A fé e a autoridade da Igreja

Autor: Alessandro Lima *

Porque nele [no Evangelho] se revela a justiça de Deus, que se obtém pela fé e conduz à fé, como está escrito: O justo viverá pela fé” (Rm 1,17).

Introdução

Nós somos dotados de duas faculdades: inteligência e vontade. A primeira orienta-se a todos os raios da Verdade, a segunda orienta-se às atrações do Bem. No casamento entre estas duplas conjugações, o homem encontra a solução para os enigmas e a regra definitiva de sua atividade moral. Este casamento chama-se Fé.

A Fé como instrumento do desenvolvimento humano

A própria família é edificada pelo ato de Fé. Uma mãe diz a seu filho: sou uma mãe; o Pai diz: sou seu pai. No lar o menino cresce recebendo educação dos pais, ora isso mais nada é do que o exercício contínuo da Fé. Na instituição familiar entra em ação de um lado a autoridade dos pais e do outro a confiança dos filhos. Neste dois elementos que a natureza fez instintivos e complementares, constituem os pólos nos quais gravita a primeira formação do homem.

Depois vem a escola, e o exercício da Fé aí é mais uma vez continuado. Fé na Geografia, na Matemática, na História, na Língua Portuguesa. E mais uma vez somos formados entre a autoridade do Professor e o nosso livre assentimento.

Nas universidades não é diferente. Qual sábio não desenvolveu seu trabalho fundamentado em estudo de outros mestres? Ora, por um processo inevitável de economia intelectual, toma-se o atalho da fé evitando os longos percursos da demonstração. Com efeito, a verificação pessoal é sempre possível, entretanto, o motivo que determina a adesão da inteligência, na maioria dos casos, não é a prova da ciência, mas a aceitação fiduciária da ciência alheia, logo um ato de Fé.

Também é a Fé que dá dinamismo à vida social. Relações de serviços, comércio, trabalho, trânsito e etc. Nisto tudo encontramos o justo exercício entre a afirmação da Autoridade e o assentimento dos cidadãos. Cremos também no Jornal que nos instrui dos acontecimentos recentes, cremos no médico que nos dá o diagnóstico, no farmacêutico que nos receita um remédio, nas Agências que regulamentam os vários serviços, nos Institutos que garantem a qualidade de vários produtos. É inegável que “em todos os conhecimentos indispensáveis à orientação de nossa vida, o que adquirimos por observação individual e averiguação própria é uma insignificância em comparação do muito, do quase tudo, que, por via de autoridade, entra no patrimônio dos nossos havares intelectuais” (1, pg. 25).

É mister reconhecer que a Fé é um ato de assentimento intrínseco ao homem, que condiciona toda sua existência e eleva à perfeição suas manifestações intelectuais e sociais. Logo, verifica-se que a Fé não está restrita ao âmbito religioso, porém em nenhum outro domínio, encontra a Fé sua necessidade mais evidente e sua importância mais inestimável.

A Fé religiosa

O homem é dotado de natureza material (corpo) e espiritual (alma). Esta realidade se demonstra com o uso da razão e se verifica com a Ciência livre do dogmatismo racionalista (como é o caso da Parapsicologia, que identifica a pré-cognição como uma das faculdades da alma).

A correria cotidiana em estudar, trabalhar, cuidar de si e da família, normalmente impede que possamos nos dedicar à investigação pessoal das grandes questões filosóficas e espirituais. Como acontece em relação às realidades naturais, as realidades espirituais também dependem da autoridade e do assentimento de Fé para que o homem tome delas todo benefício.

Por isso, nos explica Pe. Leonel Franca, “E Deus não faltou a mais esta exigência de nossa natureza. Ele, que, fazendo do respeito à verdade um dever de consciência e dando-nos instintos e inclinações sociais, facilitou o exercício da fé exigido para o desenvolvimento e perfeição da nossa vida terrena, instituiu uma sociedade espiritual a quem confiou o patrimônio das verdades indispensáveis à nossa atividade moral e à expansão segura das nossas aspirações religiosas. Fez mais. Nas relações sociais e científicas, um erro não tem conseqüências irreparáveis; basta neste domínio a fé humana sujeita às tristes contingências da nossa falibilidade. A Vida religiosa, essa tem repercussões eternas. Com ela orientamo-nos para os destinos definitivos de além-túmulo; acertar nesta orientação é assegurar a posse da perfeição e da felicidade; errar culpadamente equivale a uma catástrofe irremediável” (Ibidem, pg. 27).

