A grande revolta contra Cristo

Desde o começo do mundo existem dois elementos “o bem e o mal” combatendo entre si. “É impossível que não haja escândalos“, diz nosso Senhor. São Miguel e Lúcifer combatem no céu. Caim e Abel na família de Adão. Isaac e Ismael na família de Abraão. Jacó e Esaú na família de Isaac. José e seus irmãos na família de Jacó. Salomão e Absalão na família de Davi. São Pedro e Judas na companhia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os apóstolos e os imperadores romanos na Igreja de Cristo. São Francisco de Assis e o irmão Elias, na ordem franciscana. São Bernardo e seu sobrinho André, na ordem Cisterciense. Santo Afonso e padre Leggio na Congregação do Santo Redentor. O justo e o perverso, em todos os lugares. De fato, onde é que no país, na cidade, na vila, na comunidade religiosa ou na família, por menor que esta seja, estes dois elementos não se acham em oposição? A parábola do semeador é verificada em todo lugar. Mesmo que você esteja sozinho, o espírito e a carne combaterão. “E os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa” (Mt 10,36). Estranho dizer, não só o bem e o mal estão em conflito perpétuo, mas Deus, para olhos sábios, permite que o melhor e mais santo homem seja às vezes diametricamente mal interpretado por outras pessoas e mesmo incite perseguições entre estes, mesmo que elas sejam levadas a isso pelo mais puro e santo dos motivos.

Haverá escândalos: um divino, e fatal, aviso.

Existem tempestades na natureza para purificar o ar dos elementos perigosos. Da mesma forma, Deus permite que tempestades “heresias” cheguem à Sua Igreja na terra para que as doutrinas heréticas sejam, em forma de diferença, sejam colocadas à luz da verdadeira e sã doutrina da Igreja. Assim como a luz está no centro da escuridão e o ouro contrasta com o chumbo, o sol entre os planetas, os sábios entre os tolos, assim a Igreja Católica entre os não-católicos. “Se duas coisas de naturezas diferentes“, diz o homem sábio, “são colocadas em oposição, os olhos logo percebem suas diferenças“. “Diante do mal está o bem; diante da morte, a vida, assim também diante do justo está o pecador. Considera assim todas as obras do Altíssimo; estão sempre duas a duas, opostas uma à outra” (Eclo 33,15).

Cristo, então, permite a tempestade das heresias para ativar sua Igreja, para trazer a luz clara de sua divina doutrina, e remover perigosos elementos de Seu corpo místico – a Igreja Católica Romana.

No começo do século 16, com exceção do cisma grego, poucos Lolardos na Ingleterra, alguns Valdenses em Piemont, dispersos Albigenses e Maniqueus, e poucos seguidores de Huss e Zisca entre os Bohêmios, toda a Europa era Católica Romana. Inglaterra, Escócia, Irlanda, Espanha, Portugal, França, Itália, Alemanha, Suécia, Hungria, Polônia, Holanda, Dinamarca, Noruega e Suécia ? todas as nações civilizadas estavam em unidade com a fé Católica. Muitas destas nações estavam no auge de seu poder e prosperidade. Portugal avançava com suas descobertas através do Cabo da Boa Esperança, e missionários católicos se estabeleciam nas Índias Orientais. Cristóvão Colombo, católico, descobriu a América, sob o reinado da católica Isabela da Espanha. A Inglaterra estava em estado de grande prosperidade. Suas duas universidades católicas de Oxford e Cambridge continham, ao mesmo tempo, mais de 5 mil estudantes. O país estava coberto de nobres igrejas, abadias e mosteiros, e de hospitais onde os pobres eram alimentados e instruídos.

