A profanação da verdade: em defesa do Opus Dei

A PROFANAÇÃO DA VERDADE
(Um comentário de Luiz Eugênio Garcez Leme,
Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP)

Não tenhas medo à verdade, ainda que a verdade te acarrete a morte (São Josemaria Escrivá, Caminho, n. 34)

As ofensas à verdade

O Catecismo da Igreja Católica, ao falar das “ofensas à verdade”, menciona, entre outras, as seguintes:

  – A mentira: é o pecado que “consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar” (n. 2482);
  – A calúnia, é o pecado cometido por “aquele que, por palavras contrárias à verdade, prejudica a reputação dos outros e dá ocasião a falsos juízos a respeito deles” (n. 2477).

 A calúnia, portanto, é uma mentira proferida com a finalidade de prejudicar a reputação alheia. Mas é importante ter em conta que se pode caluniar, mentindo de duas maneiras:

  – primeira, dizendo falsidades: este foi o caso lamentável da calúnia contra o Cardeal Bernardin, de Chicago, acusado há anos de pedofilia por um ex-seminarista. O Cardeal adoeceu do desgosto (pois toda a imprensa e a TV difundiram a calúnia) e veio a falecer. Quando estava já no fim, o acusador, movido por Deus, veio a público declarar que era tudo uma mentira, inventada por ele para vingar-se de uma repreensão (aliás, justa) recebida de Mons. Bernardin no seminário;

  – segunda, pode-se caluniar dizendo verdades; sim, dizendo verdades, mas verdades deturpadas, mal interpretadas, desfiguradas…, até transformá-las em mentiras. É já proverbial a frase que diz: “A pior mentira é a verdade mal contada”.

 No processo que terminou condenando Jesus Cristo à morte na Cruz, esse foi o sistema seguido. Os membros do Sinédrio, os Sumos sacerdotes que decretaram a morte de Cristo e alcançaram de Pilatos a sua execução poderiam desafiar-nos, dizendo: – Provem que o que nós dissemos não é verdade.

 E, certamente, três foram as principais acusações contra Cristo:

 1ª – Este homem disse: Posso destruir o Templo de Deus e reedificá-lo em três dias (Mat 26, 61). São João conta-nos palavras quase idênticas pronunciadas por Jesus, em resposta à indagação dos fariseus sobre a sua autoridade: Destruí vós este Templo e eu o reerguerei em três dias (Jo 2, 19);

 2ª – O sumo sacerdote perguntou a Jesus: És tu o Cristo, o filho de Deus bendito? E Jesus respondeu: Eu o sou. Imediatamente foi condenado por blasfêmia: Ouvistes a blasfêmia, que vos parece? E unanimemente o julgaram merecedor de morte (Marc 14, 61-64);

 3ª – Acusado diante de Pilatos de querer fazer-se rei e, portanto, inimigo do Imperador romano, quando Pilatos lhe perguntou: És tu o rei dos judeus? Jesus respondeu: Sim (Marc 15, 2). E esse foi o motivo por que Pilatos, pressionado pelos sacerdotes, o condenou, como constava do “título” que, conforme prescrevia a lei, mandou colocar no alto da Cruz: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus (Jo 19, 19).

 Portanto, as três acusações que levaram Cristo a ser condenado à morte estavam baseadas em “verdades”. Mas essas verdades eram “verdades profanadas”, pois, pela deturpação com que foram contrafeitas, tornaram-se mentiras. Com efeito:

– Jesus, ao falar da destruição e reedificação do Templo, como explica claramente o Evangelho, falava do templo do seu corpo (Jo 2, 21), que havia de ser destruído na Paixão e se reergueria três dias depois, ao ressuscitar. A “interpretação” dada era falsa, como se ele desprezasse o Templo, o lugar mais sagrado dos judeus, e estivesse ameaçando destruí-lo;

 – Ao proclamar-se o Messias, o Cristo Filho de Deus, Jesus dizia a pura verdade. Era mesmo- e é – o Messias, o Filho do Deus vivo, o Salvador do mundo. Bem sabia ele que essa verdade escandalizaria seus inimigos e seria apresentada como uma mentira blasfema;

 – Finalmente, ao dizer que era rei, também falava a verdade: Eu para isto nasci e vim ao mundo, dirá a Pilatos (Jo 18, 37), mas esclarecerá, face aos seus acusadores: O meu Reino não é deste mundo (Jo 18, 36), jamais tive a pretensão que me atribuem de reinar nesta terra.

 A Paixão, como disse Jesus aos que o prenderam no Horto das Oliveiras, é a vossa hora e o poder das trevas (Luc 22, 53). Deus, por um tempo, deixou mão livre a Satanás, e Satanás cumpriu o seu ofício específico, que é o de mentir. Como lembra o Catecismo da Igreja Católica, “O Senhor denuncia na mentira uma obra diabólica: “Vós sois do diabo, vosso pai…, nele não há verdade: quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44)” (n. 2482).

