A reencarnação não existe

Autor: Daniel Iglesias Grèzes

O objetivo deste artigo é mostrar que a crença na reencarnação carece de fundamentos teológicos, filosóficos ou científicos válidos. Para uma análise breve e certeira do reencarnacionismo remetemos o leitor ao documento da Comissão Teológica Internacional, publicado em 1999, intitulado “Algumas questões acerca da Escatologia” (Capítulo 9 – O caráter único e a unicidade da vida humana: os problemas da reencarnação).

A maior parte das reflexões abaixo constituem um resumo do livro do jesuíta Paul Siwek, “La réincarnation des esprits”, Editora Desclée, De Brouwer et Cie: Rio de Janeiro, 1942.

1. ARGUMENTOS TEOLÓGICOS

As religiões de origem oriental, que incluem a crença na reencarnação, não se baseiam numa revelação divina. Assim, não há nelas uma verdadeira teologia sobrenatural. Sua crença na reencarnação é um postulado assumido acriticamente a partir do ponto de partida. No entanto, visto que alguns partidários da reencarnação pretendem encontrar apoio para a sua crença no Cristianismo, consideraremos a relação entre a reencarnação e a teologia cristã.

a. O testemunho da Sagrada Escritura

i. No ensinamento de Jesus encontramos uma rejeição implícita, porém muito clara, da lei do karma, fundamento de todo o edifício reencarnacionista: “Ao passar, viu um homem cego de nascimento e os seus discípulos perguntaram-lhe: ‘Rabi: para que tenha nascido cego, quem pecou? Ele ou os seus pais?’ Jesus respondeu: ‘Nem ele pecou, nem os seus pais. É para que se manifestem nele as obras de Deus'” (João 9,1-3).

ii. A Epístola aos Henres afirma formalmente que os seres humanos têm uma única vida terrena: “E do mesmo modo que está estabelecido que os homens morram uma só vez e a seguir vem o juízo, assim também Cristo, depois de ter se oferecido uma única vez para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, já sem relação com o pecado, àqueles que o esperam para a sua salvação” (Hebreus 9,27-28).

b. O testemunho da Tradição da Igreja

A Igreja Católica sempre rejeitou a crença na reencarnação; isso vem manifestado através do testemunho dos Padres da Igreja e dos demais escritores eclesiásticos da Antiguidade. Com efeito, é possível constatar que Santo Agostinho, São Jerônimo, Santo Ambrósio, São Gregório de Nissa, São Gregório de Nanzianzo, São Basílio, São João Crisóstomo, São Cirilo, São Justino, Santo Ireneu, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, Santo Hipólito e outros doutorres cristãos dos primeiros séculos da Era Cristã rejeitaram exlicitamente em seus escritos a crença na reencarnação.

c. O testemunho do Magistério vivo da Igreja

O Símbolo dos Apóstolos, fórmula sintética da Fé Cristã, contém esta afirmação: “Creio na ressurreição da carne”.

i. Vejamos como se explica este artigo de fé cristã no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, recentemente publicado:

– O que significa a expressão ‘ressurreição da carne’? R. A expressão ‘ressurreição da carne’ significa que o estado definitivo do homem não será apenas a alma espiritual separada do corpo, mas que também nossos corpos mortais um dia voltarão a ter vida.

– Que relação existe entre a ressurreição de Cristo e a nossa? R. Assim como Cristo verdadeiramente ressuscitou dentre os mortos e vive para sempre, assim também Ele ressuscitará todos nós no último dia, com um corpo incorruptível: ‘os que tiverem feito o bem, ressuscitarão para a vida; e os que tiverem feito o mal, para a condenação’ (João 5,29).

– Com a morte, o que ocorre com oo nosso corpo e a nossa alma? R. Com a morte, que é a separação da alma e do corpo, este cai na corrupção, enquanto que a alma, que é imortal, vai ao encontro do juízo de Deus e fica esperando voltar a se unir ao corpo, quando este ressurgir transformado na segunda vinda do Senhor. Compreender como se dará a ressurreição ultrapassa a possibilidade de nossa imaginação e entendimento” (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, nºs 203-205; v.tb. Catecismo da Igreja Católica, nºs 988-1004; 1016-1018).

