A Graça e a Justificação

Resumo: Neste pequeno artigo, nos propomos a fazer uma reflexão sobre a graça e a justificação, baseando-se no ensino do artigo 2, “Graça e Justificação” do Catecismo da Igreja Católica, compreendendo os parágrafos 1987 a 2016.

I – A Justificação

Pela graça de Deus, o Espírito Santo age nos homens purificando-os do pecado e comunicando-lhes a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo e pelo Sacramento batismal que o incorpora ao Corpo de Cisto, a Igreja. Pela ação do Espírito Santo os homens participam da Paixão de Cristo, morrendo para o pecado, e participam também da Ressurreição nascendo para uma vida nova como membros da Igreja, sendo assim enxertados na Videira que é Jesus Cristo.

A primeira obra da graça que é operada pelo Espírito Santo é a conversão que realiza por sua vez a justificação (2), pela ação da graça o homem se volta para Deus se afastando do pecado e acolhendo o perdão e a justiça do alto. Segundo o ensino do Concílio de Trento, “a justificação comporta a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior.” (cf. DS 1528; CIC § 1989).

A justificação não é merecimento humano, mas fruto da misericórdia de Deus, que foi merecida aos homens pela Paixão de Cristo, que se ofereceu livremente na cruz como hóstia viva, santa e agradável, cujo sangue foi instrumento de propiciação pelos pecados da humanidade (3). Com a justificação se estabelece a colaboração entre a graça de Deus e a liberdade do homem, ao passo que o homem se aproxima pela fé à palavra de Deus (4), que convida a este à conversão. Santo Agostinho dar a entender que a justificação é a ” obra mais excelente do amor de Deus”, com o seguinte argumento: “a justificação do ímpio é uma obra maior que a criação dos céus e da terra”, pois “os céus e a terra passarão, ao passo que a salvação e a justificação dos eleitos permanecerão para sempre” . (Cf. Sto. Agostinho, in. Johannis Evangelium tractatus, 72,3 apud CIC §1994).

II – A Graça

Uma vez que a justificação do homem é fruto da graça de Deus, cabe perguntamos o que é a graça? E o Catecismo da Igreja Católica responde sem falhas: “A graça é favor, o socorro gratuito que Deus nos dá para responder a seu convite: tomar-nos filhos de Deus, filhos adotivos participantes da natureza divina, da Vida Eterna.” (cf. CIC § 1996).

Assim sendo, a graça nada mais é do que o auxílio de Deus para que o homem possa responder positivamente ao Seu chamado. Deve-se ter em conta, que a graça é dom gratuito que Deus concede ao homem pelo Espírito Santo no Sacramento do Batismo, trata-se do que a Igreja denomina de “graça santificante ou deificante”, que agindo no homem é a fonte da santificação.

A graça santificante é um dom habitual (uma disposição estável e sobrenatural ) que prepara o homem para viver segundo os desígnios de Deus, é preciso que se distinga a graça habitual (5) das graças atuais (6), que são intervenções divinas na vida do homem, no decorrer da obra de sua santificação.

A própria preparação do homem para acolher a graça de Deus já é obra da graça, dada a necessidade de suscitar e manter a colaboração do homem em sua própria santificação, cooperando com a graça. Por isso ensina Santo Agostinho: “Sem dúvida, operamos também nós, mas o fazemos cooperando com Deus, que opera predispondo-nos com a sua misericórdia. E o faz para nos curar, e nos acompanhará para que, quando já curados, sejamos vivificados; predispõe-nos para que sejamos chamados e acompanha-nos para que sejamos glorificados; predispõe-nos para que vivamos segundo a piedade e segue-nos para que, com Ele, vivamos para todo o sempre, pois sem Ele nada podemos fazer.” (cf. Sto. Agostinho in, De natura et gratia, 31,35 apud CIC §2001).

Deus age de forma livre, concedendo a graça, e a resposta do homem também deve ser livre, pois “a alma só pode entrar livremente na comunhão do amor”. (CIC § 2002).

Sendo a graça de Deus, dom que nos justifica e santifica, compreende também os dons do Espírito Santo (7) que atuando em na vida do homem o ajuda a colaborar na salvação dos outros homens, bem como com o crescimento da Igreja, Corpo de Cristo. São graças sacramentais, dons próprios de cada Sacramento, dos canais da graça de Deus a atingir o homem por meio da Igreja. Existem também as graças especiais, os carismas, que ás vezes são extraordinários como o dom de línguas, que se ordenam à graça santificante tendo como meta o bem comum da Igreja. Outro exemplo de graças especiais são as graças de estado “que acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja: Tendo, porém, dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada, aquele que tem o dom da profecia, que o exerça segundo a proporção de nossa fé; aquele que tem o dom do serviço, que o exerça servindo; quem tem o dom do ensino, ensinando; quem tem o dom da exortação, exortando. Aquele que distribui seus bens, que o faça com simplicidade; aquele que preside, com diligência; aquele que exerce misericórdia, com alegria (Rm 12,6-8).” (cf. CIC § 2004) .

A graça de Deus só pode ser conhecida pela Fé, visto que é de ordem sobrenatural. Dessa forma, não se pode deduzir por sentimentos se “estamos justificados e salvos” (8), isso compete unicamente à Deus, por outro lado, pelos frutos (cf. 7,20) podemos reconhecer que a graça opera em nós, nos impelindo a buscar sempre a progressão na fé, numa atitude de humildade confiante em Deus.

