;um eclesiástico eleito pelo cardeal decano ou pelo cardeal que faz as suas vezes, para que o assista em seu cargo. Também deverão estar disponíveis alguns religiosos de várias línguas para as confissões e também dois médicos para eventuais emergências. Dever-se-á, também, prover oportunamente que estejam disponíveis um número suficiente de pessoas adscritas aos serviços de alimentação e limpeza.

Ademais, se algum cardeal precisar, poderá solicitar a presença de um enfermeiro que o acompanhe. Na Constituição Apostólica Romano Pontifici Eligendo, esta pessa era chamada “conclavista“.

Lugar do conclave

O artigo 41 assinala que “o conclave para a eleição do Sumo Pontífice se desenvolverá dentro do território da Cidade do Vaticano, em locais e edifícios determinados, sem acesso a estranhos, de forma que se garanta uma acomodação conveniente e permanente dos cardeais eleitores e daqueles que, por título legítimo, foram chamados a colaborar para o normal desenvolvimento da própria eleição”.

Devemos apontar a novidade que supõe este artigo: até o presente, nunca havia sido prescrito, de maneira taxativa, o local da celebração do conclave. A prática apontava a Capela Sixtina, dentro do Vaticano, como lugar habitual do conclave. Contudo, até então não se designava o lugar. O artigo 41 da Constituição Apostólica Romano Pontifici Eligendo prescrevia que a eleição do papa se realizaria no Palácio Vaticano ou, por razões particulares, em outro lugar. A indeterminação do lugar se devia a uma questão de prudência, se em Roma não fosse garantida a liberdade dos cardeais eleitores.

O último conclave realizado fora de Roma ocorreu em Veneza, então sob a soberania da Áustria, em março de 1800, quando da morte de Pio VI. Este papa faleceu em Valença (França), em agosto de 1799, prisioneiro de Napoleão Bonaparte. Estando Roma ocupada pelas tropas napoleônicas, parecia prudente celebrar o conclave fora do alcance do exército francês. Pio VI, a partir da prisão, havia fornecido as normas necessárias para que o conclave pudesse ser celebrado “em qualquer lugar [nas terras] de qualquer príncipe católico”. O conclave de Veneza elegeu Pio VII.

Alojamento dos cardeais

O artigo 42 da Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis introduz uma importante novidade:

“Artigo 42 – No momento estabelecido para o início do processo de eleição do Sumo Pontífice, todos os cardeais eleitores deverão ter recebido e tomado uma conveniente acomodação na chamada Domus Sanctae Marthae, construída recentemente na Cidade do Vaticano”.

Com efeito, este artigo constitui uma novidade acerca da prática seguida até o momento. Nos conclaves romanos anteriores, os cardeais eleitores e as demais pessoas que entravam na clausura do conclave eram acomodados nas habitações dos palácios apostólicos. A [nova] solução, embora não conte com o aval dos séculos, é claramente melhor. Com efeito, no ambiente da Capela Sixtina se delimita um recinto amplo, onde podem ser alojadas tantas pessoas; quem visitou os museus vaticanos pode imaginar o incômodo que [tal recinto] pode provocar em pessoas maiores, às vezes idosas, residindo em habitações desprovidas até dos recursos mais elementares, ainda que decoradas pelos mais renomados artistas ao longo dos séculos.

Por isso, João Paulo II – que participou dos dois conclaves de 1978 e observou estes inconvenientes – decidiu oferecer uma acomodação melhor. A solução foi a Domus Sanctae Marthae: trata-se de uma residência situada no território do Vaticano, dedicada habitualmente a alojar o pessoal da Cúria Romana, e inaugurada em 1996, alguns dias antes da promulgação da Universi Dominici Gregis. Desse modo, ademais, oferece-se uma solução estável de alojamento a diversos altos-cargos da Cúria Romana, os quais sabem, no entanto, que, se for convocado um conclave, deverão deixar suas acomodações por alguns dias, já que durante o conclave o alojamento será dedicado aos eleitores e o pessoal [envolvido no desenvolvimento da eleição].

Isso nos leva a uma outra novidade quanto ao desenvolvimento do conclave: antes da vigência da Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, o conclave tinha um aspecto de retiro espiritual físico… uma verdadeira clausura. A Constituição Apostólica Romano Pontifici Eligendo, em seus artigos 53 e 54, regulava detalhadamente a clausura do conclave. Atualmente, pelo contrário, está previsto o deslocamento dos cardeais da Domus Sanctae Marthae até o Palácio Apostólico. E os artigos 43, § 2º e 45 da vigente Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis apresentam normas para a hipótese de um estranho ao conclave cruzar acidentalmente o caminho dos cardeais eleitores; algo impensável até agora!

