A Igreja Católica e o Nazismo

Autor: Juan Carlos Riojas Alvarez

Não é novidade encontrarmos de vez em quando declarações como esta:

“A Igreja Católica sempre defendeu, ainda que discretamente, os interesses de Hitler. Até onde, nunca saberemos. Hitler foi batizado por sua mãe como católico e a Igreja nunca o excomungou, motivo pelo qual podemos apontar o maior assassino da História como católico. Fico me perguntando: alguma vez o Vaticano condenou os nazistas?”

Para responder a isto, deixemos o próprio Adolf Hitler falar:

– “Posso assegurar que não há na Alemanha quem, com todo o seu coração, não aprove uma tentativa honesta para melhorar as relações entre a Alemanha e a França. Meus próprios sentimentos me obrigam a tomar a mesma atitude (…) O povo alemão possui a solene intenção de viver em paz e amizade com todas as nações civilizadas (…) E eu considero a manutenção da paz na Europa como algo especialmente desejável e por sua vez assegurada se a França e a Alemanha, com base em um respeito igualitário aos direitos humanos, chegarem a um real entendimento (…) A jovem Alemanha que eu dirijo e que encontra sua expressão no Movimento Nacional-Socialista, tem apenas o mais fervoroso desejo de um entendimento com as demais nações europeias” (Adolf Hitler; carta enviada ao facista Hervé, publicada no periódico nazista “Volkischer Beobachter”, em 26 de outubro de 1930).

Devemos crer então no Hitler “o Pacifista”, assim como devemos crer no Hitler “o Católico”? Não, absolutamente não!

Hitler foi um apóstata e, como tal, já estava fora da Igreja. Que Hitler não tenha sido excomungado é irrelevante. O objetivo da excomunhão é ajudar o pecador a reconhecer a seriedade das suas faltas, arrepender-se e procurar o perdão, retornando à Igreja. Algo sem importância para quem, como Hitler, desprezava a Igreja e se projetou como a negação total da revelação cristã, como vemos nestas palavras:

“Eu libertei a Alemanha das estúpidas e degradantes falácias da consciência e da moralidade” (Adolf Hitler; citado por Ravi Zacharias em “Pode o Homem Viver sem Deus?”, Caribe: Betânia Editores);

e como vemos por suas ações:

– “O principal objetivo do Nacional-Socialismo em relação às igrejas era a sua eliminação, com a substituição do Cristianismo pela ideologia do Nazismo. A estratégia de Hitler comportava o emprego de várias táticas. Nos anos da consolidação do poder e nos da guerra, o Führer não considerou oportuno lançar um ataque final contra as igrejas. Estas deviam apenas ser submetidas a uma pressão constante para oferecer espaço de ação. Ao emprego da violência mediante ameaças, assassinatos, prisões e reclusões nos campos de concentração, incorporou-se, a partir da tomada do poder em 1933, uma ofensiva progressiva de cunho administrativo. As exigências da política internacional ou da política exterior poderia induzir Hitler a moderar isto, como foi o caso da assinatura do Acordo com a Santa Sé em 1933 ou durante o primeiro ano da Guerra. No entanto, a orientação da política eclesiástica nazista permaneceu imutável. Como sabemos pelas anotações de Martin Bormann, importante dirigente nazista, o Führer, nas conversações que manteve em seu quartel general durante o conflito, não escondeu que a solução final contra a Igreja seria adotada no pós-guerra. Em dezembro de 1941, Hitler afirmou: ‘A guerra chegará ao seu fim e eu, diante da solução do problema da Igreja, terei a última tarefa de minha vida’, ao que acrescentaria depois: ‘O ministro Kerrl queria encontrar um equilíbrio entre Nacional-Socialismo e Cristianismo, mas eu não creio que isso seja possível'” (W. Jochmann, “Monologe im Führerhauptquartier: 1941-1944”, Hamburgo, 1980).

O Anschluss da Áustria, a invasão da Tchecoslováquia e, por fim, o conflito mundial permitiram aos nazistas aplicar seus sistemas nos territórios anexados ao Reich ou ocupados militarmente. Tragicamente emblemático foi o caso, na Polônia, da região do Poznan, que primeiro foi anexada ao Reich sob o nome de Reichsgau Polsen e, depois, de Reichsgau Wartheland ou Warthegau (região de Warta): o governador Arthur Greiser, dotado de certo poder e dependente direto de Hitler, ensaiou nesta região, como terreno experimental, a aplicação integral dos princípios do Nazismo. A experiência de Warthegau é relevante: este era o modelo de sociedade que o Nazismo pretendia construir e que tentou implementar em condições de isolamento durante a guerra. Esta experiência se estenderia, depois da vitória, a todo o Reich e suas possessões: visava construir um mundo sem Cristianismo e sob o domínio da Volk dos nazistas.

A Igreja não permaneceu neutra diante do Nazismo. A Igreja foi uma vítima a mais do Nazismo. A Igreja sofreu o Nazismo. A Igreja se opôs e denunciou o Nazismo. A Igreja se solidarizou com outras vítimas do Nazismo.

