A igreja e os leigos – d eugênio sales

VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

05/05/2000

A Igreja e os Leigos

A Igreja está no mundo sem perder sua dimensão e estrutura transcendental. Toda atividade que realiza deve ser iluminada por essa verdade. Caso contrário, devido à limitação humana, fruto do pecado, surgem problemas que esterilizam generosos esforços tanto no campo social como no estritamente religioso. O Concílio Vaticano II marcou nitidamente o rumo a seguir, quando, na Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, o capítulo “Povo de Deus” antecede o que se refere à composição da Igreja, em especial, ao Episcopado. Todos, Bispos e leigos, são parte constitutiva do mesmo Povo de Deus. Eis a razão. No entanto, trata-se também de uma “sociedade hierarquicamente organizada”(“Lumen Gentium”, 20) E adiante (nº.23): “Os bispos, individualmente, são o visível princípio e fundamento da unidade em suas igrejas particulares”. Portanto, a preciosa valorização do leigo, ensinada pelo Concílio, só é autêntica quando é respeitada a missão sagrada do Pastor da diocese.

Outro aspecto importante para o êxito do trabalho social dos fiéis é o fato da Igreja também participar das leis do mundo em que está inserida. Esta constatação exige que sejam conhecidas as normas específicas desse campo onde igualmente trabalha, tanto na Cultura, como na Educação, na Promoção social. É evidente que, por exemplo, numa campanha pela saúde, um médico mais capacitado alcançará melhores resultados. É justo que seja valorizado também este aspecto, que torne a iniciativa do médico mais útil ao próximo. Mas surge daí um duplo perigo: de um lado, pode prevalecer o aspecto técnico, em si valioso, sobre o da inspiração cristã propriamente dita. O cristão é, então, visto primeira e principalmente como técnico e não como testemunha de Fé e de vida.

Não se veja a Igreja apenas como uma entidade mística que se desliga do drama e do sofrimento da História, querendo antecipar as alegrias espirituais que serão plenas no céu. Seria igualmente errado o outro extremo: querer ver na obra de Cristo principalmente uma mera organização humana, uma entidade filantrópica, empresarial, política ou cultural.

Diz o Concílio Vaticano II com toda a clareza: “A missão própria que Cristo confiou à sua Igreja por certo não é de ordem política, econômica ou social, pois a finalidade que Cristo lhe prefixou é de ordem religiosa” (“Gaudium et Spes”, nº 42.2).

Todavia a missão religiosa que Cristo confiou à sua Igreja exige demonstração através de iniciativas que transformem o mundo, ou como diz o Papa Pio XII, em sua Encíclica “Mystici Corporis”: “A caridade (divina para conosco e nosso amor a Deus) torna-se vã (…) se não se demonstram efetivos com boas obras” (nº 72).

O admirável é o homem ser chamado por Jesus Cristo para participar eternamente deste amor e da própria vida trinitária. Ninguém pode participar deste admirável dom, se não assumir a missão de anunciar e revelar o eterno e divino Amor aos seus irmãos. Por isso, a dimensão religiosa deve se traduzir em expressão de amor ao próximo. E isto não só manifesta como faz crescer o amor entre Deus e nós

O Concílio Vaticano II diz, ao referir-se à pregação dos bispos, “aos quais foi confiada a missão de dirigir a Igreja de Deus, (…) todas as atividades terrestres dos fiéis sejam banhadas pela luz do Evangelho”(“Gaudium et Spes” nº 43,5)

Jesus no Evangelho deu-nos esse princípio duplo: pela fé e a graça santificante os fiéis vivem em comunhão real e vital com a Santíssima Trindade. Ou, na linguagem da Bíblia, os leigos estão na medida de sua santidade pessoal em comunhão viva com Cristo, que é a Cabeça do seu Corpo Místico, a Igreja. Entretanto, esta verdadeira compenetração recíproca entre Cristo e os cristãos prolonga-se de modo misterioso no relacionamento fraterno entre os cristãos. Quem toca no irmão toca realmente em Jesus Cristo; e quem despreza ou menospreza o irmão menospreza realmente o próprio Cristo.

Toda obra de caridade, promoção humana, de inter-ajuda fraterna jamais pode limitar-se ao aspecto técnico, organizacional, sociológico. Deve ser visível reflexo do amor de Cristo e de Deus Pai por nós. Por mais importante que seja o aspecto da funcionalidade organizacional, eficiência técnica e comprometimento dos beneficiados com nossas obras, o essencial e primordial em toda atividade da Igreja, dos Pastores, dos fiéis é esta função missionária: anunciar, antes de tudo e prioritariamente, o amor de Deus por este mundo.

Entre os fiéis, a manifestação do amor divino é a primeira razão de ser de toda obra social. Outros aspectos culturais sociológicos, econômicos podem ser parte significativa da atividade dos cristãos, mas em posição secundária, totalmente subordinados à meta principal. Por isso, o homem de fé jamais pode fechar-se em um sistema burocrático nem tão pouco limitar-se a uma justa competência técnica. Ele deve sempre viver sua atuação em prol dos irmãos como uma manifestação da santidade de Deus. Isso não implica em proselitismo. Sendo o Corpo Místico de Cristo Ressuscitado, Ela toca sempre na divina intimidade, é o aspecto místico e, ao mesmo tempo, tem estruturas pois é o “corpo”.

Essas reflexões são particularmente importantes em uma atmosfera onde se respiram anseios de uma democracia absoluta, liberdade sem qualquer freio, total independência, igualitarismo que redundam em uma comunidade eclesial deformada, diferente da instituída por Cristo. Somente a prática da virtude da obediência nos manterá fiéis ao Senhor Jesus.

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