A Autoridade religiosa

A Fé por ser o instrumento necessário ao desenvolvimento do homem e vida religiosa por ser a prática que nos orienta ao nosso destino eterno, Deus em seu imenso amor por nós deu-nos a garantia de que a Autoridade pela qual recebemos as Verdades Relevadas de Sua Vontade, tivesse a garantia da infabilidade, já que “errar culpadamente [em matéria religiosa] equivale a uma catástrofe irremediável”.

Ora e que autoridade é essa? É o Magistério Divino, que teve início com os Patriarcas do AT, desenvolveu-se sob a autoridade de Moisés, dos Reis e Profetas e que culminou na Igreja. Toda autoridade que as Escrituras possuem, derivam desta autoridade e não o contrário. Por exemplo: a autoridade do Pentateuco para os judeus do AT derivou da autoridade de Moisés, e não o contrário, como se Moisés tivesse autoridade porque escreveu o Pentateuco, ou porque o Pentateuco lhe fazia referência.

Conforme já dissemos o ato de livre assentimento a um ensinamento dado, não por ser evidente a Verdade naquilo que se ensina, mas por causa da Autoridade que o transmite constitui ato de Fé. Em matéria religiosa constitui no livre assentimento devido às Verdades reveladas pela Igreja.

Magistral é a definição de Fé dada pela Doutrina Católica: “A Fé […] é uma virtude sobrenatural, pela qual, prevenidos e auxiliados pela graça de Deus, cremos como verdadeiro o conteúdo da revelação, não em virtude de sua verdade intrínseca, vista pela luz natural da razão, mas por causa da autoridade de Deus que não pode enganar-se ou enganar-nos” (2).

Isso também pode ser constatado na Escritura. Jesus disse: “Ide pelo mundo; pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem não crer será condenado” (Mc 16,15-16). É certo que crer é dar assentimento a uma revelação, não por sua veracidade ser evidente, mas pela autoridade de quem a revela (cf. Mt 28,14-20).

Alguns do Sinédrio, vendo como muitos criam no Evangelho, se indagavam ao Senhor: “[…] Com que direito fazes isso? Quem te deu esta autoridade?” (Mt 21,23).

Encontramos aí a utilidade dos milagres do Senhor. Cristo fazia milagres para demonstrar a Sua Autoridade. Quando os fariseus se negavam em crer Nele, o Senhor lhes dizia “[…] Crede-o ao menos por causa destas obras” (Jo 14,11). Ver também Jo 10,25.37-38.

Os milagres do Senhor davam testemunho de Sua Autoridade. Por causa dela muitos creram e não por ser evidente a Verdade no que lhes era revelado. S. João Batista creu no Cristo por causa da Sua Autoridade:

Tendo João, em sua prisão, ouvido falar das obras de Cristo, mandou-lhe dizer pelos seus discípulos: Sois vós aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro? Respondeu-lhes Jesus: Ide e contai a João o que ouvistes e o que vistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos pobres…” (Mt 11,2-5) (grifos meus).

E não foi diferente com o povo, pois “Com efeito, ele a ensinava como quem tinha autoridade e não como os seus escribas” (Mt 7,29).

Foi o próprio Deus que Se fez presente no meio dos homens, revelando-lhes Sua Vontade, cuja Fé estes Lhe devem mediante o exercício de Sua Autoridade. Porém, sabendo que Cristo deveria pregar somente para os judeus (cf. Mt 15,24) e que deveria voltar para o Pai, quem exerceria Sua Autoridade para a manutenção da Fé dos homens do resto do mundo e dos futuros fiéis?

A Autoridade da Igreja

A resposta à pergunta anterior encontra-se no final do Evangelho de S. Mateus:

Mas Jesus, aproximando-se [dos apóstolos], lhes disse: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,18-20) (grifos meus).