Entretanto, o progresso da civilização tendeu a desenvolver um espírito de orgulho, e encorajar à cobiça de novidades. A prosperidade da Igreja levou à luxúria, e em muitos casos ao relaxamento da doutrina. Havia, como sempre houve, em todos os momentos da Igreja, e os tempos apostólicos não são excluídos, maus homens na Igreja. O joio e o trigo cresceram juntos até o máximo. O seio da Igreja encerrava o bom e o mal. Os escritos de Wyckliff, Huss e seus seguidores, orientaram as mentes de muitos. Príncipes estavam inquietos pela repressão da Igreja de suas luxúrias. Henry VIII, por exemplo, quis se divorciar da mulher que fora casado por vinte anos, para casar com uma bela jovem. Ele não pôde fazer isto, pois conhecia a supremacia espiritual do Papa. Felipe de Hesse queria duas esposas. Nenhum Papa concedeu tal permissão. Então existiam multidões de perniciosos e cobiçosos nobres que queriam apenas uma desculpa para saquear as igrejas, abadias e monastérios, cuja propriedade era confiada à educação do povo e dos cuidados dos pobres, idosos, doentes, em toda a Europa. Existiam monges e padres ansiosos por relaxar a disciplina e muitas pessoas que, incitadas pelo grito de liberdade, estavam prontas para acabar com as licenças, e fazer guerra contra cada princípio da religião e ordem social, tão logo as circunstâncias favorecessem este espírito rebelde individual e das massas. Agora, quando Deus, diz São Gregório, vê na Igreja muitos insultos às suas vicissitudes, e como São Paulo observa, crêem em Deus, confessam a veracidade de Seus mistérios, mas trocam sua fé pelas suas obras, Ele os pune permitindo que, após terem perdido a graça, eles também perderão o santo conhecimento que tinham de Seus mistérios, e que, sem nenhuma outra perseguição que não suas próprias vicissitudes, negam a fé. É desta ofensa que Davi fala, quando diz “Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces!” (Sl 136,7). Não deixar pedra sobre pedra. Quando os espíritos malévolos tiverem arruinado a alma do edifício da virtude, eles extraem sua fundação, que é a fé. São Cipriano, por essa razão, diz “Que ninguém pense que o virtuoso homem e bons cristãos jamais saiam do seio da Igreja; não é o trigo que o vento leva, mas o joio. Árvores profundamente enraizadas não caem com a brisa, mas as que não têm raízes. São as frutas podres que caem das árvores, não as sãs. Maus católicos tornam-se heréticos, assim como o doente é assolado por maus humores. Primeiramente, a fé enfraquece neles, por causa de suas vicissitudes; então tornam-se doentes, próximos da morte, porque, sendo o pecado essencialmente uma cegueira do espírito, quando mais peca o homem, mais ele estará cego. Sua fé torna-se cada vez mais fraca, a luz da divina tocha diminui, e logo o último vento da tentação ou da dúvida é suficiente para extingui-la“.

Testemunhas da grande apostasia da fé no século 16, quando Deus permitiu que ocorressem heresias, para exercer sua justiça contra aqueles que estavam prontos para abandonar a verdade, e Sua misericórdia alcançasse aqueles que permaneciam afeiçoados a ela. Para provar, através de provações, aqueles que eram firmes na fé, e separar aqueles que tinham abraçado o erro. Para exercitar sua paciência e caridade com a Igreja, e santificar os eleitos. Dar ocasião para a ilustração da verdadeira religião e a Sagrada Escritura. A heresia chegou com todas as suas forças. Martinho Lutero foi seu maior líder e porta-voz.

Martinho Lutero, um frade agostiniano, homem bravo e veemente pregador, tendo sido consumido por sentimentos errôneos pelos escritos heréticos de John Huss, tomou a ocasião da publicação das indulgências promulgadas por Leão X, para romper com a Igreja Católica e propagar novos erros, em 1517, na Saxônia. Ele primeiro investiu contra o abuso das indulgências, então colocando em questão sua eficácia. Acabou rejeitando-as. Pregou contra a supremacia da Sé de Roma e condenou toda a Igreja, pretendendo que Cristo a havia abandonado, e que esta era a esperada reforma na fé e disciplina. Deste modo esta nova evangelização desencadeou a propagação fatal de antigas crenças, sendo chamadas de “Reformadas”. As novas doutrinas foram calculadas para agradar o coração humano, expandindo-se como uma grande inundação. Frederick da Saxônia, John Frederick, seu sucessor, e Felipe de Hesse tornaram-se discípulos de Lutero. Gustavus Ericus, rei da Suécia e Christian III, rei da Dinamarca, também se declararam a favor do luteranismo. Conseguiu apoio na Hungria. Na Polônia, após experimentar grande variedade de doutrinas, deixou aos indivíduos a liberdade de escolher por si mesmos. Munzer, discípulo de Lutero, começou por si mesmo a trabalhar como médico e, com Nicholas Stark, iniciaram a seita dos anabatistas, que foi propagada pelas províncias da Alemanha e Países Baixos. Calvino, homem aldaz, de espírito obstinado, e incansável em seus trabalhos, à semelhança de Lutero, também se tornou reformador. Após sua morte, Beza pregou a mesma doutrina. Espalhou-se pela Alemanha, Hungria, Boêmia e se tornou a religião da Holanda. Foi importada por John Knox, um padre apóstata, na Escócia, onde, sob o nome de Presbiterianismo, tomou raízes profundas, e se espalhou pelo reino.