 O que aconteceu na vida de Jesus se reproduz, ao longo da história, na Igreja, nas instituições da Igreja, na vida dos santos e, em geral, na vida daqueles cristãos que se esforçam por seguir sinceramente Cristo de perto. Pouco antes da Paixão, durante a Última Ceia, Jesus anunciou aos seus discípulos de então e de sempre: Se me perseguiram, também vos hão de perseguir; se guardaram a minha palavra, também hão de guardar a vossa […]. No mundo haveis de ter tribulações, mas tende coragem, eu venci o mundo! (Jo 15, 20 e 16, 33).

Diversas maneiras de profanar a verdade

 1) Apresentar coisas santas como coisas perversas ou absurdas


 Na vida de Jesus, os milagres, as expulsões de demônios, as curas, o bem que fazia aos doentes e aflitos, foram qualificados de ações diabólicas: Ele está possuído de Beelzebul: é pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios (Marcos 3, 22). Quando Cristo anunciou o maior mistério cristão, o da sua entrega salvadora na Cruz, perpetuada na Eucaristia, e disse Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, o povo que o escutava na sinagoga de Cafarnaum “interpretou” essa verdade como se fosse um anúncio de canibalismo, uma aberração, e desde então, muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com ele (João 6, 54 e 66). Na vida dos seguidores de Cristo acontecem acusações análogas.

 Vamos refletir sobre três casos em que, com freqüência, se observa que coisas boas e santas são apresentadas por alguns como coisas más e até horríveis:

 A) Jesus ama os corações generosos, que estão dispostos a segui-Lo e, junto com Ele, a dar a vida por amor a Deus e aos homens. Jesus ama os que livremente decidem acompanhá-lo e identificar-se com Ele, renunciando ao egoísmo e tratando de fazer como o Filho do homem, que veio, não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a redenção de muitos (Mat 20, 28).

Jesus ama os que se apaixonam pelo ideal de Amor imenso que Ele trouxe à terra (ninguém tem amor maior que o que dá a vida pelos seus amigos: Jo 15, 13), ama os que seguem os Seus passos, que são os passos da renúncia voluntária, os da obediência santa (Jesus, assumindo a condição de escravo…, fez-se obediente até à morte e morte de Cruz: Filip 2, 7-8), os da santa pobreza, tão amada por São Francisco de Assis e por todos os grandes santos (vai, vende o que tens e dá-o aos pobres…; qualquer um que não renuncia a tudo o que possui não pode ser o meu discípulo: Mat 19, 21 e Luc 14, 33); os da humildade e da abnegação (porque o que quiser guardar a sua vida a perderá; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á: Marc 8, 35); os da renúncia voluntária ao amor humano, na escolha do celibato por amor do Reino dos Céus: Mat 19, 12)…

Toda a história da santidade, na Igreja, brilha – ao longo de mais de dois mil anos – com estas virtudes, encarnadas heroicamente pelas santas e os santos: caridade, abnegação, pobreza, humildade, espírito de serviço, obediência, dedicação, castidade, etc.

Mas, quando faltam os olhos da fé, ou existem olhos que, mesmo tendo fé, estão enfermos de preconceitos ou de ódio, então o bem parece mal, e é como se ouvíssemos as palavras do profeta Isaías: Ai daqueles que ao mal chamam bem, e, ao bem, mal (Isaías, 5, 20).

A partir da Revolução francesa, sempre que se desatou o ódio contra a Igreja Católica e se acenderam as perseguições, um dos primeiros alvos foram as almas dedicadas ou consagradas a Deus, especialmente as mulheres dedicadas a Deus em mosteiros ou trabalhos humildes.

Durante a Revolução francesa, no período chamado do Terror, foram fechadas todas as casas religiosas. Além de inúmeros sacerdotes e leigos que foram martirizados por ser cristãos, as monjas e freiras foram acusadas de serem umas pobres infelizes mantidas como escravas, de estarem no convento submetidas, contra a vontade, como numa prisão, de serem impedidas de exercer a liberdade, de estarem dominadas por superioras tiranas e exploradas pela obediência, etc.

É comovente o conhecido caso das dezesseis carmelitas do mosteiro de Compiègne, perto de Paris, que foram guilhotinadas – todas elas – em 18 de julho de 1794, e que subiram ao cadafalso serenas, cantando o hino Veni Creator ao Espírito Santo. O seu crime principal foi o fato de se terem recusado a mentir nos interrogatórios, de se terem recusado a admitir, diante dos seus carrascos, que fossem infelizes, ou que estivessem escravizadas, ou exploradas ou retidas no convento contra a sua vontade. O Estado ofereceu-lhes vida fácil e subvencionada se abandonassem o mosteiro, mas todas reafirmaram que estavam felizes e viviam encerradas com Cristo no mosteiro de livre e espontânea vontade, e que preferiram morrer pelo Senhor antes que abandoná-lo. E deram, de fato, a vida por Cristo. Todas as 16 foram elevadas à glória dos altares, como mártires.

Eis uma história santa, maravilhosa, que mostra como uma belíssima “verdade”, pode ser deturpada e transformada numa horrível mentira, pela calúnia.

Há, hoje, outras formas de dedicação total a Deus de pessoas que não são monjas nem freiras, mas cristãs leigas, e contra as quais se proferem ataques equivalentes: “Elas são escravas!” A calúnia se repete, mas é mais triste, porque parece que esse ignóbil procedimento é agora adotado por alguns que se dizem cristãos, e não por anticristãos hostis à Igreja, como antigamente.