É evidente que este artigo fundamental do credo cristão é totalmente incompatível com os sistemas religiosos e filosóficos que postulam a reencarnação (Hinduísmo, Budismo, Teosofia etc.).

ii. Ademais, o citado Catecismo, em inegável continuidade com toda a Tradição eclesial, descarta explicitamente a reencarnação:

– “A morte é o fim da peregrinação terresttre do homem, do tempo de graça e misericórdia que Deus lhe oferece para realizar sua vida terrena segundo o desígnio divino e para decidir o seu destino último. Quando houver fim ‘do único curso de nossa vida terrena’ (Concílio Vaticano II, Const. Lumen Gentium, nº 48), já não voltaremos a outras vidas terrenas. ‘Está estabelecido que os homens morram uma única vez’ (Hebreus 9,27). Não há ‘reencarnação’ após a morte” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1013).

d. A reencarnação e os dogmas cristãos

Em geral, a crença na reencarnação supõe o panteísmo, que contradiz absolutamente o monoteísmo bíblico.

Já vimos que o reencarnacionismo contradiz a fé cristã na ressurreição da carne, mas além disso, esse sistema contradiz radicalmente muitos outros dogmas cristãos: o caráter indelével do Batismo, o juízo particular imediatamente após a morte, o Juízo Final no fim dos tempos, a existência do Purgatório, a existência do Inferno etc. Não há [nesse sistema] nenhum lugar para a doutrina cristã sobre a Encarnação, a Redenção, a Graça, a Igreja, os Sacramentos, a Oração etc. O pecado é considerado como um simples erro, não como uma ofensa a Deus. Isso é natural, já que em um sistema panteísta não há seres diversos de Deus que possam ofendê-lo.

Por fim, diremos que a crença na reencarnação está geralmente colocada dentro de um sistema gnóstico. Não se considera a salvação como um dom de Deus que o homem recebe na fé, esperança e caridade, mas como uma auto-redenção ou conquista individual que se alcança através de uma iluminação, ou seja, através do conhecimento de que alguém é o Uno do panteísmo. Esta iluminação conduz à libertação da existência individual e da sucessão de reencarnações.

e. A reencarnação e a moral cristã

A teoria da reencarnação também está em total contradição com os princípios fundamentais da moral cristã. Com efeito, na referida teoria não existe perdão, arrependimento, conversão, nem sequer opções definitivas: toda culpa pode ser expiada nas vidas futuras. Todos têm uma eternidade feliz assegurada, façam o que fizerem; trata-se de uma simples questão de tempo: alguns evoluem mais rápido e outros mais lentamente. Neste esquema, a escolha moral pode ser substituída por um cálculo ou intercâmbio mecânico entre culpa e tempo de purificação.

Todo sofrimento, doença, incapacidade etc. é considerado como um castigo merecido pelas faltas cometidas em vidas passadas. Por outro lado, todo poder, fama, glória mundana etc. é considerado como prêmio merecido pelas boas obras praticadas nas vidas anteriores. Esta ideologia favorece os poderosos e justifica, por exemplo, o sistema racista de castas na Índia.

No reencarnacionismo tampouco existe uma verdadeira preocupação pelo serviço aos demais, nem pela justiça social, já que todas as realidades deste mundo, incluindo os indivíduos humanos, são consideradas como pura aparência ou ilusão. Paradoxalmente, o transfundo panteísta desta forma de pensamento dá lugar a uma espiritualidade totalmente individualista, visto que na verdade os outros não existem enquanto outros. E se existe uma só pessoa, não pode existir verdadeiro amor.

2. ARGUMENTOS FILOSÓFICOS

Consideremos agora, brevemente, a reencarnação a partir do ponto de vista da Filosofia, tentando não repetir temas já mencionados na parte dos Argumentos Teológicos.

a. Em primeiro lugar, objetamos a falta de fundamento racional da lei do Karma, guardiã ou garante da sanção moral no sistema reencarnacionista. O Karma é uma lei em razão da qual se produz infalivelmente a justiça; faz com que cada ato, palavra ou pensamento seja seguido de um efeito adequado e proporcional. Um ato bom é seguido por um efeito bom e um ato mau por um efeito mau. O Karma parece possuir uma inteligência ou sabedoria infinita, apesar do qual seus defensores não lhe reconhecem um caráter pessoal. Em última instância, estes reconhecem que não sabem nada acerca da natureza íntima da inteligência que se encontra no Karma.

