Meditações sobre a Saudação à Santíssima Virgem. A reza do Angelus e nosso compromisso com Deus
Dr. Rafael Vitola Brodbeck
Este pequeno estudo é dedicado a nosso Padre Fundador,
o reverendo sacerdote mexicano Marcial Maciel, LC,
Diretor-Geral dos Legionários de Cristo
e do Movimento Regnum Christi,
que sempre inspirou seus filhos espirituais a elevarem
suas mentes e seus corações à Santíssima Virgem
para melhor fazer a vontade do Pai,
tomando-a como o mais perfeito exemplo
do seguimento de Cristo.
Proêmio
Tradicionalíssima oração é a Saudação à Santíssima Virgem, que, na maior parte do ano litúrgico, traduz-se pela recitação de frases relacionadas com o evento da Encarnação do Filho de Deus, no que chamamos ordinariamente o Angelus. Do latim, significando “anjo”, esse termo designa São Gabriel, o ser espiritual mandado por Deus à residência de Nossa Senhora para anunciar-lhe a maravilhosa notícia de que seria Mãe do Redentor.
Composto de três diálogos – estes, por sua vez, com um versículo e seu responso, conforme iremos logo observar -, retirados todos das páginas da Sagrada Escritura, e seguidos cada um da reza da Ave Maria, uma invocação à Santíssima Virgem, rogando-lhe sua proteção e intercessão, uma oração final, e o Glória repetido três vezes, o Angelus foi, outrora, um costume bastante arraigado entre os simples fiéis, que o utilizavam como prece habitual, incorporada a seu método de espiritualidade diário. Segundo a tradição, é rezado durante todo o ano, exceto no Tempo Pascal – em que se utiliza o Regina Coeli -, por volta do meio-dia e também às seis horas da tarde.
Essa oração, que pertence, como vemos, à devoção popular, carrega em si, contudo, uma profunda teologia e um convite à santificação pessoal e ao empenho apostólico de todos que a rezam. Não se trata de mera repetição de expressões piedosas, de método cego de pôr-se em contato com Deus e a Virgem, senão de uma sentida e grave reflexão de como Nossa Senhora soube, corajosamente, responder aos apelos divinos com a disposição de sua vontade, restando a realização eficaz do plano do Criador entre nós. E assim, meditando sobre esse episódio em que Maria Santíssima dá sua anuência à voz de Deus transmitida pelo arcanjo, somos impelidos proceder de semelhante maneira por força da mesma graça pela qual Nossa Senhora foi preservada de todo pecado no exato momento de sua concepção por São Joaquim e Sant’Ana.
No decorrer destes humildes comentários iremos refletir sobre cada elemento de tão pia, doce, embora comprometedora e vigorosa oração. Tiraremos, outrossim, dados para nos fortalecer os votos feitos no Batismo, mormente os santos deveres de santidade e apostolado.
Para isso, transcreveremos a seguir o texto do Angelus, no intuito de familiarizarmo-nos com as belas linhas que o compõe:
V:/ O anjo do Senhor anunciou a Maria.
R:/ E ela concebeu do Espírito Santo.
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.
V:/ Eis aqui a escrava do Senhor.
R:/ Faça-se em mim conforme a vossa palavra.
Ave Maria…
V:/ E o Verbo Se fez carne.
R:/ E habitou entre nós.
Ave Maria…
V:/ Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R:/ Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
Oremos:
Derramai, ó Deus, a Vossa graça em nossos corações, para que, conhecendo pela mensagem do anjo, o mistério da Encarnação do Vosso Filho, cheguemos, por Sua Paixão e Cruz, à glória da Ressurreição. Pelo mesmo Cristo, Senhor nosso. Amém.
Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre. Amém. (3x)
Também os membros do Movimento Regnum Christi, sejam legionários sejam incorporados às seções de leigos ou de clérigos diocesanos, têm a oração do Angelus como prescrição dentre seus compromissos espirituais. Não se trata, porém, de uma tradição específica do Movimento, senão de uma prece pertencente ao patrimônio comum do cristianismo, cuja promoção é importantíssima para todos, ainda mais nestes tempos de tanta apostasia e infidelidade à Santa Igreja, à Sagrada Tradição e ao Romano Pontífice. Possa Nossa Senhora, a Mãe de Deus, favorecer-nos sempre com as copiosas graças que consegue por sua intercessão, a fim de revigorar a espiritualidade e o espírito apostólico de todos os cristãos.