Neste sentido, é penoso o livro do professor Jean Lauand e dois de seus colaboradores (“Opus Dei – Os bastidores”), que tenta lançar essa acusação – também por intermédio de algumas e alguns de seus seguidores – contra a Prelazia do Opus Dei.

O livro, e todas as ulteriores entrevistas dos ajudantes do prof. Jean, falam dessa instituição católica – abençoada por seis Papas (desde Pio XII a Bento XVI, sem faltar um só) e que tem como única finalidade procurar a santificação e o apostolado por meio do trabalho – como se fosse uma fábrica de parafusos ou uma empresa de serviços de manutenção elétrica, dedicadas à exploração dos seus operários. As moças do Opus Dei que, seguindo livremente e por amor uma vocação divina, se ocupam da administração doméstica dos centros do Opus Dei, não são funcionárias contratadas (ainda que todas as numerárias auxiliares tenham perfeitamente em dia a sua carteira de trabalho). São “membros” do Opus Dei, são fiéis da Prelazia de pleno direito. E, nesses trabalhos do lar, elas vêem que sempre as acompanham na execução dessas tarefas domésticas mulheres com título acadêmico superior, várias inclusive com seu mestrado e doutorado (que ninguém lhes impediu de fazer, antes as incentivou).

Lendo ou assistindo aos diversos “capítulos” da atual novela anti-Opus Dei, vem-me à memória, adaptada ao caso, uma conhecida frase do jargão médico homeopático: similia similibus curantur (coisas semelhantes tratam-se com coisas semelhantes). Digo isso porque acho inconcebível que se julgue um caminho vocacional católico de entrega e dedicação a Deus a ao apostolado, a Prelazia do Opus Dei, como o faria um advogado que, numa sustentação oral sobre contratos, se dedicasse a dar uma aula de química orgânica, coisa totalmente heterogênea; o direito se analisa com o direito. Por isso, um fenômeno pastoral, espiritual e apostólico da Igreja Católica, como é o Opus Dei, só pode ser tratado honestamente com base no Evangelho, no pensamento da Igreja, no Magistério dos Papas, na espiritualidade multissecular católica, nos ensinamentos dos santos. Não é isso, porém, o que está sendo praticado nessa campanha. O principal promotor e sustentador da mesma diz apoiar-se, entre outros, em Karl Popper e George Orwell. É a mesma coisa que pretender julgar a obra científica de Einstein ou o valor literário da poesia de Manuel Bandeira com base nos sermões de São Bernardo ou nas orações de Santa Brígida.

Fiquem os “autores” desse livro com Orwell. Eu prefiro ficar com os Papas: com Pio XII que aprovou definitivamente o Opus Dei, a sua espiritualidade e as suas práticas ascéticas; com João XXIII, que doou ao Opus Dei uma chácara pontifícia em Castelgandolfo, para ali fazer uma casa de encontros e cursos de espiritualidade, e lhe confiou uma obra social no bairro romano do Tiburtino; com Paulo VI, que, em carta manuscrita, qualificou o Opus Dei de “manifestação da perene juventude da Igreja”; com João Paulo I que, antes de ser eleito, acabava de publicar um artigo belíssimo sobre a santidade do Fundador do Opus Dei; com João Paulo II, que abençoou o Opus Dei tantas vezes, canonizou o seu Fundador e o erigiu em Prelazia pessoal da Igreja; com Bento XVI, que acaba de abençoar a estátua monumental de são Josemaria Escrivá, recém colocada nos muros da basílica de São Pedro, em Roma. Maior chancela de “autêntica catolicidade” que essa… é difícil.

Acho interessante mencionar que Pio XII, ao aprovar definitivamente o Opus Dei em 16 de junho de 1950, referia-se ao trabalho doméstico das numerárias auxiliares com rasgados louvores, afirmando que, “seguindo o exemplo do Senhor, que veio servir e não ser servido (Mat 20, 28), e da Bem-aventurada Virgem Maria, Escrava do Senhor (Luc 1, 38), movidas por sincera humildade e caridade, realizam com o espírito contemplativo de Maria os trabalhos domésticos de Marta, trabalhos a que especialmente se dedicam” (Decreto de aprovação, “Primum inter”).

Por último, e para não prolongar mais esse tema, creio que seria interessantíssimo que se tornassem mais conhecidos os cursos de alto nível em Hotelaria, que se proporcionam às numerárias auxiliares do Opus Dei (e que as capacitam para achar facilmente, se algum dia o desejarem, um emprego bem remunerado em empresas do ramo), bem como as obras que a garra, a categoria humana e profissional e a iniciativa de muitas Auxiliares promovem (com uma “classe” que nada tem a ver com as “coitadinhas” da calúnia) entre jovens trabalhadoras e mães de família. Eu compreendo que o fundador do Opus Dei dissesse que “tinha inveja” das suas filhas Auxiliares.

