Por John Salsa e Robert Siscoe
Traduzido por Alessandro Lima
“[O] Concílio Geral declara o fato do crime pelo qual o papa herético se separou da Igreja e se privou da sua dignidade.” (Wernz-Vidal) [1]
Como os sedevacantistas sabem que não têm autoridade para julgar um Papa pelo crime de heresia segundo o direito canônico, eles criaram uma novidade completa para contornar o problema: argumentam que o Papa perde o seu cargo e jurisdição por cometer o pecado de heresia, e então se autodenominam juiz e júri do pecado por meio de um apelo nebuloso à “lei divina”. Muito conveniente, hein? E é justo dizer que este erro é um dos principais obstáculos ao falso fundamento sobre o qual a tese sedevacantista foi erigida. Como demonstramos detalhadamente em Verdadeiro ou Falso Papa?, o erro do “pecado de heresia” é duplo: Primeiro, o pecado de heresia é uma questão de foro interno do qual somente Deus (ou o sacerdote na confissão) é o juiz. Segundo, o pecado da heresia por si só não causa a perda do cargo.
Embora muitas citações dos principais sedevacantistas pudessem ser fornecidas, o padre sedevacantista, Pe. Anthony Cekada é um dos principais promotores deste erro, tendo-o divulgado durante muitos anos nos seus artigos e vídeos. Na verdade, este é a defesa favorita de Cekada para o sedevacantismo, que ele usa em quase todas as suas tentativas de “refutação” dos argumentos de seus oponentes. Por exemplo, ao tentar responder a um de seus críticos, Cekada escreveu um artigo chamado “Sedevacantismo Refutado?” em que ele diz o seguinte:
“Como muitos que escreveram contra o sedevacantismo, uma falha fundamental permeia o artigo do [autor] Sr. Sparks: ele parece totalmente inconsciente da distinção entre o direito eclesiástico (canônico) humano e o direito divino, e como essa distinção se aplica ao caso de um papa herético.”
“A heresia é tanto um crime (delictum) contra o direito canônico quanto um pecado (peccatum) contra o direito divino. O material que o Sr. Sparks cita trata da heresia como um delito e da censura eclesiástica (excomunhão) em que o herege incorre.”
“Isso é principalmente irrelevante para o caso de um papa herético. Por ser o legislador supremo e, portanto, não estar sujeito ao direito canônico, um papa não pode cometer um verdadeiro delito de heresia ou incorrer numa excomunhão. Ele está sujeito apenas à lei divina.”
“É violando a lei divina através do pecado (peccatum) da heresia que um papa herético perde a sua autoridade – ‘tendo-se tornado um incrédulo [factus infidelis]’, como diz o Cardeal Billot, ‘ele seria, por sua própria vontade, expulso o corpo da Igreja.’” [2]
Usando suas próprias palavras, Pe. Cekada “parece totalmente inconsciente” de que o pecado de heresia não faz, por si só, que um Papa “perca a sua autoridade”. É por isso que o Pe. Cekada é forçado a editar criativamente as citações que afirma apoiarem a sua posição (uma tática editorial que ele usa consistentemente, como expomos no nosso livro). Nesta última citação acima, após Cekada afirmar (em suas próprias palavras) que “através do pecado da heresia o papa herético perde sua autoridade”, ele cita enganosamente apenas metade de uma frase do Cardeal Billot sobre como os “incrédulos” são “lançados fora do corpo da Igreja”, evidentemente para dar a impressão de que Billot está dizendo que o pecado da heresia expulsa alguém da Igreja.
O que Cekada não conseguiu dizer aos seus leitores (ou mesmo indicar com reticências) é que o Cardeal Billot não se referia ao pecado da heresia, mas à heresia pública e notória – isto é, ao crime canônico da heresia no foro externo – que separa alguém do “corpo da Igreja”.
