A Igreja Católica paganizou a fé cristã?

Por Alessandro Lima

Introdução

Em meu artigo “A Igreja Católica e o Paganismo” expus que a semelhança existente entre a doutrina dos povos pagãos e o Cristianismo é algo natural, pois ela indica os elementos verdadeiros que se encontram nas várias doutrinas pagãs, cuja Verdade plena subexiste na Revelação Cristã. Estas semelhanças que são usadas para acusar o Catolicismo de ter tomado empréstimo dos pagãos, também se apresentam na norma doutrinária de nossos acusadores, a saber, o Protestantismo, conforme nosso trabalho anterior. Neste trabalho, à Luz da Memória Cristã procuraremos mostrar que o surgimento da Igreja Imperial não foi vitória de Zeus, mas de Deus.

As supostas concessões da Igreja Católica ao Paganismo

Comumente se diz no Protestantismo que a Igreja Católica a fim de agremiar mais fiéis, que normalmente vinham das civilizações pagãs, começou a aceitar algumas de suas práticas pagãs, as quais que se tornaram tão comuns que acabaram se incorporando ao conjunto doutrinal do Catolicismo.

Os levantadores de falso testemunho dizem ainda que o Concílio de Nicéia foi a consagração deste sincretismo religioso entre Igreja e Paganismo.

Tais acusações são fruto de uma tremenda ignorância da Memória Cristã, isto é, da Fé dos primeiros séculos.

Com toda certeza, os difamadores do Catolicismo, desconhecem os escritos dos Santos Padres do período ante-niceno e niceno. Tais escritos atestam a luta da Igreja contra a religião do império antes e até depois do Concílio de Nicéia.

O Testemunho dos Padres Apologistas do período Ante-Niceno

Quem acusa a Igreja Católica de sincretismo com o Paganismo, ignora o testemunho dos Padres Apologistas, isto é, os testemunhos de homens que durante o período da perseguição e até depois dela, escreveram várias apologias aos Imperadores romanos, mostrando a excelência da doutrina Cristã em relação ao Paganismo, o exemplo de vida dos fiéis que eram exortados a respeitar todas as autoridades constituídas.

A vitória da Igreja com o edito de Milão no tempo do Imperador Teodósio (313 d.C), que deu liberdade de culto aos cristãos; e depois o decreto que levou o Cristianismo ao status de religião oficial do Império no  tempo de Constantino, deve-se à brilhante exposição que estes mártires da Fé proporcionaram ao mundo pagão.

São eles: Quadrato, com sua obra “Carta a Diogneto“; Aristides de Atenas com sua “Apologia“; Atenágoras de Atenas com sua “Petição em Favor dos Cristãos”; Teófilo de Antioquia com as obras “Primeiro livro a Autólico” e “Segundo livro a Autólico“; Hérmias com “Escárnio dos filósofos pagãos“; Justino de Roma com “I Apologia“, “II Apologia” e “Diálogo com Trifão” e muitos outros.

Por terem vivido antes do tempo da realização do Concílio de Nicéia (325 d.C) na Patrologia (ciência que estuda a vida e a obra dos Santos Padres da Igreja) convencionou-se chamá-los de Padres do Período Ante-Niceno.

Para que nossos leitores tenham maior interesse em conhecer tais obras, transcreveremos o Prólogo da Carta a Diogneto:

“Excelentíssimo Diogneto [Imperador Adriano], vejo que te interessas em aprender a religião dos cristãos e que, muito sábia e cuidadosamente, te informaste sobre eles: Qual é esse Deus no qual confiam e como o veneram, para que todos eles desdenhem o mundo, desprezem a morte, e não considerem os deuses que os gregos reconhecem, nem observem a crença dos judeus; que tipo de amor é esse que eles têm uns para com os outros; e, finalmente, por que essa nova estirpe ou gênero de vida apareceu agora e não antes. Aprovo esse teu desejo e peço a Deus, o qual preside tanto o nosso falar como o nosso ouvir, que me conceda dizer de tal modo que, ao escutar, te tornes melhor; e assim, ao escutares, não se arrependa aquele que falou” (Carta a Diogneto, Exórdio. Quadrato, 190 d.C).

O Testemunho dos Padres Apologistas do período Niceno e pós-Niceno

Uma outra grande prova contra as difamações gratuitas contra a Igreja Católica, são os escritos dos Padres que viveram durante o período da realização do Concílio de Nicéia e após ele.

Ora, se a Igreja conseguiu sua liberdade frente ao Império segundo um sincretismo com o Paganismo, então ela não deveria continuar combatendo as doutrinas pagãs.

Mas ao contrário da imaginação dos inimigos da Igreja, a Verdade é bem diferente.

Vários homens célebres da Igreja Antiga dedicaram sua vida ao combate do paganismo e das várias formas de sincretismo de Cristianismo e Paganismo existentes, são eles: Atanásio de Alexandria com sua obra “Contra os Pagãos“, “Apologia contra os Arianos“, “A Incarnação do Verbo“, “Depósito de Ário“, etc; Basílio de Cesaréia com “Tratado sobre o Espírito Santo“; Gregório de Nissa com “Sobre o Espírito Santo“, “Sobre a Fé“, “Contra Eunômio“, etc; João Cassiano com “Institutas“, “Sobre a Encarnação do Senhor“; Orígines com “Contra Celso” entre tantos outros.