B) Vamos a outras coisas santas deturpadas. Jesus chega ao ápice do seu amor na Cruz, aceitando o sacrifício, toda a dor física e moral, para redimir os nossos pecados. Como lembrávamos, dá a vida para a redenção de muitos. É a mesma verdade que recorda o Apocalipse: Jesus é aquele que nos ama, que nos lavou de nossos pecados no seu sangue (Apoc 1, 5).

Com isso, nosso Senhor nos ensinou o novo valor – o valor cristão – do sacrifício que fazemos ou aceitamos, unidos à sua Cruz, para reparar pelos nossos pecados e pelos do mundo. Se queremos seguir os passos de Cristo na senda do amor, temos de acolher sinceramente o seu convite: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me (Luc 9, 23). Uma cruz que o amor faz doce, como experimentaram todos os santos. Uma cruz que dá alegria, que dá gozo, quando se oferece a Deus como purificação pessoal e para o bem de todos, como expressava São Paulo: eu castigo o meu corpo e mantenho-o em servidão [autodomínio]… (I Cor 9, 27); e também: Estou crucificado com Cristo, e já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (Gál 2, 20); e ainda: completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja (Colos 1, 24).

Todos os santos desejaram unir-se assim ao Salvador para, juntamente com Ele, ajudar a que a graça da salvação se derramasse sobre o mundo inteiro. Por isso, não há um único santo que não tenha praticado, com fé e amor, a mortificação e a penitência.

Desde o início do Cristianismo, a penitência foi vista como uma prática de grande valor espiritual, necessária para seguir Cristo de perto. Lembre-se o rigor com que era vivido o jejum durante os quarenta dias da Quaresma desde o tempo dos Apóstolos.

Há muitas formas de penitência cristã (ver Catecismo da Igreja Católica, nn. 1434-1439): trata-se de penitências clássicas – muitas delas já no Antigo Testamento -, como o jejum, as vigílias de oração à noite, a esmola, e dedicação às obras de misericórdia, ou dormir sobre madeira ou palha ou sobre o duro chão, como fizeram inúmeros profetas e como Jesus fez e pediu a vários dos que queriam segui-lo (ver Lucas 9, 57-58).

A respeito deste último ponto, é surpreendente ver como os que andam empenhados, quase que profissionalmente, na campanha de detração contra o Opus Dei “rasgam as vestes” maliciosamente, quando se referem a seguidoras atuais de Jesus que dormem voluntariamente “sobre tábua”. Na realidade, dormem sobre um estrado de madeira bem forrado, equivalente ao que os ortopedistas recomendam para evitar problemas de coluna (e que, de fato, os evita!), e o fazem com a alegria de seguir melhor Jesus, e de unir-se espiritual e materialmente aos pobres que muitas vezes carecem do mínimo de conforto para descansar bem ou só têm a rua para dormir. Mais uma vez, similia similibus tractantur. Se faltar um mínimo de conhecimento e de amor ao Evangelho, inevitavelmente, como diz a Escritura, por mais que olheis, nada vereis, pois o coração deste povo se endureceu (Mat 13, 14). E ainda, como dizia são Paulo, Cristo crucificado é, para os que não têm fé, escândalo e loucura (ver 1 Corintios, 1, 23).

Também são práticas cristãs seculares, milenares e clássicas na Igreja, o uso do cilício e das disciplinas. Dois meios tradicionais de penitência sobre os quais se têm feito – propositada e desorbitadamente (pois é de grande “impacto” sobre o público desinformado) – um estardalhaço clamoroso, especulações absurdas, exageros grotescos e comentários infames sobre “autoflagelação” (palavra que, na psicologia, contém uma carga negativa tremenda).

Antes de mais, é preciso dizer que o uso atual desses meios seria considerado brincadeira de crianças pelos nossos antepassados cristãos. É verdade, mesmo, o que dizia uma paciente que os tinha experimentado: “É muito mais dura uma sessão de cabeleireiro do que usar uma hora o cilício; e eu trocaria o incômodo de um minuto com o aparelho corretor dos dentes por dois minutos de disciplinas”. A penitência moderna, comparada com a dos cristãos leigos (nem falemos dos monges) de outras épocas, é quase ridícula.

Mas vamos a uma breve explicação, dado que os autores do livro citado e os entrevistados promovidos e instruídos por eles se empenham em fazer filmes de terror. Talvez poucos se lembrem de que, sobre o cilício, a Bíblia, no Antigo Testamento, fala muitas vezes (veja-se Isaías 3, 24; Judite 4, 9; Jeremias 4, 8 e 6, 26, os Salmos 35, 13 e 69, 12, I Macabeus, 2, 14, etc.); e também fala dele, como de uma prática santa (espantemo-nos!), o próprio Jesus Cristo. Fala mesmo. Referindo-se às cidades da Galiléia onde pregara a Boa Nova do Reino, e que não se tinham convertido nem feito penitência, Jesus exclamou: Ai de ti, Corozaïm! Ai de ti, Betsaida! Porque se os milagres realizados entre vós, tivessem sido feitos em Tiro e em Sidon, há muito tempo teriam feito penitência no cilício (“in cilicio”, diz o texto latino) e na cinza (Mat 11, 21). Ou seja, teria sido coisa boa que fizessem penitência com cilício.

