Confúcio dizia que para tirar uma nação do mau caminho a prioridade deve ser o que ele chamava de retificação dos nomes: é preciso prestar atenção em como chamamos as coisas, para que não as tomemos por outras.
Podemos ver, no campo do trabalho humano, como a nossa bela língua precisa ter os nomes retificados o quanto antes.
Só para começar, está cheio de gente procurando um emprego. Ora, emprego é uso; ferramentas são empregadas por alguém um ser humano, ao contrário delas para fazer algo. Ao chamarmos de emprego o trabalho, já nos habituamos a ver o trabalhador como uma mera ferramenta, como alguém que tem utilidade, mas não personalidade, prazer no que faz ou nem sequer responsabilidade.
As relações monetárias com o trabalhador, dentro de uma firma, são geralmente da alçada do departamento de recursos humanos. Sim, recursos, como os recursos hídricos ou minerais: algo que se usa até gastar, que se exaure, algo arrancado da terra e tratado como objeto industrial.
A contratação de um trabalhador é uma admissão da mesma origem etimológica de míssil, algo que é atirado. O trabalhador é atirado ao trabalho, mais uma vez como objeto. Sendo demitido palavra da mesma origem , ele é atirado fora do trabalho.
O pagamento que recebe é um mero salário, ou ração de sal. O mesmo sal que não se aceita quando se pede um quilo de alimento como ingresso para algo: uma coisa que não é nutritiva, que não cumpre o dever moral do empregador de possibilitar uma vida digna para seu empregado. Uma coisa que serve para dar apenas um gostinho a mais àquilo que se come, sem ser por si só um alimento.
As relações entre o empregador e o trabalhador são regidas pela legislação do trabalho, que aponta direitos. Direito é o que é reto, sem curvas, como se todos os trabalhadores e todos os empregadores fossem iguais; como se o trabalho fosse não a obra das mãos e da cabeça de uma pessoa única fazendo um determinado serviço de sua maneira pessoal, com seus talentos individuais, mas o uso (o emprego) de um objeto inanimado (de um recurso).
Os nomes que usamos são todos, afinal, maneiras de tornar o trabalhador um objeto impessoal, negando-lhe a humanidade ao fingir que ele é uma peça intercambiável com qualquer outra. Para alguns empregos, pede-se um diploma (etimologicamente, um papel dobrado, um salvo-conduto). Para outros, mera experiência (tentativa, em latim). Em todos, contudo, é negada a humanidade do trabalhador.
Retifiquemos os nomes, pois.
- Fonte: Jornal Gazeta do Povo, de 20.03.2014