O combate contra as doutrinas pagãs continuou em tempos posteriores com os escritos de Santo Agostinho, São Jerônimo, São João Crisóstomo, São João Damasceno e tantos outros.

Precedentes na História dos Judeus

Nossos contendores vêem no simples fato do apoio do Império à Igreja uma concessão desta àquele e não o contrário. Ora, foi o Império que cedeu à Igreja e não o contrário. Os inimigos da Verdade querem distorcer o que é claro, querem “achar chifres em cabeça de cavalo” ou “fazer uma tempestade em um copo de d’água”.

Se seguirmos esta lógica, deveríamos dizer que o Judaísmo fez concessões aos Imperadores gregos e caldeus quando estes deram liberdade de culto aos judeus e até fizeram da religião de Israel a do Império.

Com efeito, encontramos na Bíblia pelo menos 4 reinos favorecendo o Judaísmo com decretos Imperiais: decreto de Assuero  (Est 8,8-13), de Ciro (Esd 1,1), de Dario (cf. Eds 6,1-11; 8,36) e de Artaxerxers (cf. Esd 7,8-13; 7,15-19; 7,27-28; Ne 2,1-6).

Não seria a primeira vez que Deus se utiliza de Imperadores e Reis para favorecer Seu povo.

A Igreja tomou do paganismo aquilo que lhe pertencia por direito

É claro que nem tudo que os pagãos tinham era ruim, um exemplo é a Filosofia que até hoje traz vários benefícios ao Pensamento. O que os pagãos tinham de bom a Igreja adotou, pois era bom, e todo benefício vem de Deus. Sobre este assunto muito bem explanou Santo Agostinho:

Os que são chamados filósofos, especialmente os platônicos, quando puderam, por vezes, enunciar teses verdadeiras e compatíveis com a nossa fé, é preciso não somente não serem eles temidos nem evitados, mas antes que reivindiquemos essas verdades para nosso uso, como alguém que retoma seus bens a possuidores injustos.

De fato, verificamos que os egípcios não apenas possuíam ídolos e impunham pesados cargos a que o povo hebreu devia abominar e fugir, mas tinham também vasos e ornamentos de outro e prata, assim como quantidade de vestes. Ora, o povo hebreu, ao deixar o Egito, apropriou-se, sem alarde, dessas riquezas (Ex 3,22), na intenção de dar a elas melhor emprego. E não tratou de fazê-lo por própria autoridade, mas sob a ordem de Deus (Ex 12,35.36). E os egípcios lhe passaram sem contestação esses bens, dos quais faziam mau uso.

Ora, dá-se o mesmo em relação a todas as doutrinas pagãs. Elas possuem, por certo, ficções mentirosas e supersticiosas, pesada carga de trabalhos supérfluos, que cada um de nós, sob a conduta de Cristo, ao deixar a sociedade dos pagãos, deve rejeitar e evitar com horror. Mas eles possuem, igualmente, artes liberais, bastante apropriadas ao uso da verdade e ainda alguns preceitos morais muito úteis. E quanto ao culto do único Deus, encontramos nos pagãos algumas coisas verdadeiras, que são como o ouro e a prata deles. Não foram os pagãos que os fabricaram, mas os extraíram, por assim dizer, de certas minas fornecidas pela Providência divina, as quais se espalham por toda parte e das quais usaram, por vezes, a serviço do demônio. Quando, porém, alguém se separa, pela inteligência, dessa miserável sociedade pagã, tendo-se tornado cristão, deve aproveitar-se dessas verdades, em justo uso, para a pregação do evangelho. Quanto às vestes dos egípcios, isto é, as formas tradicionais estabelecidas pelos homens, mas adaptadas às necessidades de uma sociedade humana, da qual não podemos ser privados nesta vida, será permitido ao cristão tomá-las e guardá-las a fim de convertê-las em uso comum” (A Doutrina Cristã, 60. Santo Agostinho, 427 d.C).

Como ter acesso às obras dos Padres Apologistas?

Os leitores podem ter acesso às obras na seção Patrística do nosso site (não todos os títulos), no site da Enciclopédia Católica (em inglês) ou adquirindo as obras da coleção Patrística da Editora Paulus.

Conclusão

Por certo, a ignorância é a fonte de todos os males, e a Sabedoria não é útil para os ignorantes que se julgam sábios; por acaso irá ao médico ou tomará remédios o doente que se julga em pela saúde? Estes são os insensatos que tanto nos fala os livros de Provérbios, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria de Salomão e os Salmos.

A Igreja Católica nunca se conformou com mente do mundo (cf. Rm 12,2) ao contrário do Protestantismo, que já aderiu oficialmente ao controle da natalidade, ao homossexualismo, ao Iluminismo, ao poder político e etc. Ora, não estamos falando de pessoas, mas de Confissões de Fé.

Um artigo como este não é suficiente para um tema tão importante e que pelo qual os católicos são tão persuadidos. É certo que tal assunto merece a dedicação de uma obra. Por ora, espero que este opúsculo inspire os leitores a buscar maiores informações, seguindo nosso exemplo, pois, nós do Veritatis somos apenas leigos que nas atribulações e atribuições da vida cotidiana buscamos ter um melhor entendimento à Luz da Memória Cristã. Embora seja a missão própria do Clero ensinar, também é do leigo se aprofundar.

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