Como bem explicam os historiadores e especialistas em Sagrada Escritura, no Antigo Testamento e no tempo de Cristo, o cilício era uma faixa, um colete, uma camisa ou uma túnica feita de pelo áspero e duro (tornou-se famoso depois o pelo de cabra da Cilícia, terra de São Paulo, de onde veio o nome) que, colocado diretamente sobre a pele, incomodava, e era usado para fazer penitência (em hebraico, chamava-se saq, de onde, nas versões mais escrupulosamente literais da Bíblia, foi traduzido, pela semelhança de som, como sakkos em grego, saccum em latim e também como saco em diversas versões vernáculas como no Padre Antonio Vieira). São Tomás More, chanceler da Inglaterra, homem cultíssimo do Renascimento, usava habitualmente uma camisa de cilício em baixo da camisa comum.

Nos últimos séculos, esse cilício foi substituído por uma faixa estreita de entrançados de aço ou alumínio, como o das redes de cabelo, e dotada de pequenas pontas limadas, que só produzem incômodo ao contato, sem chegar nunca a espetar-se ou ferir. Quem usou algum desses cilícios atuais e diz que “penetram na pele” ou fazem “sangrar”, de duas uma, ou se enganou e usou outra coisa, ou mente. Há, hoje, dois tipos de cilício (pode-se comprá-los em qualquer mosteiro de clausura): o grande, de cintura e o pequeno cilício, que é usado na coxa (o “parvum cilicium”, que tanto parece preocupar e sobressaltar algumas pessoas). Quem já o utilizou, afirma que, mais do que usá-lo, o que custa é lembrar-se de retirá-lo depois de uma ou duas horas de uso (tão facilmente se esquece!). Eu não posso deixar de lembrar que um venerado amigo de meu tio padre, o valeparaibano Pe. José de Melo, que foi diretor espiritual queridíssimo do Seminário do Ipiranga, onde tem uma estátua em homenagem, e cujo processo de beatificação está em trâmite, não só usava o cilício e as disciplinas, como os recomendava aos seminaristas.

Quanto às disciplinas, também as usadas antigamente, por exemplo, pelos discípulos de São Vicente Ferrer e Santa Catarina de Sena, eram dolorosas e até faziam sangrar. Nos últimos séculos, a humanidade prudente e higiênica as substituiu por um miúdo entrançado de barbantes comuns (que uma moça, meio-envergonhada, mal conseguia mostrar na tv, porque realmente não assustava ninguém) que, por mais que se bata, não conseguem deixar uma única marca, um mínimo vergão (coisa que conseguem, pelo contrário, algumas mães, com os tapas que dão nos filhos, e nem se fala se ainda usam o cinto, cem vezes mais doído que as disciplinas).

No meu caso, posso testemunhar que as sessões de condicionamento físico com seus exercícios aeróbicos e de resistência a que tantos de nós, inclusive eu, nos submetemos com conformado incômodo, para procurar manter a saúde física ganham de longe, em termos de sacrifício e de desconforto destas inocentes e úteis práticas para se manter a saúde espiritual.

Por que usá-las, então? Não são nada essencial, nem seria preciso. Se várias instituições atuais da Igreja as empregam, é porque a própria Autoridade da Igreja nunca as desaconselhou. Todos podem ter a certeza de que, se algum dia, essa Autoridade as desaconselhasse, imediatamente os poucos fiéis do Opus Dei que as utilizam (uma pequena minoria dos membros) as largariam com a maior tranqüilidade. Todos, no Opus Dei, sabem que a principal penitência recomendada pelo Fundador é o esforço por viver melhor a caridade, o amor ao próximo, e o empenho em trabalhar com amor, realizando uma tarefa intensa e bem acabada.

Mas não deixa de ser um fato que, quem as utiliza (não é o meu caso) sempre o faz como um piedoso lembrete do segundo mistério doloroso: Cristo, açoitado pelos nossos pecados, como uma maneira de unir-se a ele, com uma microscópica parcela de um único dos açoites que ele recebeu por nós, como agradecimento, recordação enamorada e expiação. A uma das pessoas a quem perguntaram por que usava às vezes as disciplinas (só o fazia, como tantos outros, durante o tempo breve da reza de um Pai-nosso ou de um Credo, e uma só vez por semana), respondeu: “Pelos meus pecados e pelos seus”. Outra, desejosa de maiores penitências, que o diretor espiritual não lhe autorizava, dizia: “Isto não é penitência, isto é um espanador”.

Mais interessante, porém, foi a resposta de uma terceira pessoa, católica bem informada e culta: – Olhe, disse, você sabe quem usou habitualmente o cilício e as disciplinas? Santa Terezinha do Menino Jesus, o Padre Pio (São Pio de Pietrelcina), santa Edith Stein, discípula predileta do grande filósofo Husserl, o nosso Beato Frei Galvão (as freiras do mosteiro da Luz, em São Paulo, podem mostrá-las a quem quiser), e a Madre Teresa de Calcutá; e consta que, nos respectivos processos de Beatificação ou Canonização, essa prática foi louvada pela Igreja como santa e meritória. Quer dizer que, diante dos ataques atuais, eu prefiro mil vezes ficar com Santa Terezinha, Madre Teresa, Padre Pio, Edith Stein, Frei Galvão e outros inúmeros santos, antes que com o anticatólico Dan Brown e esses outros e outras que agora, infelizmente, lhe fazem o coro.