Já na Encíclica de 1931, “Non abbiano bisogno”, o Papa Pio XI criticava os abusos contra a Igreja e a concepção facista, à qual identificava com todas aquelas ideologias estatolátricas.

No que se refere à oposição ao Nazismo, o Vaticano não tinha dúvidas. De fato, após a publicação, em 14 de março de 1937, da Encíclica “Mit brennender sorge”, por iniciativa do episcopado alemão, documento que foi lido no domingo 21 de março de 1937, em todos os templos católicos alemães e onde Pio XI denunciava claramente a incompatibilidade do Catolicismo com os pressupostos racistas e pagãos do Nazismo, piorou a situação dos católicos e dos judeus na Alemanha. A crise aumentou em 1938, quando durante a visita de Hitler a Roma, o Papa saiu do Vaticano, não aceitando conversar com o ditador alemão.

O que não estava ainda claro então era se a publicação de uma outra Encíclica favoreceria ou pioraria a situação. O caso da pastoral dos Bispos holandeses contra a deportação dos judeus, em julho de 1942, é particularmente significativo: a Gestapo violou imediatamente a imunidade dos conventos e edifícios religiosos para deportar os judeus que se encontravam refugiados neles.

Se os documentos atestam que Pio XI, como pessoa razoável e bom cristão, se opunha às ações racistas [dos nazistas], Pio XII (Eugenio Maria Giovanni Pacelli), seu sucessor, também tinha uma defesa legítima: a dos próprios judeus. Muitos destes contaram suas histórias e agradeceram o trabalho do Vigário de Cristo, que os ajudou a salvar suas vidas.

Paolo Mieli, um dos mais ilustres protagonistas do jornalismo italiano, ex-correspondente do “La Stampa” e ex-diretor do “Corriere della Sera” e atual diretor da RCS, a maior editora da Itália, é judeu, implacável diante da terrível tragédia do Holocausto: “Venho de uma família de origem judaica e tenho parentes que morreram nos campos de concentração durante a 2ª Guerra Mundial. Portanto, falo de tudo isso com muita dificuldade”, disse ao intervir em Roma na apresentação do livro “Pio XII – O Papa dos Judeus”, escrito por Andrea Tornielli, especialista em assuntos vaticanos do diário milanês “Il Giornale”. E acrescentou: “Durante um longo período de tempo, foram precisamente os judeus que agradeceram a esse Pontífice pelo o que fez”, mas como nos anos 1970 alguns grupos com interesses políticos começaram a colocar em dúvida o trabalho deste Papa, finalizou: “Quero dizer com a máxima clareza: lançar as responsabilidades sobre as costas de Pio XII é uma verdadeira sem-vergonhice”.

Foram duros os discursos contra o Nazismo do então Cardeal Pacelli em Lourdes, Lisieux, Paris e Budapeste, por onde viajou como legado papal. O discurso pronunciado na Hungria (reproduzido integralmente por Ronald J. Rychlak no seu livro “Hitler, the War, and the Pope” [“Hitler, a Guerra e o Papa”], Columbus-MS: Genesis Press, 2000) inspiraria o eminente historiador judeu Jeno Levai a escrever sua famosa obra “Pio XII Não se Calou” (“Pius XII Was Not Silent”, Londres: Sands and Co., 1968).

Segundo o cálculo do diplomata judeu Pinchas Lapide, cônsul israelense em Milão, que participou como soldado no exército britânico na libertação de uma região da Itália, entre 700 e 800 mil judeus foram salvos pela Igreja e por este Papa. Considerando que 2 milhões de judeus, no total, foram resgatados das garras de Hitler, a façanha de Pio XII e seus Núncios resta evidente.

A Fundação Internacional Raoul Wallenberg, com sede em Israel, também reconheceu, p.ex., a ação humanitária do Núncio Angelo Roncalli – futuro Papa João XXIII – no resgate de refugiados perseguidos pelo regime nazista durante a 2ª Guerra Mundial.

Finalizo com o eloquente testemunho de um outro judeu:

– “Sendo eu um amante da liberdade, quando a revolução chegou à Alemanha, olhei com confiança para as universidades, sabendo que sempre se vangloriaram da sua devoção pela causa da verdade. No entanto, as universidades foram caladas. Então olhei para os grandes editores de periódicos, que em seus editoriais fervorosamente proclamavam seu amor pela liberdade. Mas também eles, como as universidades, foram reduzidos ao silêncio, afogados em poucas semanas. Apenas a Igreja permaneceu de pé e firme para fazer frente às campanhas de Hitler que visavam suprimir a verdade. Antes disso, eu nunca tivera interesse pessoal pela Igreja, mas agora sinto por ela um grande afeto e admiração, porque apenas a Igreja teve a coragem e a obstinação de sustentar a verdade intelectual e a liberdade moral. Devo confessar que aquilo que antes desprezava agora louvo incondicionalmente” (Albert Einsten; declaração publicada na revista “Time”, de 23 de dezembro de 1940, p.40).

  • Fonte: Revista Fe y Razón nº 8 – set/2006
  • Tradução: Carlos Martins Nabeto

 

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