AFONSO DE ALBUQUERQUE, GENIAL MILITAR E ESTADISTA

Uma das maiores glórias de Portugal, após heróicos e estratégicos feitos em prol do Reino, o exímio conquistador morreu de mal com os homens, mas de bem com Deus


A epopéia portuguesa no Oriente nunca foi igualada. Com muito menos gente, contra um conjunto de potências armadas quase em igualdade de condições, os lusos venceram e conquistaram poderosos reinos como os de Ormuz, Goa e Málaca. Nessa epopéia, um homem ocupa a primazia como verdadeiro gigante: Afonso de Albuquerque, um dos maiores gênios militares e administrativos, cujas façanhas tornaram-se lendárias em todo o mundo de então.

Conta São Leonardo do Porto-Maurício, em seu livro As excelências da Santa Missa, este belo fato sucedido com Afonso de Albuquerque: ?Achando-se com sua frota em perigo de naufragar numa horrível tempestade, teve uma inspiração: tomou aos braços uma criança que viajava em sua nau e, elevando-a ao céu, exclamou: ?Se todos somos pecadores, esta criaturinha é certamente sem mácula. Ah! Senhor, por amor deste inocente, compadecei-vos dos culpados! A vista dessa criança inocente agradou tanto a Deus, que Ele acalmou o mar e devolveu a alegria àqueles infelizes, gelados já pelo terror da morte certa?.(1)

Bondoso, esmoler, espírito justiceiro

Afonso de Albuquerque, visto por seus contemporâneos, era um ?homem de média estatura, rosto comprido e corado, nariz um pouco grande?,(2) ?muito airoso e bem apessoado, expressão sentenciosa?.(3) ?Trazia sempre a barba mui comprida, […] e como era alva, dava-lhe grande veneração?.(4) Dotado de ?um inquebrantável espírito de justiça?,(5) era ainda, sempre segundo seus contemporâneos, bondoso, muito esmoler, piedoso para com os pobres e muito paciente para suportar os sofrimentos que constantemente o assaltavam, devido à inveja e incompreensão dos homens. Sofreu especialmente da parte de D. Manuel, rei de Portugal, que não se mostrou à altura do homem superior que governava.

?Inteiramente honesto, dedicado ao Rei e ao seu país, Albuquerque andou na Índia escravizado aos planos grandiosos que levara, sem jamais transigir um instante com a vida doce que todos apeteciam. Dele se pode dizer que foi, no seu tempo, o único capitão da Índia a quem os fumos da pimenta não toldaram o entendimento?.(6)

?Em seus seis anos de governo, sempre manietado pela falta de homens, de navios, de dinheiro, bem como pela estreiteza de vistas e pelas suspeitas do rei, Albuquerque fez sentir a sua influência desde a Arábia até a China; apossou-se das chaves do Oceano Índico. A Pérsia, o Sião e a Abissínia solicitavam a sua amizade, ao mesmo tempo em que uma dúzia de reizetes indianos, inquietos, se informavam dos seus desejos, por meio de embaixadas respeitosas?.(7)

Aprendizado na África durante a juventude

Afonso de Albuquerque foi o terceiro filho de Gonçalo de Albuquerque, conselheiro do rei D. Afonso V, e de Da. Leonor de Meneses, filha do primeiro Conde de Atouguia. Não se tem notícia exatamente onde e quando nasceu, mas calcula-se que tenha sido entre os meses de abril de 1461 e o de 1462.

Nada se sabe também de sua infância, mas, pela cultura que depois demonstrou, sobretudo em suas famosas cartas e ordenações, vê-se que aprendeu o latim e estudou os clássicos.

Albuquerque aparece pela primeira vez ao lado de D. João II, em 1476, na batalha de Toro, contra os castelhanos; depois, em Arzila, na África. Em 1480, D. Afonso V enviou-o em socorro do Rei de Nápoles contra os turcos, e no ano seguinte vemo-lo na guarda pessoal de D. João II. E, finalmente, na de D. Manuel.

