A Ética é normativa ou descritiva?

– Em outras palavras, a ciência do agir humano prescreve como o homem deve agir ou apenas descreve como ele age na maioria das vezes?

A ética trata de temas muito importantes, temas muitas vezes de difícil solução. Por esta razão, não é incomum encontrar quem recuse papel prescritivo ao conteúdo dessa disciplina, relegando sua função a pura literatura, reduzindo-a a discursos vazios. Em outras palavras, a questão inicial trata de saber se a ciência do agir humano prescreve como o homem deve agir ou apenas descreve como ele age na maioria das vezes. Há aqueles que sustentam que a ética não obriga o homem, mas apenas descreve como agem os homens, em cada tempo e lugar, sem juízo moral. Além disso, dizem, o conhecimento produzido pela ética não é objetivo, mas apenas representa, subjetivamente, o que outras pessoas e sociedades pensam sobre os diversos temas e assuntos. Os argumentos que fundamentam esta postura são:

I. Argumento contra a normatividade da ética:

A ética, enquanto disciplina filosófica, deveria ser constituída de proposições universais e analisar verdades universais. Logo, seja qual for o objeto desta disciplina, não podem ser os atos humanos, pois eles são sempre concretos e singulares. Logo, a Ética não é normativa dos atos humanos.

II. Argumento contra a objetividade da ética:

A moral, como norma prática do agir humano, é particular e varia de acordo com o tempo e as culturas. Logo, a ética não pode ser objetiva, mas reflete apenas os gostos e práticas de suas épocas. O princípio que sustenta as ações humanas não é objetivo, mas subjetivo, tornando assim a objetividade e isenção do discurso ético uma quimera.

III. Refutação das objeções

a) Sobre a normatividade da ética, pode-se dizer que a disciplina não pode reduzir-se à descrição do comportamento humano, pois a tarefa de descrever as ações dos indivíduos durante os tempos pertence a outras ciências, como a antropologia cultural ou a psicologia experimental. Portanto, se há uma tarefa para a ética, é justamente a de prescrever normas e princípios das ações humanas. Apesar dos atos humanos serem sempre individuais, nada obsta que cada ação concreta tenha como meta uma finalidade, cujo papel é orientar a execução material e formal dessas ações. De certa forma, é isso o que acontece quando, de modo particular e individual, um artífice produz qualquer obra ou produto. A prática individual do artífice obedece a princípios universais de execução, com a intervenção de um indivíduo concreto, por meio de ações concretas. A mediação a que a ética se presta, em razão da natureza das ações humanas, não permite concluir que está vedada à reflexão qualquer abordagem universal dessas práticas. Em razão da natureza das ciências, que visam o universal, os princípios concretos podem parecer contrários ao objeto da pesquisa No entanto, é através de ações particulares e da subsequente reflexão humana que a ciência alcança conteúdos universais. Ora, o que ocorre ordinariamente com a prática das ciências naturais, não está vedado à reflexão sobre o agir humano. Logo, a ética pode, sim, estudar o comportamento humano, em vista da prescrição dos atos humanos, definindo positivamente o que é próprio e o que é impróprio na prática humana.

b) Sobre a objetividade da ética, o argumento é semelhante. O fato de o agir humano ser particular não deriva subjetividade da ciência. Afinal, as ações e reflexões dos cientistas naturais também são particulares. Nem por isso, contudo, os críticos sustentam que as conclusões da física são inválidas, em razão da particularidade das ações dos físicos. Com efeito, o caráter particular de cada ação humana não impossibilita que se tirem conclusões universais sobre os experimentos ou reflexões de cada indivíduo. E a razão é que as conclusões das ciências não se fundam na perspectiva dos indivíduos, mas na universalidade do objeto de pesquisa: no caso das ciências da natureza, seus objetos próprios; no caso da ética, a natureza humana. Logo, a ética é objetiva, pois tem como princípio a natureza humana, sujeito de toda ação humana, apesar de sua particularidade inegável.

Além desses contra-argumentos, há ainda umas questões que os defensores da descritividade da ética precisam responder: supondo que tenham razão e que não há nada de universal na prática humana, como tratam ações humanas desprezíveis como o nazismo e a violência contra a mulher? Se, de fato, a ética é consuetudinária ou consensual, por que esses mesmos defensores gritam e escabelam-se contra o racismo ou o facismo? Afinal, essas práticas são absolutamente compreensíveis, se vistas no seu tempo e na sua sociedade. Hitler foi eleito. A escravidão era legal no Brasil. Logo, os defensores da descritividade ética deveriam calar-se sobre essas ações e até defender essas práticas, frutos maduros de uma sociedade, no seu tempo. Para os que defendem a prescritividade da ética, a escravidão, o racismo, o nazismo, a pedofilia, o fascismo, a corrupção, etc., são práticas inaceitáveis em qualquer tempo e em qualquer lugar. A vanguarda do atraso, no entanto, é contraditória: acha que a ética não prescreve como o homem deve agir, mas erige monumentos e cria feriados para ações historicamente explicáveis. Fazer o quê?

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