A Inquisição exterminou 30 milhões de pessoas?

Para muitos, estes supostos dados de “milhões de mortes” são as provas claras e literais do obscurantismo e corrupção da Igreja católica durante a “Idade das Trevas.” Podemos então afirmar a veracidade destes números que pressupõem que um verdadeiro “holocausto” foi promovido por parte do clero da Igreja Católica?

É comum vermos na literatura secular, em filmes e documentários, – pior – nas escolas do ensino fundamental e médio e até em faculdades e universidades, a afirmativa de que a Igreja “torturou e matou milhares”; alguns falam em milhões de pessoas aniquiladas pela Inquisição. Há também diversos ambientes acadêmicos no Brasil em que é nítido tal interpretação; são muitos autores e professores universitários a partilhar dessas objeções.

É inegável a atuação da Inquisição, assim como os julgamentos; qualquer contraposição é uma aberração, um erro grotesco de História. A crítica veiculada neste texto é dirigida aos números de mortes e incidentes referentes aos cerca de 386 anos de atuação, deste Tribunal Eclesiástico.

Muitos podem até dizer que “números não importam; contudo, ela matou e torturou”. A questão é que nesta situação os números representam o maior pretexto e fonte de contradições à temática, pois tendem a alimentar e propagar a ideia de uma tragédia histórica, sem controle; um crime, um perverso e criminoso ato, vindo da Igreja contra a humanidade. Não levando em conta os fatores, o contexto e as posições religiosas da época, estaria correto colaborar com estas argumentações e afirmações? Teria sido uma ferramenta de perseguição e extermínio de quem ousava pensar diferente? Ou trata-se de posições subjetivas oriundas do homem contemporâneo?

Vale salientar que estas sociedades eram claramente ligadas ao bem e “alegria social” (cf. Pernoud, 1997) e da religião “em função da fé cristã” (cf. Daniel Rops, Vol. 3, p. 43); tinham como ferramentas de prevenção, a condenação de grupo ou individuo, para evitar a contaminação de confusões e divisões que ruíam “todo o sistema e a ordem social da época” (cf. Gonzaga, 1994), além de evitar a propagação de heresias e divisões entre os fiéis na Cristandade. Com efeito, os Códigos Penais abraçavam e previam comumente a tortura e a morte do réu; e o povo entendia que estes eram os princípios jurídicos e inquisidores (cf. Mateus 18,6-7) que evitavam a expansão de cismas e heresias.

Mas seriam verdadeiros estes indicies sobre a Inquisição? Ou é maquinação vinda dos inimigos da religião, que tiram proveito não só da Inquisição ou das Cruzadas, mas centram-se também nos erros e faltas morais de alguns filhos da Igreja, para fazê-los de “cavalo de batalha na sua guerra [pessoal] contra a religião e para perpetuamente as estarem lançando em rosto à Igreja?” Como disse o historiador e padre W. Devivier, S.J., o  fato é que “é da natureza da Igreja provocar ira e ataque do mundo”, segundo Hilaire Belloc.

A principal finalidade deste artigo não é amenizar os efeitos da Instituição ou fazê-la mais branda, mas trazer à tona os fatos e verdadeiros números da referida instituição, cujos estudiosos sérios testemunham, para que possamos construir uma justa interpretação do tema, sem nos veicularmos a nenhuma propaganda anticatólica.

Vamos tomar como referência as Atas do grande Simpósio Internacional sobre a Inquisição, em que 30 grandes historiadores participaram, vindos de diversas confissões religiosas, para tratar historicamente da Inquisição — proposta motivada pela Igreja. O Papa João Paulo II afirmou certa vez: “Na opinião do público, a imagem da Inquisição representa praticamente o símbolo do escândalo”. E perguntou: “Até que ponto essa imagem é fiel à realidade?”

