A piedade

Na Bíblia se encontram passagens significativas que revelam a importância do Dom da Piedade. O Eclesiástico ensina que o Onipotente “deu sabedoria aos que vivem piamente” e mostra como Josias se ilustrou, dado que “dirigiu o seu coração para o Senhor e nos dias dos pecadores fortificou a piedade”.

O segundo livro dos Macabeus ressalta que Judas rezava pelos mortos “porque ele considerava que a quem tinha falecido na piedade, estava reservada uma grandíssima misericórdia”. S. Pedro acentua que o cristão não se apega ao que é transitório, mas a ele convém “estar em santidade de vida e em piedade”. São Paulo prioriza em suas epístolas o valor deste hábito sobrenatural, afirmando que “a piedade é útil para tudo”. Eis por que ele admoesta a Tito que “neste mundo vivamos sóbria, justa e piamente”. Afirma que “verdadeiramente a piedade é uma fonte de lucro (espiritual)”. Aconselha a Timóteo: “exercita-te na piedade”. Afirma que devemos suplicar a Deus “para que levemos uma vida sossegada e tranqüila, em toda a piedade e honestidade”.

Trata-se, portanto, de uma atuação especial do Espírito Santo que leva ao aprimoramento da virtude da religião e transfigura inteiramente o comportamento cotidiano, deificando o agir humano. Faz amar a Deus com toda a disponibilidade, conduzindo a uma fidelidade total a Ele, numa imitação perfeita de Cristo, cuja piedade filial o fazia fiel e cumpridor da vontade do Pai. É por influição desta ação do Paráclito que se penetra nos segredos da presença oculta de Deus no íntimo do coração e na história dos homens, escrutando o reino do invisível.

O papel de Maria, a Mãe de Jesus, na economia salvífica é vivenciado em profundidade, pois a Co-redentora tem então seu múnus valorizado no processo existencial-redentor de cada instante. A Igreja que perpetua a obra soteriológica é acatada como Mãe e Mestra e significa a comunhão comunitária. As Sagradas Escrituras se tornam objeto de especial culto por serem a mensagem inefável da Sabedoria Eterna. A Liturgia é vislumbrada como memorial sagrado e evocação do eterno louvor da glória celestial. O Papa é venerado como o próprio Jesus Cristo por ser d’Ele o lugar-tenente, gozando de especial assistência celeste no governo eclesial. Os deveres religiosos aparecem não como imposições vindas de fora, que se devem cumprir sob pena de pecado mortal, “mas como exigências íntimas, imperativas que jorram da lógica da fé”.

Nas autoridades, em cada pessoa, se passa a ver o próprio Verbo divino, pois se atuam estas palavras evangélicas por Ele proferidas: “O que fizestes ao menor de vossos semelhantes, foi a mim que o fizestes”. É que pelo Dom da Piedade a alma se entrega a Deus e se dá aos demais sem reserva, com toda a generosidade, com toda a amplidão de um amor sobrenatural e divino”.

Uma admirável santa que, no século treze, possuiu em grau elevado a Piedade foi Santa Isabel, filha de André, rei da Hungria. Após a morte de seu marido Ludovico, Landgrave da Turíngia, atingiu o ápice da perfeição no exercício contínuo deste dom. Conrado de Marburgo, seu diretor espiritual, deixou escrito o seguinte: “Tinha o costume de duas vezes ao dia, pela manhã e à tarde, visitar pessoalmente seus doentes, chegava mesmo a tratar com as próprias mãos os mais repelentes, a quem alimentando, a quem estendendo no leito, a quem levando nos ombros, fazia muitas outras obras de bondade. Em tudo isto seu marido, de feliz memória, não se mostrava contrariado. Contudo, após a morte deste tendendo para a máxima perfeição, rogou-me com lágrimas que lhe permitisse ir mendigar de porta em porta”. Em seguida, assevera Conrado, apesar destas obras ativas, digo-o diante de Deus, raramente vi mulher mais contemplativa. Algumas pessoas e mesmo religiosos, na hora de sua oração particular, viram muitas vezes seu rosto brilhar maravilhosamente e como que raios de sol jorrarem de seus olhos”. Estão, de fato, intimamente relacionados o culto a Deus e o serviço ao próximo. Aliás S. Francisco de Sales doutrina que “de diferentes modos, há de exercer a devoção, quer dizer, pelo nobre e pelo operário, pelo servo e pelo príncipe, pela viúva e pela donzela ou pela casada. E isto ainda não basta. A prática mesma da devoção tem de adaptar-se às forças, ocupações e profissões particulares de cada um”. Acrescenta o douto epíscopo, exaltando a Piedade: “Por ela o cuidado contigo e com a família se faz muitíssimo mais sereno; o amor mútuo entre marido e esposa, mais sincero; o devido preito ao príncipe, mais fiel; e mais amenas e melhores todas as ocupações, sejam quais forem” Ninguém deve, realmente, ficar enclausurado dentro de si. A sociabilidade exige o intercâmbio de bens espirituais O Dom da Piedade solidifica a confiança filial em Deus e a fraternidade mais ampla, tornando viável o cumprimento fiel do primeiro preceito da lei, síntese de toda ética.

No contexto atual é exatamente destas qualidades que mais o epígono de Cristo necessita para mostrar a verdadeira face do Todo-poderoso, de sua Igreja, construindo uma sociedade irmanada que aborrece os litígios, abomina o egoísmo, favorecendo o humanismo e a justiça.

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