Mas entre as nações enganadas, nenhuma caiu em maior erro que a Inglaterra. Por muitos séculos este país tem sido notável no mundo cristão pela ortodoxia de suas crenças e pelo número de seus santos. Mas por um infortúnio que nunca será suficientemente lamentado, e por um insondável julgamento do céu, esta Igreja dividiu um destino que buscava no mínimo a ameaçar. A luxúria e avareza de um soberano déspota arremessaram abaixo o justo edifício, e quebraram a pedra sobre a qual foram edificados. Henrique VIII, primeiramente um defensor da fé católica contra Lutero, cedeu às violentas paixões que não conseguia refrear, renunciou à suprema jurisdição que o Papa sempre manteve na Igreja, revogou a si o poder em seu próprio domínio, dessa forma deu um golpe mortal na religião. Ele então forçou seus interesses ao mesmo erro fatal. Uma vez introduzida, logo percorreu a terra. Sendo, por natureza, não limitada por nenhum princípio fixo, tomou centenas de formas, sob nomes diferentes, como: Calvinistas, Arminianos, Antinomianos, Kilhamitas, Glassitas, Haldanistas, Bereanos, Quakers, Metodistas reformados, Metodistas germânicos, Metodistas Episcopais, Metodistas Wesleyanos, Metodistas do norte, Metodistas do Sul, Episcopalianos, Episcopalianos High e Low-Church, Ritualistas, Batistas, Batistas particulares, Batistas do sétimo-dia, Batistas africanos, Igreja Batista de Deus, Batistas regulares, Menonitas, Presbiterianos, Presbiterianos unidos, Presbiterianos de Cumberland, Presbiterianos unidos, Única Igreja de Cristo, etc, etc, etc. Todas estas seitas são chamadas protestantes porque todas são unidas no protesto contra a Igreja Católica Romana.

Algum tempo depois, quando o espírito da reforma atingiu seu apogeu, Dudithius, um douto clérigo protestante, em sua epístola a Beza, escreveu: “Qual sorte de pessoas somos nós protestantes, dispersos de um lado para o outro, sendo levados por qualquer vento de doutrina, às vezes para este lado, outras para aquele lado? Vocês podem, talvez, conhecer quais são seus sentimentos em relação à religião nos dias de hoje, mas nunca poderão saber o que pensarão amanhã. Em qual artigo estas igrejas concordam que tenha rejeitado o bispo de Roma? Examine completamente, e dificilmente encontrarão algo afirmado por um que não seja imediatamente condenado por outro como doutrina tola”. A mesma confusão de opiniões foi descrita por um protestante Inglês, Dr. Walton, na metade do século 19, em seu prefácio ao seu Polyglot, onde diz: “Aristarco antigamente a custo pôde encontrar sete homens sábios na Grécia, mas conosco, o raro é encontrar idiotas. Pois todos são doutores, todos são divinamente inspirados. Não há nada de mais fanático do que não dar a você mesmo a autoridade sobre a palavra de Deus. O insondável abismo pareceu ter se aberto. E como uma nuvem se ergue e escurece os céus e as estrelas, e gafanhotos vêm como para afligir, veio uma numerosa raça de sectários e heréticos, que renovaram todas as heresias do passado, e inventaram outras tantas pelas suas próprias opiniões. Estes têm enchido nossas cidades, campos, casas e púlpitos, e guiado as pobres pessoas com eles para o abismo da perdição”.Sim“, escreve outros autor, “nos últimos dez anos, ou menos, a literatura teológica protestante sofreu uma completa revolução. O que era admirado em anos passados é rejeitado nos próximos. Os dogmas que eram mantidos com honra caíram em descrédito. Os tratados clássicos de moralidade foram banidos entre os demais livros antigos. Rejeições levam a rejeições. O comentário de ontem será ridículo amanhã, e o que era claramente aprovado em 1840, não é menos desaprovado em 1850. As teologias protestantes são numerosas como as constituições francesas ? uma revolução somente aguarda por outra” (Lê Semeur, junho, 1840). Realmente é totalmente impossível manter vários membros de uma única seita em disputas perpétuas, mesmo sobre as verdades essenciais. E estas diferenças não existem somente na mesma seita, não somente no mesmo país, mas mesmo dentro da família. A negação e a afirmação geralmente colocam o indivíduo em flagrante contradição consigo mesmo. Hoje são confessadas doutrinas rejeitadas antigamente, e o amanhã já sabe o que o espera, e assim sucessivamente. Por fim, após pertencer, sucessivamente, a várias novas seitas, a pessoa geralmente termina por professar um completo desprezo por todas elas. Por suas contínuas disputas e brigas, divisões e subdivisões, as várias seitas protestantes têm produzido a destruição das vontades honestas, sendo ridicularizados pelos pagãos e infiéis que deveriam atrair.