A Anunciação do anjo a Maria
Pelo pecado do homem, quis Deus mostrar-Se misericordioso enviando Seu Filho para morrer em nosso lugar, saldando as dívidas que tínhamos para com o Criador mediante o derramamento de Seu Preciosíssimo Sangue na Cruz do Calvário. Dessa maneira, o Verbo de Deus tornou-Se homem, igual a nós em tudo, exceto no pecado, com o qual não Se manchou.
Sem deixar Sua divindade, o Verbo assumiu nossa humanidade, unindo as duas naturezas, conforme ensinam os sacrossantos Concílios Ecumênicos de Éfeso e Calcedônia, em Sua única e divina Pessoa, nascida “do Pai antes de todos os séculos” (Símbolo Niceno-constantinopolitano), i.e., gerado desde sempre, eternamente existindo. Deus tornou-Se homem, como ensinam muitos santos e doutos mestres, para que os homens nos tornássemos semelhantes a Deus. “Pelo mistério da encarnação, Jesus conduziu à luz da fé a humanidade que caminhava nas trevas. E elevou à dignidade de filhos e filhas os escravos do pecado, fazendo-os renascer das águas do Batismo.” (Missal Romano; Prefácio do IV Domingo da Quaresma)
Com o fim de nos salvar, tomou nossa humanidade, em corpo e alma, vivendo como nós. Nasceu, portanto, também como nós, de uma mãe, Maria, ainda que também esse acontecimento, à semelhança de todos os que se seguiriam, fosse eivado de características excepcionais, como a apontar profeticamente que o filho da Virgem era, de fato, o Messias ansiado por Israel, o Salvador de toda a humanidade, o Cordeiro de Deus que iria tirar o pecado do mundo.
“Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele.” (Jo 3,16-17)
Para realizar esse plano de salvação, Deus escolheu uma Virgem, israelita devota. Sabia o Senhor que ela responderia “sim” à Sua soberana vontade, e, desse modo, a elegeu e predestinou, e, por causa e em função de sua missão, a preservou de todo o pecado desde sua concepção. A essa Bem-aventurada Virgem, Maria Santíssima, foi enviado São Gabriel Arcanjo, mensageiro do Criador, portador da boa notícia de que o Filho de Deus, que deveria Encarnar-Se para o perdão dos pecados da humanidade, reconciliando o céu e a terra, unidos, enfim, por Sua Cruz, seria concebido, pelo Espírito Santo, em seu ventre imaculado, e dela nasceria.
Essa a razão da embaixada do anjo: saudar Nossa Senhora como eleita de Deus para ser a Mãe de Seu Filho.
“No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.’ Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação. O anjo disse-lhe: ‘Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.’ Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem?’ Respondeu-lhe o anjo: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus.'” (Lc 1,26-35)
O Filho de Deus será, por desígnio do mesmo Deus, também filho de Nossa Senhora. Por Sua natureza divina, Jesus Cristo, “gerado, não criado” (Símbolo Niceno-constantinopolitano), é Filho de Deus; por Sua natureza humana, filho de Maria, eis que dela foi concebido, por obra do Espírito Santo. “Confessamos, por conseguinte, a Nosso Senhor Jesus Cristo Filho de Deus unigênito, Deus perfeito e homem perfeito, com alma racional e corpo, antes dos séculos engendrado do Pai segundo a divindade, e o mesmo nos últimos dias, por nós e por nossa salvação nascido da Virgem Maria segundo a humanidade, o mesmo consubstancial com o Pai quanto à divindade e consubstancial conosco segundo a humanidade.” (Sua Santidade, o Papa São Sixto III. Fórmula de União entre São Cirilo de Alexandria e a Igreja de Antioquia, em 433, trad. da versão grega)
É essa visita de São Gabriel à Santíssima Virgem que contemplamos no primeiro diálogo: “V:/ O anjo do Senhor anunciou a Maria. R:/ E ela concebeu do Espírito Santo.” Deus tinha um plano para a humanidade e precisava do consórcio de Nossa Senhora. Mais do que isso, tinha um plano para Maria mesmo. E por isso, lhe revela Sua vontade, esperando que ela responda positivamente – em verdade, como sabemos, Deus já sabia, de antemão, que ela lhe responderia dessa maneira, o que não anula a liberdade da Virgem, antes pelo contrário a confirma, eis que a escolhe justamente pela presciência de sua livre entrega ao plano divino. Também a nós, Deus manifesta, a cada instante, Sua vontade – para nós mesmos, e para a humanidade toda através de nós -, aguardando que manifestemo-nos com o “sim” de Maria.