Contudo, o conclave continua sendo um retiro. É ainda formado pelos cardeais eleitores, porém, com a diferença que agora não é caracterizado por algumas habitações fechadas para o mundo exterior, mas sim pela atitude dos cardeais eleitores, que estão proibidos de ter contato com o mundo exterior. Desde logo, parece obsoleto regular o conclave como um lugar fechado na era dos telefones celulares. A norma atual atende à necessidade do retiro, adequando-se às circunstâncias atuais.

 

Modo de proceder à eleição do Romano Pontífice

Início dos atos de eleição

No dia fixado para o início do conclave, pela manhã, se reúnem os cardeais eleitores na Basílica de São Pedro e celebram a Missa votiva «Pro eligendo Papa». Nessa mesma tarde, os cardeais se dirigem em procissão para a Capela Sixtina. Ao chegarem, emitem juramento solene.

É função do cardeal-camarlengo, auxiliado externamente pelo substituto da Secretaria de Estado, que a eleição do papa se desenvolva com a necessária reserva e discrição. Para isso, pode empregar os meios técnicos que estime convenientes, de forma a assegurar a impossibilidade da instalação de meios audiovisuais de gravação e transmissão externa.

Desenvolvimento da eleição

Neste ponto, a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis introduz uma modificação significativa. Até sua promulgação, havia três formas de eleição do Romano Pontífice: per acclamationem seu inspirationem (por aclamação ou inspiração), per compromissum (por compromisso) e per scrutinium (por escrutínio). A Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis declara abolidas as formas de eleição por aclamação e por compromisso, deixando como válida tão somente a forma por escrutínio.

O papa era eleito por aclamação ou inspiração quando os cardeais eleitores, “como que iluminados pelo Espírito Santo, livres e espontaneamente, proclamavam a alguém Sumo Pontífice, por unanimidade e de viva voz” (Constituição Apostólica Romano Pontifici Eligendo, artigo 63). A eleição por compromiso ocorria se “em determinadas circunstâncias particulares, os cardeais eleitores confiarem a um grupo deles o poder de eleger, em lugar de todos, o Pastor da Igreja Católica” (Constituição Apostólica Romano Pontifici Eligendo, artigo 64).

A eleição por escrutínio – a única forma válida atualmente – ocorre através da votação, individual e secreta, dos cardeais eleitores. A Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis prescreve que devem ser realizadas duas votações por dia, além de uma votação na tarde em que se inicia o conclave. Para que seja válida a eleição, deve contar com dois terços dos votos. O artigo 74 prevê que, se após 24 escrutínios os cardeais não chegarem a um consenso quanto ao cardeal eleito, poderão decidir por maioria absoluta a forma de proceder, porém, nunca se deverá prescindir do requisito de exigir maioria simples para que seja válida a eleição.

A legislação canônica não impõe requisitos para que alguém seja eleito papa. Portanto, devem ser considerados os requisitos do Direito Divino cabíveis para que uma pessoa venha a se tornar bispo, isto é, ser do sexo masculino, com pleno uso da razão. Na prática, no entanto, há muitos anos somente são eleitos os que já são cardeais.

Após cada eleição, são queimadas as cédulas de votação. A tradição aponta que os cardeais, caso não tenham eleito ainda o papa, provoquem um fumo negro (mediante queima de palha seca) ou branco (mediante queima de palha úmida), caso tenham eleito o novo Romano Pontífice; é a conhecida fumaça negra ou fumaça branca que o povo romano pode ver a partir da Praça de São Pedro.

Aceitação do eleito

Uma vez eleito, o cardeal decano pergunta ao eleito se aceita sua eleição canônica como Sumo Pontífice. Se o eleito, sendo bispo, aceita, a partir desse momento adquire de fato o pleno e supremo poder sobre a Igreja universal. Tendo aceito, [o cardeal decano] lhe pergunta o nome pelo qual quer ser chamado. Se o eleito não for bispo, proceder-se-á imediatamente a sua ordenação episcopal.

Em continuidade, os cardeais rendem-lhe homenagem e prestam-lhe obediência. A seguir, o primeiro dos cardeais-diáconos – ou seja, o cardeal protodiácono – anuncia, da sacada da Basílica Vaticana, ao povo reunido na Praça de São Pedro a eleição do novo papa, usando a tradicional fórmula: “Nuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam!”. E o [novo] Romano Pontífice transmite a bênção Urbi et Orbi.

Segundo o artigo 90, se o eleito estiver fora da Cidade do Vaticano, “deverão ser observadas as regras do mencionado Ordo rituum Conclavis”.

O artigo 92 indica que “o Pontífice, após a solene cerimônia de inauguração do pontificado e dentro de um prazo conveniente, tomará posse da Arquibasílica Patriarcal de Latrão, conforme o rito estabelecido”.

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