O encontro realizou-se entre os dias 29 e 31 de Outubro de 1998. Com total abertura dos arquivos da Congregação do Santo Ofício e da Congregação do Índice. As Atas deste Simpósio foram, anos depois, reunidas e apresentadas ao público, sob forma de livro, contendo 783 páginas, intitulado originalmente de “L’Inquisione”, pelo historiador Agostinho Borromeo, professor da Universidade de La Sapienza de Roma. O mesmo historiador lembrou: “Para historiadores, porém, os números têm significado” (Folha de S. Paulo, 16 junho 2004).

As Atas documentais do Simpósio já foram utilizadas em vários obras de historiadores e continuam a ser. Tais documentos são resultados de uma profunda pesquisa sobre os dados de processos inquisitoriais; as seguintes afirmações foram declaradas pelo historiador Agostinho Borromeo:

SOBRE A FAMIGERADA E TERRÍVEL INQUISIÇÃO ESPANHOLA

“A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700, 44.674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, deste total, 1,7% (13) foram condenados em ‘contumácia’, ou seja, pessoas de paradeiro desconhecido ou mortos, que em seu lugar se queimavam ou enforcavam bonecos”.

SOBRE AS FAMOSAS CAÇAS ÀS BRUXAS

Dos 125.000 processos da sua historia [=Tribunais Eclesiásticos], a Inquisição espanhola condenou à morte “59 bruxas; na Itália, 36; e em Portugal, 4”. E a propaganda é a de que “foram milhões”!

Constatou-se que os Tribunais Religiosos eram mais brandos do que os Tribunais Civis: tiveram poucas participações nestes casos, o que não aconteceu com os tribunais civis, que mataram milhares de pessoas.

SENTENÇAS DE UM INQUISIDOR FAMOSO

Em 930 sentenças que o Inquisidor Bernardo Guy pronunciou em 15 anos, houve 139 absolvições, 132 penitências canônicas, 152 obrigações de peregrinações, 307 prisões e 42 “entregas ao braço secular” (cf. AQUINO, Felipe. “Para entender a Inquisição”. Lorena: Cleofas, 1ª ed., 2009, p.23).

O Simpósio conclui que as penas de morte e os processos em que se usava tortura, representam números pouco expressivos, ao contrario do se imaginava e foi propagado. Os dados são uma verdadeira demolição e extirpação de muitas ideias falsas e fantasiosas sobre a Inquisição.

“Hoje em dia, os historiadores já não utilizam o tema da Inquisição como instrumento para defender ou atacar a Igreja. Diferentemente do que antes sucedia, o debate se encaminhou para o ambiente histórico, com estatísticas sérias” (cf. o historiador Agostinho Borromeo, presidente do Instituto Italiano de Estudos Ibéricos: AS, 1998).

Bom que tudo isto tem mudado e é sinal de esperança. Tomara que haja uma nova reconstrução “hermenêutica”, sendo esta uma necessidade histórica. Que com uma justa crítica acurada, superem-se as ambiguidades historiográficas.

Pena que as correntes históricas perduram e os teóricos antigos – dizem eles, “conceituados” – continuam a ser as “referências fidelíssimas”, assim na prática pedagógica e histórica. Seja superior (acadêmica) ou média e fundamental, no ensino público continua a ritualista tradição a-histórica, não transparente sobre os acontecimentos, e de tom feiticista e alienado, incluindo entre estes, muitos estudiosos, professores e jornalistas brasileiros e do resto do mundo. “Há milhões de pessoas que odeiam o que erroneamente supõem que seja a Igreja Católica” (cf. John Fulton Sheen, Bispo norte-americano).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AQUINO, Felipe. “Para entender a Inquisição”. Lorena: Cleofas, 1º ed., 2009.
  • DEVEVIER, W. “A Historia da Inquisição: curso de apologética cristã”. São Paulo: Melhoramentos, 1925.
  • L’INQUISIONI. “Atas do Simpósio sobre a Inquisição”, 1998.
  • PERNOUD, Régine. “A Idade Média: Que não nos ensinaram”. São Paulo: Agir, 1964.
  • ROPS. Henri-Daniel. “A Igreja das Catedrais e das Cruzadas”. Vol. 3. São Paulo: Quadrante, 1993.

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