A eucaristia e a unidade da igreja

No dia 17 de abril, João Paulo II assinou sua encíclica Ecclesia de Eucharistia, a Igreja que vive da Eucaristia. Encíclica é uma carta de caráter solene e oficial, dirigida pelo Sucessor de Pedro a toda a Igreja. Nesta encíclica, o Papa apresenta a doutrina sobre o mistério eucarístico recebida dos Apóstolos, conservada e desenvolvida com fidelidade pelo magistério da Igreja. Por isso mesmo, o capítulo terceiro trata da apostolicidade da Eucaristia e da Igreja. A Eucaristia que a Igreja celebra e da qual se alimenta foi confiada por Jesus aos Apóstolos. De acordo com a fé dos apóstolos, a Igreja a celebra. É presidida pelos sucessores dos apóstolos, os bispos, e por aqueles que, pelo sacramento da ordem, foram constituídos seus colaboradores. A apostolicidade, pois, é componente essencial da natureza da Eucaristia.
 
A Eucaristia expressa a unidade da Igreja. “Já que há um só pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão” (1 Cor 10,17). Este corpo, de que fala Paulo, é a Igreja. Deste ensinamento, a encíclica tira diversas conseqüências de natureza pastoral, inclusive no campo do ecumenismo. A Eucaristia não pode ser concelebrada por aqueles que não comungam a mesma fé no mistério eucarístico professado pela Igreja. Neste caso, a celebração não seria uma linguagem autêntica. Daria margem a ambigüidades sobre a própria natureza da Eucaristia. Simplesmente ocultaria a divisão. Assim, em vez de ajudar, acabaria prejudicando a construção da unidade, a qual não pode prescindir da verdade (cf. n.44).
 
A Eucaristia alimenta a vida e unidade da Igreja. Por isso, a encíclica insiste sobre a celebração dominical da Eucaristia. Ela não pode ser substituída por celebrações ecumênicas da Palavra. Creio que, sem a celebração dominical da Eucaristia, nos esqueceríamos de que existe a Igreja ou, pelo menos, que somos os seus membros.
 
Finalmente, a Eucaristia tem um aspecto pedagógico: educa para a unidade. “A Eucaristia, como suprema manifestação sacramental da comunhão da Igreja, exige para ser celebrada um contexto de integridade dos laços, inclusive externos, de comunhão” (n. 38). Comunhão na mesma fé, na celebração dos mesmos sacramentos, na obediência aos legítimos pastores, sucessores dos Apóstolos. Oportunamente, a encíclica recorda as admoestações de São Paulo com relação às divisões na comunidade de Corinto (cf. 1 Cor 11, 17-34). Elas estavam em contraste com a Ceia do Senhor que celebrava. Recorda ainda a admoestação de Agostinho: “quem recebe o sacramento da unidade, sem conservar o vínculo da paz, não recebe um sacramento para seu benefício, mas antes uma condenação” (n. 40)
 
A Ecclesia de Eucharistia está em continuidade com a encíclica sobre o mistério eucarístico, dirigida aos bispos em 1980. Nela, João Paulo II recorda o aspecto ético da celebração da Eucaristia. Afirma que todos aqueles que participam da Eucaristia devem assumir um tríplice compromisso. Antes de tudo, compromisso com o amor. A Eucaristia condensa e expressa o amor de Cristo levado ao extremo. Participar, pois, da Eucaristia implica o compromisso de gastar a própria vida no serviço e na dedicação aos irmãos.
 
A Eucaristia é também o sacramento do Pão dividido, compartilhado. Implica o compromisso com a construção de uma sociedade, onde o “pão”, isto é, tudo aquilo que é fundamental para a vida – alimento, veste, saúde, educação, habitação – não falte a ninguém.
 
Por fim, a Eucaristia é a celebração da páscoa de Cristo, da vida em plenitude. Quem participa da Eucaristia deve assumir a responsabilidade para com a vida humana desde sua origem, no ventre materno, até o seu fim natural. Seja a vida que nasce plena e forte, seja a vida que nasce frágil e pobre. Na exortação apostólica Christifideles Laici, o Papa recorda que não passa de hipocrisia defender condições de vida digna para todos, como o direito à habitação, à saúde, à educação, e , ao mesmo tempo, não respeitar a vida que surge no seio materno, mesmo que pobre e fraca.
 
Com a instituição da Eucaristia, Cristo inaugurou um novo modo de estar presente na Igreja, no mundo e em cada um de nós. Como recorda a encíclica, a Eucaristia é uma realização concreta e plena de sua palavra: “Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos”. (Mt 28, 20).

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