Estas seitas humanas, “obras da carne” como diz São Paulo, alteraram seu fundamento, como nuvens que se desfiguram com o vento, mas “sem estrondos” como diz Mr. Marshall, pois não possuem substância. Travam grandes batalhas uns com os outros, mas ninguém se importa com isso. Se uma seita humana acabar, não será difícil erguer outra, ou várias outras.

O espírito do protestantismo, ou o espírito da revolta contra Cristo, é mantido pelo espírito da incontinência, da obstinação e da cobiça da Reforma. Lutero, apesar do voto diante de Cristo de manter a continência, casou-se com uma freira, que havia feito o mesmo voto religioso. Mas, como diz São Jerônimo, “é raro encontrar um herege que ame a castidade“.

O exemplo de Lutero foi antecipado por Carlostadio, um padre e líder dos sacramentarianos, que se casou um pouco antes, e foi logo seguido pela maioria das lideranças da Reforma.

Zwinglio, um ex-sacerdote e líder da seita que leva seu nome, casou-se.

Bucer, membro da ordem dominicana, tornou-se luterano, deixou sua clausura e casou-se com uma freira.

Cranmer, arcebispo de Cantebury, também se casou.

Pedro Mártir, um cavaleiro, abraçou o calvinismo, mas seguiu o exemplo de Lutero, e casou-se com uma freira.

Ochin, líder dos capuchinhos, tornou-se luterano, e também se casou.

Dessa forma os principais líderes da reforma avançaram pregando o novo evangelho, com duas características: apostasia da fé, e aberta violação dos mais sagrados votos.

A paixão da luxúria, como já foi dito, acelerou a separação da Inglaterra de Henry VIII e a Igreja Católica, e os colocou entre os reformados.

Destes homens fracos na fé não era esperado que se pregasse um santo evangelho. Eles pregavam um inovador “evangelho da liberdade”, como classificaram. Diziam a seus seguidores que não eram mais obrigados a servirem aos mistérios da fé, e a regular suas ações de acordo com as leis da moral cristã. Diziam que todos são livres para adequar sua fé e prática de acordo com suas inclinações. Em conseqüência desta doutrina acomodada, eles dividiram a fé católica, pois a reduziram a um mero esqueleto, deixaram a realidade do Corpo e sangue de Cristo na Santa Eucaristia, o divino sacrifício oferecido na Missa, a confissão dos pecados, a maioria dos sacramentos, exercícios de penitência, muitos dos livros sagrados da Santa Escritura, a invocação dos santos, a maioria dos Santos Concílios da Igreja, e toda a autoridade da Igreja. Desviaram a natureza da justificação, afirmando que somente a fé é suficiente para justificar o homem. Fizeram de Deus o autor do pecado, e sustentaram que a observância dos mandamentos é impossível.

Uns exemplos da doutrina ensinada por Lutero:

Os mandamentos de Deus são igualmente impossíveis” (De Lib. Christ., t. ii, fol 4).

O pecado não condena o homem, mas somente a incredulidade” (De Captiv. Bab., t. ii., fol. 171).

Deus é justo, ainda que pela sua própria vontade Ele nos coloca sob a condição de condenados, e apesar de condenar ao inferno aqueles que não o merecem” (Tom. ii., fol. 434, 480.).

A obra de Deus em nós é tanto boa quanto má” (Tom. ii., fol. 444.).

O corpo de Cristo está em todo lugar, nada mais que sua divindade” (Tom. iv., fol. 3;.).

Então, pela sua doutrina da justificação pela fé, em seu décimo primeiro artigo contra o Papa leão, ele diz:

Creia o mais que puder, e serás absolvido, tenhas contrição ou não“.