 Mais uma palavra importante sobre esse tema da penitência, que parece “fascinar” tanto o nosso mundo hedonista e que, por impressionar essa mentalidade de prazer, é explorado, muito deliberadamente, pelos que querem conspurcar a honra de algumas organizações católicas, como o Opus Dei. Vejam essa figuras de santos e beatos citadas há pouco: todos eram corações grandes, cálidos, magnânimos, abertos a compreender e acolher a todos, e cheios de uma alegria que o mundo não pode dar. Eis um fato mais do que comprovado: a pessoa penitente, que sabe sacrificar-se, renunciar, exigir a si mesma, é a mais preparada para vencer o egoísmo e se dar ao próximo com carinho, com uma infinita compaixão, com afeto, dedicação e ternura. Ninguém mais desprendido e penitente, mais enamorado da Cruz, que São Francisco de Assis, e ninguém mais inundado de amor, de bondade, de mansidão, de alegria e de carinho até pelas coisas mais insignificantes da Natureza. Sim. Quem se “guarda” do sacrifício, costuma ser um egoísta, fechado para os outros. É natural que a generosidade dos outros o incomode.

 C) Mais uma coisa santa deturpada. A virtude cristã da castidade é a garantia do verdadeiro amor, tanto no casamento (fidelidade) como no celibato. Jesus, ao comentar o sexto Mandamento do Decálogo, apregoou a delicadeza na castidade, afirmando, por exemplo, que todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela no seu coração (Mat 5, 28); e acrescentando, de modo hiperbólico, metafórico: Se a tua mão direita é para ti ocasião de queda, corta-a e lança-a longe de ti (Mat 5, 30). Por isso, a moral e a espiritualidade católica sempre entenderam a necessidade de guardar essa delicadeza da castidade pregada por Jesus, mediante o autodomínio e o afastamento (cortar, como Jesus diz) das ocasiões – incluindo a pornografia da TV e da Internet, que já causaram muitos transtornos obsessivos, que os médicos temos que atender – de maus pensamentos, desejos ou ações.

 Isso pode ser praticado de muitas maneiras, e ninguém pode arvorar-se como o único que acerta: há, graças a Deus, diversas espiritualidades e escolas de ascetismo. Mas nunca será por aversão ao sexo (que – como ensinava são Josemaria Escrivá – é santo e santificador, expressão muito alta do amor, quando vivido de acordo com o plano de Deus)…, nunca, repito, será por aversão ao sexo que esse ascetismo será praticado, mas por respeito, por veneração à dignidade da mulher e do homem e à dignidade do próprio sexo, criado por Deus e dado aos homens como um dom de amor e não como uma banalidade vazia.

 Todo cristão, portanto, tem o dever de manter essa delicadeza, mediante “a ajuda dos sacramentos, a oração, o conhecimento de si, a prática de uma ascese adequada às várias situações, o exercício das virtudes morais, em particular da virtude da temperança, que visa fazer guiar as paixões pela razão”, como reza o recentíssimo Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (n. 490), promulgado em 28.06.2005 por Bento XVI.

 Pois bem, há pessoas leigas de instituições católicas (entre elas, que são muitas, graças a Deus, o Opus Dei), comprometidas vocacionalmente com o celibato, que se esforçam por viver estas recomendações da melhor maneira possível, dentro dos parâmetros do Evangelho e do Catecismo. Tendo isso em conta, o mínimo que se poderia esperar de outros católicos é o respeito pelas suas atitudes. Surpreendentemente, alguns se acirram na acusação, contra eles, de “sexofobia”, de serem “inimigos do corpo”, etc. Com isso, além de “demonizar” atitudes em si boas e puras, falsifica-se completamente a imagem da instituição. No caso concreto da Prelazia do Opus Dei, que conta entre seus membros uma grande maioria de mulheres e homens casados (em face de uma pequena proporção de celibatários), de casais que vivem o amor humano como caminho de santificação e costumam acolher os filhos com alegria e generosidade, onde está a sexofobia? Será que os filhos, nestes casos, nos foram trazidos mesmo pela cegonha, e nós os pais não sabemos?


 2) Apresentar opiniões ou opções respeitáveis como erros condenáveis


 É outra maneira comum de profanar a verdade. Vejamos agora dois casos:

 A) Na pedagogia moderna, após decênios de experiências de educação mista (meninos e meninas), está crescendo, entre alguns professores e especialistas do mais alto nível da Inglaterra, dos Estados Unidos, da França e da Espanha, a convicção de que a educação diferenciada (colégios só de meninas, colégios só de meninos), no segundo grau, pelo menos na fase “ginasial” (até a 8.ª série), é mais benéfica e eficiente do que a mista, sobretudo para as meninas, cuja melhora de rendimento em várias matérias é comprovada nesse sistema (podem pesquisar na Internet).

