A mordaça espírita

Os espíritas estão com medo do despretensioso livrinho “Sim, Sim! Não, Não!” do monsenhor Jonas Abib, da comunidade Canção Nova, que já vendeu mais de 400.000 exemplares. Por isso requisitaram ao Ministério Público da Bahia que ingressasse com ação para que a comercialização do livro fosse proibida. O promotor de justiça Almiro Sena (o mesmo que quis censurar a telenovela “Sinhá Moça”) entendeu não ter coisa melhor para fazer e atendeu ao pedido dos espíritas, ingressando com ação para recolher os exemplares do livro de todas as livrarias e bancas de jornal de Salvador – BA e denunciando o monsenhor Jonas por prática e incitação de discriminação e preconceito religioso, crime punido com 1 a 3 anos de reclusão (art. 20 da Lei Federal n. 7716/1989).

Os espíritas e o promotor Almiro Sena querem ver o monsenhor Jonas na cadeia por ele ter proclamado a doutrina católica sobre o espiritismo.

O monsenhor Jonas está sendo perseguido com violação da laicidade constitucional do Estado. Em primeiro lugar, porque o monsenhor não praticou ou incitou discriminação ou preconceito contra qualquer pessoa em seu livro. Ele apenas dirigiu seus ataques à doutrina e às práticas espíritas. Uma coisa é discriminar uma pessoa pela doutrina que ela segue e pratica; outra, bem diferente, é reprovar uma falsa doutrina ou práticas maléficas do ponto de vista de nossa própria religião. Toda a controvérsia entre o monsenhor Jonas e os espíritas é de ordem puramente doutrinal, religiosa e espiritual, campo sobre que o Estado brasileiro não tem competência para julgar, conforme o princípio da laicidade, garantido pela Constituição Federal. Segundo os espíritas, as críticas que o monsenhor Jonas faz à doutrina e às práticas do espiritismo são inverídicas. Acontece que, de acordo com o princípio constitucional da laicidade, o Estado brasileiro não têm competência para julgar acerca da verdade de uma religião ou para arbitrar conflitos entre as diversas confissões religiosas. O poder judiciário não tem competência para julgar se a posição católica sobre o espiritismo é verdadeira ou falsa.

Em segundo lugar, a violação ao princípio constitucional da laicidade é ainda mais gritante porque o monsenhor Jonas está sendo perseguido por haver criticado a religião oficial do Estado da Bahia. Pois é, embora a Constituição Federal, em seu artigo 19, I, proíba a União, os Estados e os Municípios de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas”, bem como “manter com eles relações de dependência ou aliança”, a Constituição do Estado da Bahia, ao arrepio do Pacto Federal, estabeleceu o seguinte em seu artigo 275:

Art. 275 – É dever do Estado preservar e garantir a integridade, a respeitabilidade e a permanência dos valores da religião afro-brasileira e especialmente:

I – inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados à religião afrobrasileira, cuja identificação caberá aos terreiros e à Federação do Culto Afro-Brasileiro;

II – proibir aos órgãos encarregados da promoção turística, vinculados ao Estado, a exposição, exploração comercial, veiculação, titulação ou procedimento prejudicial aos símbolos, expressões, músicas, danças, instrumentos, adereços, vestuário e culinária, estritamente vinculados à religião afro-brasileira;

III- assegurar a participação proporcional de representantes da religião afro-brasileira, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos e órgãos que venham a ser criados, bem como em eventos e promoções de caráter religioso;

IV – promover a adequação dos programas de ensino das disciplinas de geografia, história, comunicação e expressão, estudos sociais e educação artística à realidade histórica afro-brasileira, nos estabelecimentos estaduais de 1º, 2º e 3º graus.

http://www.al.ba.gov.br/arquivos/constituicao2007.pdf

Ora, este artigo da Constituição baiana é manifestamente inconstitucional por estabelecer uma religião de Estado, medida que é rigorosamente proibida pelo art. 19, I, da Constituição Federal. E é com base nesse artigo, fulminado de nulidade por expressamente contravir a Constituição Federal, que o monsenhor Jonas está sendo processado.

Eu só não entendo por que os espíritas ainda não entraram com processo para proibir a comercialização do Catecismo da Igreja Católica, que também ataca o espiritismo, ou a edição Ave Maria da Bíblia Sagrada, em que consta com todas as letras o seguinte:

“Não se ache no meio de ti quem faça passar pelo fogo seu filho ou sua filha, nem quem se dê à adivinhação, à astrologia, aos agouros, ao feiticismo, à magia, ao espiritismo, à adivinhação ou à evocação dos mortos, porque o Senhor teu Deus abomina aqueles que se dão a essas práticas” (Deut 18,10-12) [texto corrigido]

E mais, se os espíritas têm o direito de proibir os livros dos católicos que os criticam, o que poderiam fazer os católicos com os livros espíritas que caluniam a Igreja, como os que são citados a seguir?

“O Papa, príncipe temporal, espalha o erro pelo mundo” (KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Federação Espírita Brasileira, 1949. p. 282).

“A história do papado é a do desvirtuamento dos princípios do cristianismo, porque, pouco a pouco, o Evangelho quase desapareceu sob as suas despóticas inovações. Criaram os pontífices o latim nos rituais, o culto das imagens, a canonização, a confissão auricular, a adoração da hóstia, o celibato sacerdotal e, atualmente, noventa por cento das instituições são de origem humaníssima, fora de quaisquer características divinas” (XAVIER, Francisco Candido. Emmanuel. Federação Espírita Brasileira, 4a edição. p. 30).

Cuidado, espíritas! O feitiço pode virar contra os feiticeiros.

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