Novamente, em seu sexto artigo:

A contrição que é requerida pelo exame, reconhecimento e repulsa dos pecados de alguém, como forma do homem relembrar sua vida anterior, na amargura de ter sua alma refletindo sobre sua multidão de ofensas, a perda da vida eterna, e a condenação ao sofrimento eterno ? esta contrição, eu vos digo, faz do homem um hipócrita, recusando o grande pecador que fora antes“.

Sendo assim, após uma longa vida imoral, o homem possui um método de salvar a si mesmo pela simples crença que seus pecados serão apagados através dos méritos de Cristo.

Como Lutero previa o escândalo que aconteceria pelo seu sacrílego matrimônio, ele preparou uma carta sobre isso, escrevendo contra o celibato do clero e todos os votos religiosos. E após isso, ele fez imitadores. Ele proclamou que todos os votos “são contrários à fé, aos mandamentos de Deus, e à liberdade evangélica” (De Votis Monast). Ele disse também: “Deus desaprova tais votos de vida continente” (Epist. ad Wolfgang Reisemb.), e novamente: “Atentar viver uma vida sem casamento, é atentar contra o plano de Deus“.

Agora, quando o homem dá liberdade à sua natureza depravada, é de admirar a quantidade de escândalos que se seguem. Com isso, um exemplo deste tipo ocorreu. A Felipe de Hesse, em 1539, foi concedida a permissão de ter duas esposas ao mesmo tempo. Permissão dada por Lutero, Melanchthon, e cinco outros protestantes.

Sendo assim, uma larga porta foi aberta para outras espécies de escândalos: a doutrina da reforma admite o divórcio em certos casos, contrário à doutrina do Evangelho, e mesmo permitindo às partes separadas casarem-se novamente.

Enumerar os erros dos reformadores seria exceder aos limites deste escrito. Colocarei, portanto, somente as principais linhas da doutrina de Calvino e dos calvinistas:

1. O batismo não é necessário para a salvação;

2. Boas obras não são necessárias;

3. O homem não tem livre-arbítrio;

4. Adão não pôde evitar sua queda;

5. Grande parte da humanidade foi criada para a condenação eterna, independente dos seus deméritos;

6. O homem é justificado somente pela fé, e esta justificação, uma vez obtida, não pode ser perdida, mesmo diante dos mais atrozes crimes;

7. O verdadeiro crente está certo de sua salvação;

8. A Eucaristia não é nada mais que uma figura do corpo e do sangue de Cristo;

Desta forma todo o sistema de moralidade e fé foi contrariado. Aboliram totalmente a Tradição, e apesar de não poderem rejeitar toda a Escritura, universalmente conhecida como Palavra de Deus, eles tiveram, contudo, a presunção de retirar alguns livros que não se adequavam às suas doutrinas, e os demais fizeram das suas para se adequarem às suas opiniões.

Com piedade de alma, eles prometiam retornar ao fervor do cristianismo primitivo. Aos orgulhosos, a liberdade do julgamento privado. Aos inimigos do clero, prometeram a divisão de seus bens. Aos padres e monges que se viam cansados da continência, a abolição da lei que, diziam eles, era contrária à natureza. Aos libertinos de todas as classes, o fim do jejum, da abstinência e da confissão. Diziam aos reis que quisessem se colocar como chefes da Igreja assim como eram chefes do Estado, que deveriam ser livres da autoridade espiritual da Igreja. Aos nobres, que deveriam ser emancipados de todos os formais e forçados serviços.

Muitos príncipes da Alemanha e distritos suíços defenderam com armas os pregadores da nova doutrina. Henry VIII impôs sua doutrina sobre seus súditos. O Rei da Suécia direcionou seu povo a apostasia. A corte de Navarro recepcionou os calvinistas, a corte da França secretamente os favoreceu.

O Papa Paulo III convocou o Concílio Geral de Trento, em 1545, ao qual os heresiarcas apelaram. Não somente todos os bispos católicos, mas todos os príncipes cristãos, mesmo protestantes, foram convidados a participar.