“Hoje é o início de nossa salvação, a manifestação do mistério eterno! O Filho de Deus tornou-se Filho da Virgem, e Gabriel anuncia a graça! Com ele, aclamemos, portanto, à Mãe de Deus: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo!” (Liturgia Bizantina; Tropário para a Festa da Anunciação da Santíssima Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria)
A saudação angélica
A partir da saudação que o anjo fez à Santíssima Virgem – “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.” (Lc 1,28) -, o povo cristão, devoto à sua Mãe, compôs uma oração, hoje conhecida universalmente, ainda que popular o seja apenas na Igreja Latina – muito embora isso, a Igreja Oriental tem sua equivalente, que é ligeiramente diversa de nossa Ave Maria. Também a expressão de Santa Isabel, ao receber a visita de Nossa Senhora, uniu-se àquela angélica saudação, e, com um pedido final para que a Mãezinha do céu rogasse por nós, sobretudo nos momentos mais aflitivos – dos quais o exemplo mais claro é a morte, citada no texto da prece -, estava pronta a oração.
É com essa tradicional saudação, a mesma feita por São Gabriel Arcanjo, que o cristão demonstra seu amor a Maria em sua vida ordinária. Ao levantar, invoca a proteção da Virgem, e ao dormir encomenda-se à sua intercessão. Também durante o dia, ao desfiar as contas do rosário, repete, inúmeras vezes, a Ave Maria, como a dizer à Beatíssima Mãe o quanto é grande o seu amor por ela.
Também na oração do Angelus tem seu lugar a saudação angélica da Ave Maria. Entre os versículos e seus responsos, recita-se a prece, reconhecendo que, se a Nossa Senhora Deus manifestou Sua vontade, irá agir de maneira semelhante a nós. Por outro lado, com as palavras da referida oração, pede-se que a Virgem, que aceitou em sua vida o desígnio divino, ajude-nos, com as setas poderosas e certeiras de sua intercessão, miradas no Coração de Deus, a imitar seu santo exemplo. A Deus que nos revela Sua vontade, digamos também nosso “sim”.
Ao recitar as primeiras expressões da Ave Maria, o fiel reconhece a dignidade da Bem-aventurada Virgem, como cheia de graça, como a que tem consigo o Senhor, como a que é bendita entre as mulheres, e que porta em seu ventre um fruto bendito, o Filho de Deus. Depois, implora-se àquela que é saudada, pelas próprias palavras da oração, como Santa Maria, Mãe de Deus, que rogue por nós – os quais, ao rezar, admitimo-nos pecadores carentes da graça divina -, agora e na hora de nossa morte. “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.” Pois é agora que devemos fazer a vontade de Deus; a cada instante, devemos responder ao que Deus espera de nós; sempre precisamos nos santificar e realizar apostolado – que é, em suma, o que o Criador pede que façamos, em virtude de nossa consagração batismal. E também na morte, precisamos fazer a vontade divina, porque de nada adianta uma vida santa sem a perseverança final, ocasião em que informaremos nossa continuação na graça de Deus ou a queda no pecado do qual fomos salvos pelo Sangue de Cristo.
Quando alguém passa por uma experiência, torna-se mais autorizado para instruir os outros a como reagir àquela ou a semelhantes. Nada mais apropriado, concluímos, do que suplicar à Mãe de Deus que nos ensine a fazer a vontade do Senhor, e reze por nós para que procedamos sempre da mesma forma que ela ao apelo celeste. É o que fazemos na Ave Maria, repetindo as palavras do mesmo anjo que lhe revelou a soberana vontade divina.