Nosso Senhor pede aos apóstolos para que preguem o Evangelho. Ora, isto confirma mais uma vez que a Fé é um assentimento à Verdade Revelada e não uma experiência, um sentimento, como ensinava Lutero. Ora, se Cristo pede aos seus apóstolos que revelem o que Ele prescreveu, era preciso que eles o fizessem com a mesma autoridade Dele, caso contrário, o mundo não iria crer. Da mesma forma como um Vice-Presidente no exercício interino da Presidência (se o Presidente por razões de força maior não puder fazê-lo) tem o mesmo poder e autoridade do Presidente eleito, por razões de necessidade, também os Apóstolos foram investidos pelo Divino Mestre com Sua própria Autoridade.

A Escritura dá testemunho de que a Autoridade da Igreja deriva da autoridade do Divino Redentor: “Reunindo Jesus os doze apóstolos, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, e para curar enfermidades” (Lc 9,1) (grifos meus). Percebam que a Autoridade com que Cristo investiu Sua Igreja, não deriva da Escritura. Foi o próprio Cristo que a deu. A Igreja é tão anterior à Escritura que a Escritura fala da Igreja.

A Infabilidade da Igreja, cuja necessidade já demonstramos no início deste trabalho, é manifestada nas palavras do Cristo a S. Pedro: “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18) (grifos meus).

A que instituição Nosso Senhor se refere de forma tão carinhosa como “minha Igreja?” Jesus se refere à Igreja fundada por Ele e edificada sob a autoridade de S. Pedro (cf. Mt 16,16-19) e dos apóstolos (cf. 1Cor 3,10; Gl 2,6; 1Ts 2,7; Fl 1,8). Essa Igreja possui uma só doutrina (Ef 4,4-5), é apascentada pela autoridade de S. Pedro (cf. Lc 22,31-32), guarda não só a Sagrada Escritura como autoridade de Fé, mas também a Sagrada Tradição (cf. 2Ts 2,15) e o Sagrado Magistério (cf. At 16,4), tem Fé de que a Eucaristia é verdadeiramente o Corpo e Sangue do Senhor (cf. Jo 6,5; 1Cor 11,29), venera a Mãe do Salvador (cf. Lc 1,48), crê que ela é Rainha no Céu (cf. Ap 12,1-5), seus Bispos são sucessores dos Apóstolos (cf. At 1,21-26), seus presbíteros são instituídos pelo Sacramento da Ordem (cf  1Tm 4,14) e observa o Santo Domingo do Senhor (At 20,7; 1Cor 16,2;Cl 2,16).

Todo espírito sincero após verificar o testemunho da Escritura e da Memória Cristã há de reconhecer que esta Igreja é a Igreja Católica com Sé em Roma.

Conclusão

Se a Fé nas Autoridades humanas que são suscetíveis às falhas, já nos traz grande benefício, o que dizer sobre a Fé na Autoridade da Igreja Infalível?

Por isso S. Paulo ensinou que o “justo viverá pela Fé” (cf. Rm 1,13). Mas que Fé? A Fé no Naturalismo, no Racionalismo, no Marxismo, no Agnosticismo e nas falsas religiões e igrejas? Esta Fé é inútil ao homem, é impossível salvar-se por ela. O justo, isto é, aquele que se fez amigo de Deus pelo arrependimento de seus pecados e pelo Batismo, este só se salvará se fizer assentimento à Verdade revelada pela Igreja Verdadeira.

É a Igreja fundada por Jesus a Autoridade querida por Deus para nos dar Sua Revelação e nos guiar até que Cristo venha. Por isso S. Paulo ensinou que “A Igreja é a Coluna e o Fundamento da Verdade” (cf. Tm 1Tm 3,15).

Foi a Fé na Revelação dada pela Igreja que possibilitou nações bárbaras se transformarem em verdadeiros Estados civilizados. Também foi ela quem afastou o perigo da heresia durante tantos séculos, possibilitando que a Verdade proclamada ontem chegasse a nós hoje.

Notas

(1) FRANCA, Pe. Leonel. A Psicologia da Fé e o Problema de Deus. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio/Edições Loyola, 2001.

(2) Dezinger, Enchridion symbolorum, Sessão III, c. III, 1789.

 

* O autor é arquiteto de software, professor, escritor, articulista e fundador do Apostolado Veritatis Splendor.

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