Mas então o espírito do orgulho e da obstinação se mostrou mais aparente. Henry VIII respondeu ao Papa que nunca confiaria o trabalho da reforma da igreja no reino a outro que não seja ele. O príncipe apóstata da Alemanha disse ao legado Papal que eles reconheciam somente o imperador como soberano. O vice-rei de Nápoles teve a autorização de quatro bispos para poder participar do Concílio. O rei da França enviou somente três prelados, logo depois chamados de volta. Carlos V criou empecilhos e dificuldades à sua ida. Gustavo Vasa não permitiu que ninguém fosse ao Concílio. Os heresiarcas também se negaram a comparecer. O Concílio, contudo, foi confirmado apesar destas dificuldades. Durou cerca de 18 anos, porque foi continuamente interrompido por pragas, guerras e pela morte dos que o presidiam. As doutrinas dos reformadores foram examinadas e condenadas pelo Concílio, na última sessão que contava com mais de 300 bispos presentes, entre os quais havia 9 cardeais, 3 patriarcas, 33 arcebispos, sem mencionar 16 priores e líderes de ordens religiosas, e 148 teólogos. Todos os decretos publicados desde o início foram relidos e novamente aprovados pelos Padres. Em conformidade, Pio IV, em um consistório ocorrido em 26 de janeiro de 1564, aprovou e confirmou o Concílio em um livro que foi assinado por todos os cardeais. Redigiu, no mesmo ano, uma profissão de fé em conformação com todas as definições do Concilio, no qual está declarado que sua autoridade é aceita, e desde aquela época, não somente todos os bispos da Igreja Católica, mas a todos os sacerdotes que são chamados a ensinar o caminho da salvação, mesmo às crianças, a todos os não-católicos, a abjurar seus erros, e retornar ao seio da Igreja, jurando não possuir outra fé que não aquela do santo Concílio.

Os novos heresiarcas, entretanto, continuaram a obscurecer e desfigurar a face da religião. De acordo com os sentimentos de Lutero em relação ao Papa, bispos e Concílio, ele diz no prefácio de seu livro “De Abroganda Missa Privata“: “Com tamanha força e com a maior evidência que as Escrituras possuem, eu não preciso fortalecer minha consciência no desafio solitário de contradizer o Papa e de crer que ele seja o anticristo, os bispos seus apóstolos, e suas universidades seus prostíbulos“, e no livro “De Judicio Ecclesiae de Gravi Doctrina” ele diz: “Cristo tomou dos bispos, doutores e Concílios o poder de julgar a justiça e as controvérsias, e o deu a todos os cristãos“.

Sua censura ao Concílio de Constança, e a todos os que o compuseram, está no seguinte: “Todos os artigos de John Huss foram condenados em Constança pelo anticristo e seus apóstolos” (isto é, o Papa e os bispos), “Neste sínodo de satã, feito pelos mais tolos sofistas. E você, sagrado vigário de Cristo, digo à sua face, que todas as doutrinas de Huss são evangélicas e cristãs, mas todos vocês são ímpios e diabólicos. Eu agora declaro“, diz ele, falando aos bispos, “que no futuro não irei concede-los a honra de submeter a mim ou a minha doutrina ao seu julgamento ou mesmo ao de um anjo vindo do céu” (prefácio ao seu livro Adversus falso nominatum ordinem Episcoporum). Tal era seu orgulho que fez uma declaração aberta de contestação à autoridade da Igreja, Concílios e Padres, dizendo: “A todos que aventurarão suas vidas, seus bens, sua honra, seu sangue, em um trabalho tão cristão de ceifar todos os bispados e bispos, que são ministros de satã, e extirpar todas as raízes de sua autoridade e jurisdição sobre o mundo, estes são verdadeiros filhos de Deus e obedecem a seus mandamentos” (Contra Statum Ecclesiae et falso nominatum ordinem Episcoporum).

Este espírito de orgulho e obstinação é tão mais aparente pelo fato que o protestantismo nunca se envergonhou de fazer uso de qualquer argumento, mesmo que fortemente inconsistente ou absurdo que fossem, para defender seus erros e difamar a religião Católica de qualquer maneira possível. Isto explica as guerras que o protestantismo travou para infiltrar-se e manter-se. O príncipe apóstata da Alemanha aderiu a uma liga, ofensiva e defensiva, contra o imperador Carlos V, e levantou as armas para estabelecer o protestantismo.

Lutero pregou sem autoridade, e ultrajou o imperador, os príncipes, e os bispos. Os camponeses não pensaram duas vezes em deixar seus mestres. Percorreram o país como bandos fora-da-lei destruindo castelos e mosteiros, e cometendo as maiores barbáries e crueldades com os nobres e o clero. A Alemanha se tornou o cenário da desolação e das mais cruéis atrocidades durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Mais de cem mil pessoas pereceram na guerra! Sete cidades foram desmanteladas, e milhares de casas religiosas foram destruídas. Trezentas igrejas e imensas riquezas em esculturas, pinturas, livros, etc., foram apagados da história.

