É sabido que os protestantes anticatólicos recorrem a qualquer citação, documento ou referência histórica que encontram na Internet e que possa servir-lhes em sua ofensiva contra a Igreja Cristã Católica. E em muitos casos, nem sem importam em analisar o contexto ou comprovar a veracidade ou autenticidade de tais evidências. Deste modo, sua incontrolável beligerância contra a Igreja do Senhor lhes impede de aplicar a si mesmos o mesmo rigor que empregam para questionar cada aspecto que expõe a Igreja Cristã Católica e, por isso, não é comum que este tipo de protestante reflita sobre a situação e diversidade doutrinária do seu próprio e bastante fragmentado mundo protestante.

Dito isto, quanto a questão do cânon bíblico, é sabido que os protestantes se esforçam por todos os meios em encontrar qualquer prova, evidência ou indício histórico pelo qual possam se apegar para apoiar a sua tese de que antes da Reforma existia uma Bíblia ou cânon de 66 livros, tal como eles carregam debaixo do braço aos domingos, quando se dirigem para os seus cultos.

Em diversos Sites e também em debates na Internet sobre o cânon bíblico, é possível ler e ouvir certos protestantes recorrerem a uma suposta “Confissão de Fé Valdense do ano 1120” para afirmarem, em tom triunfalista, que antes da Reforma havia um cânon de 66 livros. Alguns não param por aí e se aventuram a afirmar que os valdenses preservaram a Bíblia através dos séculos e que é possível traçar-lhes a historicidade até os Apóstolos, coisa esta que é impossível historicamente (…).

Voltando à questão do cânon, um dos Sites [protestantes] em que podemos ler a referida “Confissão de Fé Valdense do ano 1120” é o “Apostles Creed”. O artigo que faz referência ao cânon bíblico é o Artigo 3º, cuja tradução para o português seria esta:

  • Artigo 3º – Reconhecemos as Sagradas Escrituras canônicas, os livros da Bíblia Sagrada: os livros de Moisés, chamados Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio; Josué; Juízes; Rute; 1º de Samuel, 2º de Samuel; 1º de Reis, 2º de Reis; 1º das Crônicas, 2º das Crônicas; Esdras, Neemias; Ester; Jó; Salmos; os Provérbios de Salomão; Eclesiastes ou o Pregador; o Cântico de Salomão; as profecias de Isaías e Jeremias; as Lamentações de Jeremias; Ezequiel; Daniel; Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Aqui seguem os livros apócrifos, que não foram recebidos dos hebreus, mas que nós lemos – como diz São Jerônimo em seu Prólogo aos Provérbios – para a instrução do povo, não para confirmar a autoridade da doutrina da Igreja: 2º de Esdras, 3º de Esdras, Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc com a Epístola de Jeremias, Ester a partir do décimo capítulo até o final, a Canção dos Três Jovens, a História de Susana, a História do Dragon, 1º de Macabeus, 2º de Macabeus e 3º de Macabeus”.

A fonte primária desta suposta “Confissão de Fé Valdense do ano 1120” é o livro “A History of the Evangelical Churches of the Valleys of Piedmont”, de Samuel Morland, do ano 1658:

Nesse livro, é possível apreciar a suposta Confissão de Fé nas páginas 30 e 31:


[Artigo 3º: o cânon valdense de 66 livros e os “apócrifos”, em tese datado de 1120]

Deve-se observar em primeiro lugar que o livro de Morland é de 1638 e o mesmo indica que a Confissão foi “copiada de certos manuscritos datados do ano 1120”. No entanto, não cita nenhuma nota, referência ou bibliografia, nem referências de museus os lugares históricos onde seja possível verificar se os originais dos tais manuscritos datam mesmo do ano 1120 — o que levanta sérias dúvidas sobre a autenticidade desta Confissão e, por isso, outros historiadores têm revisado e concluído que se trata de uma falsificação. Citarei a seguir apenas um pequeno, mas representativo grupo desses historiadores.

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1. A primeira fonte é o livro “History of the Canon of the Holy Scriptures in the Christian Church”, do acadêmico e erudito bíblico Edward Reuss, pág. 264:


[A Confissão de Fé valdense não é do século XII, mas do XVI]

A página 264 aponta claramente que a presumida Confissão de Fé de 1120 é uma falsificação que deve ser datada no mínimo de 1532.

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2. A segunda referência é o livro “The Waldensian Manuscripts”, do respeitado erudito James Henthorn Todd, D.D., pág. 94:


[“A antiguidade desses documentos foi totalmente refutada”]

Henthorn indica que a antiguidade da referida Confissão de Fé, juntamente com outros manuscritos valdenses supostamente do ano 1120 foi totalmente refutada. Neste livro é evidenciada a falsificação [do cânon] apresentado [no livro de] Samuel Morland.

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3. A terceira referência é o livro “The Origin, Persecutions, and Doctrines of the Waldenses” (=”Origem, Perseguições e Doutrina dos Valdenses”) do acadêmico Pius Melia, D.D., pág 92:


[A Confissão de Fé valdense foi impressa com a falsa data de 1120]

Nesta obra, reafirma-se a falsificação da “Confissão de Fé Valdense de 1120”, a qual remonta ao século XVI.

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4. A quarta referência provém dos próprios historiadores valdenses, que reconhecem que a citada Confissão NÃO é de 1129, mas uma falsificação que corresponde a um documento de 1531, ao qual se quis atribuir falsamente a data de 1120. Pode ser verificado no próprio Site bibliográfico valdense.

Esse Site é um projeto conjuto entre a Foundation Centro Culturale Valdese, em Torre Pellice, a Società di Studi Valdesi, também em Torre Pellice, e a Reformierter Bund in Deutschland, de Hannover.

Tanto a Sociedade Sulamericana de História Valdense, quando a Societá di Studi Valdesi e a Societé d’Histoire Vaudoise confirmam que a “Confissão de Fé de 1120” data realmente do ano 1531.

[A Confissão de Fé valdense é, na verdade, de 1531]

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5. A quinta [e última] referência provém também de historiadores valdenses. No “Bollettino della Societa Di Studi Valdesi”, de 1972, é possível ler o seguinte:

  • “Sabe-se que a chamada ‘Confissão de 1120’, datada por nossos historiadores como sendo do ano 1531, encontra-se em Perrin, que a chama de ”Confession de foy des Vaoudois'”.


[A Confissão de Fé de 1120 é de 1531: posterior à Reforma Protestante]

CONCLUSÃO

Ainda que as fontes que eu indiquei sejam mais do que suficientes, há ainda outras fontes que confirmam a falsidade da Confissão de Fé Valdense do ano 1120.

Com efeito, continua sem existir uma Bíblia [cristã] ou cânon de 66 livros anterior à Reforma, tal como possuem os protestantes hoje, já que o suposto cânon valdense de 66 livros pré-Reforma foi refutado.

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