b. Em segundo lugar, objetamos o caráter absurdo do sistema reencarnacionista de purificação das almas. A imensa maioria dos seres humanos não recorda absolutamente nada de suas supostas vidas passadas. Ademais, a maioria dos que afirmam recordá-las não fazem referência a mais de uma dessas vidas, que conformam uma série quase interminável. Portanto, se cada reencarnação procura nos purificar das faltas cometidas em vidas anteriores, cabe concluir que somos castigados sem que saibamos realmente quais foram as nossas faltas. E então, como poderemos nos corrigir?

c. Em terceiro lugar, nos deteremos a analisar um ponto que os defensores da reencarnação costumam deixar em ambiguidade: a sucessão de reencarnações é finita ou infinita? E se é infinita, o é só para trás (para o passado), só para frente (para o futuro), ou em ambos os sentidos?

Suponhamos, primeiro, que a sucessão de reencarnações seja finita. Neste caso, torna-se incoerente um dos principais argumentos dos partidários da reencarnação, segundo o qual uma só vida terrena é insuficiente para se alcançar a salvação, visto que um conjunto finito de vidas terrenas seria tão insuficiente para essa finalidade como um só vida.

Suponhamos agora que a sucessão de reencarnações seja infinita para trás. Primeiramente deixamos de lado o questionável e problemático desse conceito. Fixamo-nos, no entanto, na discussão sobre o possível caráter absurdo dessa forma de “infinito atual” e objetamos, ao contrário, o seguinte: como uma pobre alma, que já leva um tempo infinito purificando-se numa interminável série de reencarnações, poderá alcançar a iluminação daqui por diante, num tempo finito? “Já tendo transcorrido” um tempo infinito, já não deveriam ter se purificado todas as almas? E se ainda não conseguira, não caberia esperar que continuem infinitamente presas a este mundo também no futuro?

Por fim, suponhamos que a sucessão de reencarnações seja infinita para frente. Neste caso, a salvação simplesmente não chega nunca e a suposta purificação nunca atinge o seu objetivo, o que manifesta ainda mais o seu caráter absurdo.

d. Por fim, sublinhemos que no reencarnacionismo, tal como no platonismo, o conhecimento é apenas reminiscência. Neste sistema dualista, que supõe a preexistência das almas, não há verdadeira novidade, mas apenas recordações e esquecimentos de verdades conhecidas desde todo o sempre. Não nos deteremos a descobrir as consequências empobrecedoras que esta triste concepção da vida humana acarreta na Antropologia.

3. ARGUMENTOS CIENTÍFICOS

Finalmente, consideraremos a partir do ponto de vista científico a três argumentos que respondem a argumentos favoráveis à crença na reencarnação:

a. As semelhanças físicas entre parentes, um dos quais veio ao mundo após a morte do outro, se explicam hoje pelas leis da genética. Por isso, esta “prova” da reencarnação caiu em desuso.

b. A impressão de “déjà vu” deve-se ao fato de que a pessoa realmente viu anteriormente a mesma coisa ou algo parecido, ou deve-se a um fenômeno psicopatológico chamado “paramnésia”.

c. Nem o homem que dorme, nem o sujeito em estado de hipnose, nem a criança podem nos inspirar confiança quando dão testemunho de supostas vidas passadas. Os três “sonham” cada um à sua maneira. Tampouco são convincentes os testemunhos dos iniciados: ou pertencem à mitologia, ou estão relacionados com psicopatologias sérias (Madame Blavatsky, Annie Besant, Alexandre Dumas Filho). Ademais, pode-se comprovar nesses testemunhos uma forte tendência a megalomania: muitas vezes essas pessoas afirmam ser a reencarnação de grandes personagens da História. Daniel Dunglas Home encontrou, em sua época, 12 pessoas diferentes que afirmavam ser Maria Antonieta reencarnada, 6 que afirmavam ser Maria Stuart e cerca de 20 que diziam ser Alexandre Magno ou Júlio César etc.

  • Fonte: Revista Fe y Razón nº 1, março/2006
    Tradução: Carlos Martins Nabeto

 

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