Mas o que é mais aparente e melhor visto no protestantismo do que o espírito de cobiça? Onde quer que pisassem o pé, pilhavam igrejas, tomavam as suas propriedades, destruíam mosteiros, e se apropriavam de seus rendimentos.

Na França, os calvinistas destruíram milhares de igrejas Católicas. Assassinaram, somente em Dauphiné, 225 padres, 112 monges e derrubaram 900 torres e vilas! Na Inglaterra, Henry III confiscou ao povo, ou distribuiu entre seus favoritos, as propriedades de 645 mosteiros e 90 escolas, 110 hospitais, e 2374 capelas!

Eles ousaram profanar, com suas mãos sacrílegas, as relíquias dos mártires de Deus. Em muitos lugares eles tomaram à força os corpos dos santos dos responsórios onde jaziam, quebravam-nos e espalhavam suas cinzas pelo vento. Que maior atrocidade pode ser concebida? Os mais odiados infames foram tratados assim? Entre outros exemplos, em 1562, os calvinistas quebraram e abriram o túmulo de São Francisco de Paula, em Plessis-Lestours, e encontraram seu corpo incorrupto 25 anos após sua morte. Arrastaram-no pelo caminho, e jogaram-no na fogueira que haviam feito com a madeira da santa cruz, como Billet e outros historiadores revelam.

Da mesma forma, em Lyon, no mesmo ano, os calvinistas apoderaram-se do túmulo de São Boaventura, retiraram seu vestuário e outros objetos, lançaram as relíquias do santo em um lugar movimentado, e lançaram suas cinzas no rio Saône, como foi relatado pelo autor Possevinus, que estava em Lyon nesta época.

Também os corpos de Santo Irineu, Santo Hilário e São Martin, como afirma Surius, foram tratados da mesma infame forma. Também da mesma forma foram tratados os restos de São Tomás, arcebispo de Cantebury, cujos adornos do túmulo, de acordo com as palavras de Stowe, em seus anais, “Foram tomados para o uso do rei, e os ossos de São Tomás, por ordem do senhor Cromwell, foram queimados até as cinzas em setembro, 1538“.

A religião católica tem coberto o mundo com imponentes monumentos. O protestantismo tem agora cerca de 300 anos. É forte na Inglaterra, Alemanha, América. O que ele tem feito? Isto mostrará as ruínas em que está estabelecido, por meio do qual ele tem plantado alguns jardins e criado algumas fábricas. A religião Católica é essencialmente uma força criativa, feita para construir, não para destruir, pois está sobre a contínua influência do Espírito Santo que a Igreja invoca como tal espírito criativo. O protestantismo, ou espírito filosófico moderno é um princípio de destruição, de perpétua decomposição e desunião. Soa a dominação da força protestante inglesa, por quatrocentos anos, a Irlanda rapidamente foi usurpada de seus antigos memoriais assim como a selvagem África.

Os próprios reformadores estavam tão envergonhados com o progresso da imoralidade entre seus prosélitos, que não podiam mais manter o controle sobre eles. Sendo assim Lutero falou: “Os homens agora estão mais vingativos, cobiçosos e lascivos do que quando estavam sob o papado” (Postil. super Evang. Dom. i., Advent.). Novamente: “Antigamente, quando éramos seduzidos pelo Papa, todos os homens desejavam realizar boas obras, mas agora nenhum homem diz ou quer saber de nada mais que como conseguir tudo para si através de extorsões, pilhagens, assaltos, mentiras e usuras” (Postil. super Evang. Dom. xxvi., p. Trinit.).

Calvino escreveu na mesma linha: “De tantos milhares“, disse ele, “que, renunciando ao papado, buscaram ansiosamente abraçar o Evangelho, quão poucos melhoraram suas vidas! Não só isso, o que mais pretende a maior parcela, então, livrando-se do jugo da supertição, dar a si mesmos mais liberdade para seguir todas as formas de libertinagens?” (Liber de scandalis.). Dr. Heylin, em sua História da Reforma, lamenta-se acerca da “grande evolução da libertinagem” na Inglaterra, no reinado de Eduardo VI.