 Essa opinião de especialistas não é dogma de fé. Não existem dogmas nessas matérias. Mas evidentemente é respeitável e digna de consideração. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, as experiências recentes neste sentido, coroadas de êxito, são vistas como um progresso. No Brasil, talvez não se tenha abordado tão a sério o assunto. De qualquer forma, manifestaria uma intolerância inexplicável aquele que, tendo algumas noções de pedagogia, desprezasse essas teses e experiências sobre educação, ou zombasse delas, tachando-as de “conservadoras” ou de “inimigas do sexo”. Isso seria uma tentativa ditatorial de impor a opinião pessoal, talvez fossilizada, com desrespeito e desprezo da inteligência, das pesquisas e da liberdade dos outros.


 B) O segundo ponto só é compreensível para uma mente católica sincera e honesta. Como qualquer um pode verificar no Código de Direito Canônico vigente, esta lei geral da Igreja, zelando pela fé e a boa formação dos fiéis, estabelece que, “para garantir a integridade das verdades da fé e dos costumes, é dever e direito dos pastores da Igreja zelar para que os escritos ou uso dos meios de comunicação social não tragam prejuízo à fé e à moral dos fiéis”; e, como uma concretização dessa obrigação pastoral, determina que os pastores devam “reprovar os escritos que sejam nocivos à verdadeira fé e aos bons costumes” (Código de Direito Canônico, cânone 823, pár. 1).

 Para um autêntico espírito católico, portanto, seria censurável o pastor da Igreja – bispo, superior religioso, etc. – que se recusasse a obedecer a essa lei, a cumprir esse dever, alegando a defesa da liberdade, em detrimento do zelo pela fé e os costumes dos fiéis que lhe foram confiados e que a Igreja sente o dever de proteger. Por isso, caso alguém quisesse criticar ou ridicularizar os bons pastores que obedecem fielmente a Igreja nessas questões, apresentando a sua obediência à Igreja como uma mania exagerada e medieval, um ódio à liberdade ou uma deformação neurótica…, além de ofender gravemente um ato de virtude, estaria praticando a “profanação da verdade”, apresentado os fatos reais deformados por uma ótica preconceituosa e essencialmente errada.


 3) Interpretar distorcidamente as boas intenções e as boas ações


 Infelizmente, este é um mal a que poucos, neste mundo escapam. “Fiz ou falei por bem – dizem – e fui mal interpretado”. Isso acontece nas famílias e em todos os ambientes.

 Também Jesus foi caluniado por este meio indecoroso. Vendo que as multidões, atraídas pela sua Palavra divina e pela sua bondade, o seguiam entusiasmadas, até esquecer-se de comer (ver Marcos 8, 1-3), os inimigos de Cristo o acusaram de enganá-las: Ele seduz o povo! (Jo 7, 12). Era “verdade” que atraía o povo, era verdade que o povo se encantava com Ele, mas não se encantava como os inimigos diziam, por estar sendo aliciado com enganos e intenções perversas. Seguiam Cristo porque os “cativava”, e Deus cativa mesmo. Como vemos, basta falar de um mesmo fato e trocar a palavra “cativar” pela palavra “seduzir”, e já temos a “verdade profanada”.

 Essa mesma calúnia lançada contra Jesus foi e é muitas vezes lançada contra a “pastoral vocacional” da Igreja e contra os católicos, felizes com a sua fé, que procuram que outros compartilhem a sua alegria, e vivam também a vocação e a missão apostólica do cristão com responsabilidade. O dever do apostolado cristão, tão frisado pelo Concílio Vaticano II, que é um ato de amor ao próximo, que é desejo de ajudar, que é procura do bem terreno e eterno dos outros, fica transformado assim, na boca dos maldizentes, numa intolerável “captação”, “aliciamento”, “recrutamento”, “enganação”, etc.

 Parece que são os mesmos que afirmam isso os que, faz uns meses, enviaram uma chuva de e-mails a membros ou colaboradores do Opus Dei, dizendo – com uma agressividade de causar arrepios – as piores coisas dessa instituição da Igreja Católica e tentando “captá-los”, como expressões muito parecidas com uma “coação da consciência”, para que abandonassem o Opus Dei ou forçassem os filhos e conhecidos a abandoná-lo. Fazem lembrar o final da cena de Cristo na sinagoga de Cafarnaum, de que fala São João: Jesus disse aos doze: “Vós também quereis ir embora?” Simão Pedro respondeu: “A quem iremos Senhor? Tu tens palavras de vida eterna (João 6, 67-68).

 Todos os santos sofreram com essas tergiversações. Baste citar o bom Padre Pio de Pietrelcina: “Os jornalistas que falam bem dele estão pagos – dizia um eclesiástico que o detestava -, o Padre Pio é um reclame de passarinhos indefesos, para atrair os ingênuos e o dinheiro”. Lá no alto do Céu, o santo Padre Pio ri.

 

 4) Montar sobre fatos isolados ou esporádicos (verdadeiros) um “juízo global” (falso) sobre uma pessoa ou uma instituição.


 A) Um caso, que não é imaginário. Toda pessoa de olhos abertos (não precisa ser médico nem sociólogo) sabe que, na sociedade atual, estão em aumento crescente os distúrbios psíquicos, e especialmente o mal da “depressão”, que se alastra de modo alarmante.