Aqui está a frase completa do Cardeal Billot:
“Dada, portanto, a hipótese de um papa que se tornaria notoriamente herético, deve-se admitir sem hesitação que ele perderia por esse mesmo fato o poder pontifício, na medida em que, tendo-se tornado um incrédulo, seria por sua própria vontade expulso o corpo da Igreja.” [3]
Porque “heresia notória” é um “crime” segundo o direito canônico (ver cânones 2197, 2º e 2197, 3º do Código de 1917) significa que o Cardeal Billot, como seus teólogos antecessores, sustentava que o crime de heresia (não o pecado de heresia) causa a perda do cargo eclesiástico. Em seu comentário ao Código de Direito Canônico de 1917, Wernz-Vidal ensina o mesmo:
“[O] Concílio Geral declara o fato do crime pelo qual o papa herético se separou da Igreja e se privou da sua dignidade.” [1]
A razão pela qual um Papa só pode perder o seu cargo pelo crime de heresia, é porque o pecado interno não rompe os laços externos de unidade, que por si só são suficientes para um Papa manter o seu cargo. Se assim fosse, um Papa que caísse na heresia oculta (secreta) também deixaria de ser Papa, o que é contrário ao ensinamento de São Roberto Belarmino e de “todos os teólogos” que Belarmino cita no seu livro De Ecclesia, como demonstramos amplamente em Verdadeiro ou Falso Papa? [4] Também mostramos que a pessoa deve ser um herege público e notório pelo julgamento da Igreja, não simplesmente por julgamento privado individual. A machadinha de meia frase de Cekada na citação de Billot, que ele certamente leu na íntegra antes de aplicar sua edição criativa, desfere mais um golpe na já manchada credibilidade de Cekada.
Pe. Cekada usou o mesmo argumento falacioso em resposta ao artigo de John Salza contra o sedevacantismo na edição de abril de 2011 do Catholic Family News [5]. No artigo, o Sr. Salza explica que a expulsão do Corpo da Igreja não é uma questão de pecado no foro interno, mas requer a determinação do crime no foro externo. No artigo de “refutação” de Cekada [6], ele começa afirmando levianamente: “Sr. Salza nada mais faz do que reciclar as mesmas objeções míticas ao sedevacantismo que eu e outros temos respondido repetidamente há pelo menos vinte anos.” Então, sob o subtítulo “Crime e Pecado Confusos”, Cekada na verdade confunde “Crime e Pecado” ao apontar involuntariamente que os argumentos de Salza “pertencem ao crime canônico de heresia… e não ao pecado de heresia” (ênfase no original).
Sim, nós concordamos!
Pe. Cekada então repete o seu erro ao afirmar com ousadia: “No assunto em questão, quando canonistas e teólogos dizem que a ‘heresia’ priva automaticamente um papa do seu cargo, eles estão se referindo ao pecado de heresia, não ao crime canônico de heresia” (ênfase no original).
Pe. Cekada prossegue fornecendo duas citações do canonista Michel que explica os requisitos para o pecado da heresia, mas que nunca diz que tal pecado “priva automaticamente um papa do seu cargo”, como afirma Cekada. Isso ocorre porque o pecado interno da heresia por si só não causa tal coisa, e nem uma única citação citada pelo Pe. Cekada em qualquer um dos seus artigos prova o contrário, razão pela qual se vê reduzido a citar meias frases (fora do contexto) para apoiar a sua posição.