III – O Mérito

A palavra “mérito” tem sentido de “retribuição devida” . Em termos jurídicos diante de Deus não há mérito da parte do homem, uma vez que a diferença do homem para Deus é infinita. Deus livremente determinou associar o homem à obra de sua graça (9), fazendo com que o homem participasse na vida cristã, com mérito diante de Deus: “A ação paternal de Deus vem em primeiro lugar por seu impulso, e o livre agir do homem, em segundo lugar, colaborando com Ele, de sorte que os méritos das boas obras devem-ser atribuídos à graça de Deus, primeiramente, e só em segundo lugar ao fiel. O próprio mérito do homem cabe, aliás, a Deus pois suas boas ações procedem, em Cristo, das inspirações do auxilio do Espírito Santo.” (cf. CIC § 2008).

Dessa forma, o homem ao se tornar filho adotivo de Deus e partícipe por graça da natureza divina, torna-se co-herdeiro de Cristo, e apto para receber a herança prometida da vida eterna (10). Contudo, deve-se notar que ninguém pode merecer a graça primeira, ou seja, o primeiro passo para a conversão, perdão e justificação é graça de Deus por ação do Espírito Santo, que exige uma resposta do homem, resposta essa que livremente pode ser positiva ou negativa. O homem pode merecer em seguida, por ação do Espírito Santo, outras graças úteis à sua santificação, ao crescimento da graça e da caridade, podendo também ganhar a vida eterna.

“A caridade de Cristo em nós constitui a fonte de todos os nossos méritos diante de Deus. A graça, unindo-nos a Cristo com amor ativo, assegura a qualidade sobrenatural de nossos atos e, por conseguinte, seu mérito (desses nossos atos) diante de Deus, como também diante dos homens. Os santos sempre tiveram viva consciência de que seus méritos eram pura graça.

“Após o exílio terrestre, espero ir deleitar-me de vós na Pátria, mas não quero acumular méritos para o céu, quero trabalhar somente por vosso amor. (…). Ao entardecer desta vida, comparecerei diante de vós com as mãos vazias, pois não vos peço, Senhor, que contabilizeis as minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas a vossos olhos. Quero, portanto, revestir-me de vossa própria justiça e receber de vosso amor a posse eterna de vós mesmo…” (Sta. Teresa do Menino Jesus, Oferta).” (cf. CIC§ 2011)

IV – A santidade cristã

“Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade.” (cf. Lúmen Gentium, 40). “Deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48)

O homem novo envolto pela graça de Deus tende a buscar a perfeição, que é meta de vida para o cristão. O progresso espiritual torna o homem mais íntimo de Cristo, que o busca por meio dos Sacramentos, notadamente a Santa Eucaristia. É de se notar que o caminho da perfeição invariavelmente passa pela cruz, uma vez que “não existe santidade sem renuncia e sem combate espiritual” (11), levando à ascese e mortificação das paixões desregradas, fazendo com que gradativamente o homem possa viver segundo a paz e alegria dos bem aventurados, conforme demonstra São Gregório de Nissa quando afirma que: “Aquele que vai subindo jamais cessa de progredir de começo em começo, por começos que não têm fim. Aquele que sobe jamais cessa de desejar aquilo que já conhece” (cf. S. Gregório de Nissa in, Homilia in Canticum , 8 apud CIC § 2015).

A perseverança final e a recompensa de Deus (a salvação), é o que pela fé, esperam os filhos da Santa Igreja Católica, cooperando com boas obras realizadas pela graça em comunhão com Jesus Cristo (12). Os fiéis cristãos partilham a feliz esperança de serem reunidos na cidade Santa, a nova Jerusalém que descerá do céu junto a Deus (cf. Ap 21,2).

“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).

Itapetinga-BA, 13 de setembro de 2007, dia de São João Crisóstomo (349 – † 407), Doutor da Igreja.

In caritate Christi,

Leandro Martins de Jesus

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NOTAS:

(1) – Pedagogo/UESB, 3º ano do Curso de Teologia para Leigos (Vicariato S.João).
(2) – “Arrependei-vos (convertei-vos), porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 4,17)
(3) – Cf. Catecismo da Igreja Católica § 1992; cf. Fl 2,6-11.
(4) – No caso do Batismo das crianças, as mesmas são conduzidas pela Fé dos pais e padrinhos, até a confirmação da própria Fé, na idade da razão. (nota do autor).
(5) – “Disposição permanente para viver e agir conforme o chamado divino” (cf. Catecismo da Igreja Católica § 2000).
(6) – “Designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no decorrer da obra da santificação”. (cf. Catecismo da Igreja Católica § 2000.)
(7) – Os dons do Espírito Santo são: Sabedoria, Inteligência, Conselho, Fortaleza, Ciência, Piedade e Temor de Deus (cf. CIC 1830 a 1832).
(8) – Cf. Concílio de Tento. DS 1533-1534.
(9) – Notadamente se observa tal desígnio pela obra da Encarnação do Verbo, assumindo a natureza humana para salva-la. (nota do autor)
(10) – Cf. CIC § 2009-2010.
(11) – Cf. CIC § 2015, II Tm 4.
(12) – Cf. Concílio de Trento.

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