 Hoje, a maioria das famílias, a minha inclusive, têm casos de depressão e/ou de outros distúrbios (síndrome do pânico, transtornos obsessivos, crises de angústia, dependência de medicamentos ou drogas, etc.). Por acaso seria decente atribuir esses males à instituição da família, e deduzir daí que a família é má, que faz mal, que deixa loucas as pessoas?

 Pois bem, esse “raciocínio” maligno está sendo empregado contra algumas instituições da Igreja, para denegri-las, também contra o Opus Dei.. No mundo de hoje, é inevitável que, além das famílias, também os seminários, os conventos, as entidades religiosas, assim como os colégios, as associações profissionais, os clubes de futebol, etc, contem um número relativamente elevado de pessoas que sofrem desses distúrbios. Essa realidade preocupante, que não é monopólio de ninguém, também tem sido utilizada para caluniar a Prelazia do Opus Dei, como se ela provocasse “muitos distúrbios psíquicos” entre os seus membros. Pelo conhecimento que possuo, tanto como médico e Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP, como por estar ligado ao Opus Dei há mais de 20 anos, creio que não me engano se digo que, no Opus Dei, a incidência desses distúrbios é proporcionalmente bem menor que a que se dá nas famílias, e, em geral, em outros ambientes e instituições como a Universidade ou os Tribunais.


B) Outro caso recente. À mesma instituição foi assacado que muitos entravam nela, mas poucos continuavam. Insinuava-se que quase 50 % dos jovens que iniciavam nela uma vida de dedicação a Deus não agüentavam e iam embora. É óbvio que nem todos perseveram no propósito, mas o dado, generalizado assim, é falso. E, sobretudo, distorce um fato que todos os que conhecem por dentro o mundo católico sabem de cor e julgam natural: nos seminários, noviciados, centros de formação, etc. de instituições religiosas ou leigas em que a vocação inclui o compromisso do celibato, só uns 10, ou, no máximo, uns 20 % dos que começaram chegam de fato a se ordenar padres ou a formalizar compromissos definitivos. Mais um exemplo de como, com base em alguns dados “verdadeiros”, pode ser montada uma acusação falsa.


 5) Manipular pessoas emocionalmente frágeis, para corroborar afirmações caluniosas como as citadas anteriormente

 Suponhamos agora – desta vez, só vamos supor, contando uma “estória” ilustrativa, que não seria real -, suponhamos, dizia, o caso de um rapaz que, cheio de boa vontade, julgou que o seu caminho seria dedicar-se a Deus e ao próximo numa instituição católica como a que acabamos de mencionar. Suponhamos que, decorrido algum tempo – enquanto o rapaz está ainda em período de experiência – acaba-se descobrindo que o moço padece de um grave distúrbio psíquico de caráter obsessivo-compulsivo, com problemas tão sérios que o incapacitam para o tipo de vida que, cheio de boa vontade, desejava seguir.

 Imaginemos ainda que os dirigentes dessa instituição se limitassem a mostrar caridosamente a esse rapaz (que nunca lhes falara de seus problemas), que aquele não era seu caminho e era melhor tomar outros rumos na vida. “Seria a atitude lógica” – diriam muitos. Mas esta estória que agora narramos tem um desfecho diferente. Na estória, os dirigentes, preocupados fraternalmente com o moço, levaram-no ao médico, que aventou a hipótese de problema cerebral. Os dirigentes, então, se empenharam com afinco em conseguir que lhe fossem feitos exames neurológicos, sem despesa nenhuma para ele. Constatando-se a ausência de problemas neurológicos, conseguiram que fosse atendido pela equipe psiquiátrica de uma das melhores faculdades de medicina, sem ônus nenhum para o paciente.

 Que diriam vocês, se esse hipotético rapaz de saúde frágil fosse afirmando em público que essa instituição o jogou na rua. Lembremos que estamos falando de coisas meramente imaginárias, mas é evidente que, se algo de parecido com isso alguma vez viesse a ocorrer, já não estaríamos mais diante de verdades deturpadas, mas diante da calúnia nua e crua.

 Dizia alguém, com razão, que o simbolismo de “O Senhor dos Anéis” lança, não raramente, um jato de luz sobre “a vida como ela é”. Escondido nas nuvens escuras de Mordor, Sauron não deixa de enviar seus orcs e seus nazgul eletrônicos, para tentar acabar com a Terra Média e seus bons e honestos moradores: os hobbits, os maravilhosos elfos, os homens, os anões, os ents. Sempre será a bondade pura a e a simplicidade de um Frodo e de seu criado Sam, de muitos Frodos e Sam, dispostos a dar a vida pela verdade e pelo bem de todos, que conseguirá contrabalançar todas as maquiavélicas armações de Sauron, Sarumã e Golum, e salvar as boas gentes, livrando-as do perigo mortal do anel do poder, do orgulho, da inveja e do ódio, que sempre pede o sangue dos bons.

A Paixão de Cristo, modelo que nos inspira a todos nós, também serviu e serve de inspiração para artistas de todos os naipes. Um deles, Paulo Vanzolini, verdadeira glória da música brasileira e da Universidade de São Paulo, termina seu samba “Inveja” afirmando “Ninguém vai longe com trinta dinheiros”.

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