Em seu vídeo recente “Stuck in a Rut”, Pe. Cekada despeja o mesmo absurdo. Ele cita os nomes de vários outros teólogos (como Beste, Wernz e Vidal) que, segundo ele, concordam com sua teoria do pecado da heresia, mas quando reservamos um tempo para procurá-los, descobrimos novamente seu ensino unânime de que o crime de heresia – julgado pela Igreja – e não o pecado de heresia – julgado pelo Pe. Cekada – provoca a perda do cargo. Por exemplo, Beste diz: “Não são poucos os canonistas que ensinam que, fora da morte e da abdicação, a dignidade pontifícia também pode ser perdida ao cair em certa insanidade, que é legalmente equivalente à morte, bem como através de uma heresia manifesta e notória” [7]. Falando do caso de um Papa manifestamente herético, Wernz e Vidal também dizem que “o Concílio Geral declara o fato do crime pelo qual o papa herético se separou da Igreja e se privou da sua dignidade.” [1]
Pe. Cekada procurará em vão uma frase completa nos seus manuais de teologia que diga que o pecado interno da heresia por si só (sem o julgamento da Igreja) faz com que um Papa perca o seu cargo, e ainda assim todo o seu caso se baseia neste erro fundamental. Como observado acima, se a sua teoria fosse verdadeira, a Igreja nunca teria certeza de que um Papa eleito era um verdadeiro Papa ou um antipapa – um crente ou um pretendente – uma vez que o homem é incapaz de ver o coração de outro homem para determinar se o pecado foi cometido (e afirmar que se julga um pecado interno considerando as ações externas não é suficiente). Se a perda do cargo papal ocorresse secretamente (sem o envolvimento da Igreja) devido ao pecado da heresia, e fosse deixada ao julgamento privado de cada católico para “discernir”, haveria o caos. Não haveria certeza quanto aos decretos vinculativos do Papa, e esta incerteza contagiaria toda a Igreja. Como demonstramos em nosso livro, um defensor da teoria do Pe. Cekada afirma agora que não houve Papas verdadeiros desde o ano de 1130. A consequência prática da nova teoria de Cekada por si só é suficiente para revelar o erro da sua principal defesa da tese sedevacantista. E isso significa que o caso de Cekada foi arquivado.
Infelizmente, muitos leigos desavisados caíram no “pecado da heresia” sob a teoria da “Lei Divina” do Pe. Cekada, e depois usaram-no em sua própria defesa da posição sedevacantista. Essas pessoas incluem Mario Derksen (também conhecido como “Gregorius” no NovusOrdoWatch), Richard Ibranyi, Steven Speray, Mike e Pete Dimond e Gerry Matatics – todos os quais aparecem com destaque em True or False Pope?. Um dos exemplos mais embaraçosos, mas não incomuns, de papagaio da teoria do Pe. Cekada, ocorreu quando o Sr. Jerry Ming escreveu uma “Carta Aberta a John Vennari”, o Editor do Catholic Family News, em resposta ao artigo de John Salza acima mencionado. Aqui está um trecho da “Carta Aberta”. Veja se alguma dessas coisas lhe parece familiar:
“Portanto, deveria ficar claro para todos que a heresia é um crime contra o direito canônico e um pecado contra a lei divina. ‘É violando a lei divina através do pecado da heresia que um papa herético perde a sua autoridade – ‘tendo-se tornado um incrédulo…’ como diz o Cardeal Billot, ‘ele seria, por sua própria vontade, expulso do corpo da Igreja.’” [8]
Observe que o Sr. Ming não apenas papagaia o Pe. Cekada literalmente (um traço comum entre os sedevacantistas), mas ele até cita a mesma meia frase do Cardeal Billot (fora do contexto) para defender seu ponto de vista! Isto apenas mostra o perigo de seguir padres sedevacantistas, como o Pe. Anthony Cekada. Também revela como o sedevacantismo, como o protestantismo, é um movimento de “cegos guiando outros cegos” (cf. Mt. 15:14). E, como disse Nosso Senhor, quando isso acontecer, ambos cairão na cova.
Notas
[1] Wernz-Vidal, Ius Canonicum (Roma, 1943), II, p. 518.
[2] “Sedevacantismo refutado?” em http://www.traditionalmass.org/articles/article.php?id=15.
[3] De Ecclesia, 1927, 5ª ed., p. 632.
[4] De Romano Pontifice, livro 2, cap. 30.
[5] Salza, “Sedevacantism and the Sin of Presumption,” Catholic Family News, April 2011.
[6] http://www.fathercekada.com/2011/04/11/salza-on-Sedevacantism-same-old-fare
[7] H. Introductio in Codicem, 1946.
[8] “Open Letter to John Vennari.” http://www.novusordowatch.org/open_letter_to_ John _Vennari.htm.
Traduzido do original em inglês disponível em http://www.trueorfalsepope.com/p/because-sedevacantists-know-they-have.html.