Erasmo diz: “Vejam estas pessoas, os protestantes. Talvez esteja enganado, mas ainda não encontrei um que não pareça ter mudado para pior” (Epist. ad Vultur. Neoc.), e novamente “Alguns“, diz ele, “que conheci aparentemente inocentes, humildes, e sem falsidades, tão logo entrando para estas seitas (os protestantes), começaram a falar com prostitutas, a jogar dados, a deixar as orações, tornaram-se extremamente mundanos, impacientes, vãos, como víboras, furiosos uns com os outros. Digo isso de experiência” ( Ep. ad Fratres Infer. Germanae.).

M. Scherer, o diretor de uma escola protestante na França, escreveu em 1844, que observava em sua igreja reformada “a ruína da verdade, a fraqueza das infinitas divisões, a dispersão das ovelhas, a anarquia eclesial, pessoas envergonhadas de si mesmas, racionalismo disfarçado, sem doutrina, sem consistência. Esta igreja, depravada como sua corporação e seu caráter dogmático, pela sua forma e sua doutrina, depravada por todos que a constituíram igreja cristã, cessou de pertencer à comunidade de cristãos. Seu nome continua, mas ela representa somente uma cobertura, um fantasma, ou, se quiserem, uma memória ou esperança. Por desejar autoridade dogmática, a incredulidade fez seu caminho em três quartos de nossos pupilos” (L’ Etat Actual deL’Eglise Reformée en France, 1844.).

Assim tem sido o protestantismo desde o princípio. Tem sido escrito com sangue e fogo através da história. Tomando a forma de luteranismo na Alemanha e Suíça, Anglicanismo na Grã-Bretanha, ou Calvinismo e Presbiterianismo na Suécia, França, Holanda, Escócia e América, em qualquer lugar são os mesmos. Foi propagada pelo tumulto e violência, pela força e perseguição. Enriqueceu-se pelos saques e nunca cessou, pela força declarada, de perseguir ou de difamar, seus esforços em eliminar a Fé Católica, e destruir a Igreja de Cristo, os quais os pais do protestantismo deixaram pelo espírito de orgulho, luxúria e cobiça. Um espírito que induziu muitos dos seus conterrâneos a segui-los em seus maus exemplos. Um espírito que os fez perder, mesmo que dela não tivessem se apartado, a Única, Santa, Católica e Apostólica Igreja Romana.

O principal espírito do protestantismo, então, sempre tem sido o de declarar o homem independente da autoridade divina da Igreja Católica Romana, e a substituir pela sua autoridade humana. O Papa Pio IX falou sobre o protestantismo, sob todas as suas formas como uma “Revolta contra Deus, com a intenção de substituir o humano pelo divino, uma declaração de independência da criatura do criador“. “O verdadeiro protestante, portanto“, diz Marshall, “não reconhece que Deus tem o direito de ensina-lo, ou, se ele reconhece esse direito, ele não se sente na necessidade de acreditar em tudo o que Deus ensina através daqueles que Ele apontou para ensinar a humanidade. Ele diz a Deus: ?se me ensinares, reservo a mim o direito de examinar vossas palavras, a interpreta-las da forma que eu escolher, e admitir somente o que me parecer verdadeiro, consistente, e útil“. Por essa razão Santo Agostinho disse: “Você, que acredita no que te agrada, e rejeita o que te desagrada, acredita mais em vós mesmos ou em vossa própria ilusão que nos Evangelhos“. A fé do protestante, então, é baseada unicamente em seu julgamento pessoal, isto é humano. “Como seu julgamento é alterável“, diz Marshall, “ele naturalmente sustenta que sua fé e doutrina são alteradas com a vontade, e, portanto, continuamente mutável. Evidentemente, então, ele não assegura que algo seja a verdade, pois a verdade não é mutável. Nem sustenta ser a Palavra de Deus, que ele é obrigado a obedecer, pois se a lei de Deus é alterado pela vontade, essa vontade é a de Deus, nunca a do homem, ou de nenhum homem, ou de nenhuma outra criatura de Deus“.

 


 

Padre Muller foi um douto e heróico sacerdote redentorista ortodoxo do século 19. Seu livro “Catholic Dogma“, do qual extraímos este artigo, que consta no terceiro capítulo, é uma excelente defesa de que “Extra Ecclesiam Nulla Salus“. Como se podia esperar, o inglês do século 19 que ele emprega é diferente do que utilizam os leitores americanos nos nossos dias. Permanecemos fiéis ao original na pontuação e no uso arcaico. Apesar destas dificuldades, esta parte é uma polêmica católica clássica que ainda durará por muitos anos.

** Traduzido para o Veritatis Splendor por Rondinelly Ribeiro Rosa.

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