A moral cristã aprova o “aborto terapêutico”?

– “Será lícito, na Moral cristã, o aborto terapêutico?” (Capichaba – Vitória-ES).

Por “aborto terapêutico” entendemos abaixo a intervenção médica que tem por objeto extrair do seio materno um feto vivo, ainda não viável, a título de salvar a vida materna. Trata-se, pois, de uma ação que atinge diretamente a vida da criança, extinguindo-a; pouco importa, no caso, que não se vise como finalidade suprema da intervenção a morte do feto como tal, mas a preservação da vida da gestante.

Como se compreende, uma tal operação apresenta foros de liceidade aparente que não possui o aborto vulgar, praticado por comodismo ou outro motivo baixo. Em vista disto, as leis recentes de algumas nações têm permitido e oficializado o aborto terapêutico.

A Moral cristã, porém, condena formalmente tal praxe, pois com plena razão a tem na conta de assassínio direto. O fato de se intencionar um termo ulterior mediante o morticínio não cancela a gravidade do mesmo. A esta norma de Moral é preciso acrescentar a seguinte observação: na base de experiências modernas, pode-se afirmar que o aborto dito “terapêutico” não se impõe como necessário ao tratamento de moléstia alguma. Entre outros testemunhos, seja lícito citar o de numerosos médicos especialistas que se reuniram em estudos na Academia de Deontologia Médica de Madrid nos anos de 1933 e 1934; concluíram com uma declaração acompanhada de sólido aparato científico, a qual afirma “não haver indicação nem da obstetrícia nem da cirurgia em geral que leve a tachar de terapêutico o aborto provocado” (cf. Surbledf, “La Moral en sus relaciones con la Medicina”, Barcelona, 1950, pp.292-293).

A fim de tornar plenamente persuasivo este testemunho, os estudiosos têm reexaminado os principais casos para a terapêutica dos quais se costumava outrora apontar o aborto. Chamam em nossos dias a atenção para os recursos de que dispõe a Medicina moderna para curar eficazmente, sem recurso ao aborto, tanto os vômitos incoercíveis como a anemia perniciosa e a tuberculose pulmonar; quanto às lesões cardíacas, a técnica permite dizer que exigem cuidados especiais durante o processo de gestação e maternidade, mas não o impedem.

Em suma, eis eloquente estatística publicada pelo “Catholic Medical Quarterly”, de abril de 1956, pp.89-90: no “Margaret Hagne Hospital” (Estados Unidos), entre os anos de 1944 e 1951 verificaram-se 66.101 partos, sem que se haja cometido um só aborto “terapêutico”; ora, a mortalidade materna, em tais circunstâncias, atingiu as proporções de 0,103% apenas. Em outros dois grandes hospitais norte-americanos, onde se praticava o aborto “terapêutico”, a mortalidade materna chegou a 0,12% num total de 21.990 casos e a 0,21% em outra série de 20.679 casos. O Dr. Samuel Cosgrove, abalizado obstetra, que solicitou aos hospitais os dados da estatística acima, concluiu não se poder legitimar por título nenhum o aborto dito “terapêutico” (cf. “Theological Studies”, março 1953, p.42). Por conseguinte, o médico que esteja realmente disposto a tratar da cliente, tem recursos científicos para fazê-lo, recursos que poupam a vida da criança e são mais dignos do que o aborto.

Escaparia ao âmbito da questão tratar aqui do aborto provocado por razões de eugenia, ou seja, em vista de evitar indivíduos defeituosos ou selecionar os tipos raciais mais fortes. Seja apenas dito que também tal modalidade de intervenção é, como assassínio injusto, repudiada pela Moral cristã. Esta parte do princípio de que o homem não é gerado meramente a fim de servir à sociedade; ele tem o direito de receber do seu semelhante algo mais do que a paga dos préstimos que lhe possa tributar. Independentemente das suas possibilidades de produzir, a criatura humana possui uma personalidade baseada em sua natureza espiritual e destinada a um fim póstumo; todo e qualquer indivíduo tem o direito e o dever de passar por esta vida temporal em demanda da eterna: “Os homens não são gerados primariamente para a terra e o tempo, mas para o céu e a eternidade”, ensina Pio XI na encíclica “Casti connubii”. Ademais, quem praticasse o aborto por eugenia, não teria motivo para não querer outrossim eliminar da sociedade os doentes incuráveis, os anciãos… aqueles cuja existência pareça (segundo um critério qualquer) carecer de valor.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 6:1957 – out/1957
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