Pela experiência que demonstrará mais tarde, tanto na arte da navegação quanto na militar, deduz-se que ele passou parte da mocidade na África.

Assombrosa carreira, grandes missões

Albuquerque entrou verdadeiramente para a História já bem maduro, em 1506, comandando uma frota incorporada à de seu primo Tristão da Cunha. Já estivera na Índia com outro primo, Francisco de Albuquerque, na armada de 1503, mas nada de mais notável dele então chegou ao nosso conhecimento. Agora sua missão era a de vigiar a boca do Mar Vermelho, para impedir que dali saísse algum inimigo para molestar as conquistas portuguesas na Índia.

Ao separar-se de Tristão da Cunha, depois de dominarem Socotorá e outras cidades menores, começou a estupenda carreira de Afonso de Albuquerque, que contava nessa época apenas com seis barcos e 460 homens, dos quais uma parte enferma, e escassos mantimentos para 15 dias. Com ousadia e determinação, infundindo sua têmpera nos subordinados, em ações fulminantes conquistou várias cidades das costas da África e Ásia, inclusive a opulenta Ormuz, na entrada do Mar Vermelho, por onde passava todo o comércio do Oriente. Não foi desprezível tal conquista, pois Ormuz estava guarnecida com mais de 30 mil homens de combate, dos quais 4 mil eram frecheiros persas, com fama em todo o Oriente. Na baía havia mais de 400 barcos, dos quais 60 eram poderosas naus bem apetrechadas, e havia espalhadas ao longo do porto mais 80 peças de artilharia para a defesa da terra firme. Como um ciclone, Albuquerque e seu pequeno número de portugueses desbaratou os navios e apossou-se da ilha, começando a edificar uma fortaleza. Mas a deserção de três de seus capitães com suas naus fez com que ele tivesse que adiar a consolidação daquela conquista para outra ocasião. O que de fato realizou anos depois.

Goa e Málaca, fortemente guarnecidas, sujeitas aos lusos

Mais espetacular ainda foi a conquista do que se tornaria o mais sólido bastião de Portugal no Oriente, Goa, a Dourada. No início de 1510, saíra Albuquerque de Cochim para dirigir-se ao Mar Vermelho, quando foi informado por um pirata indiano, Timoja, das condições excelentes para apoderar-se de Goa, rico entreposto comercial, cuja população hindu sofria com a opressão dos governantes mouros.

Depois de tomar sem grande esforço a fortaleza de Pangim, Albuquerque entrou na cidade praticamente sem dar um tiro. Às suas portas, pôs-se de ?joelhos, e, chorando muitas lágrimas, deu graças a Nosso Senhor por aquela mercê que lhe fizera, em lhe dar uma cidade tamanha, e tão poderosa, sem trabalho nem morte de ninguém?.(8)

Mas o empreendimento não seria tão simples assim. Dois meses depois precisou abandoná-la, após heróica luta contra os exércitos de Hidalcão, soberano destronado, que voltou para resgatar sua cidade com 60 mil turcos, mouros e indianos, 5 mil a cavalo. Mas Albuquerque reapareceu no mês de novembro seguinte com 20 velas, no dia 25, festa de Santa Catarina, a quem atribuiu depois a vitória. Entrou novamente na cidade, apesar de fortemente defendida, e após renhida luta esta voltou ao domínio dos portugueses, tornando-se, durante cinco séculos, uma das maiores glórias lusas no ultramar.

Em Málaca, o mais rico centro comercial do Oriente, o gênio de Albuquerque e o heroísmo de seus comandados não foi menor. Cidade imensa, defendida por 30 mil homens, muita artilharia e elefantes adestrados na guerra, foi atacada por apenas mil e quatrocentos portugueses. A luta durou 15 dias, até que finalmente esse punhado de heróis conquistou a localidade.

Administrador e homem de grande visão

Albuquerque queria que suas conquistas fossem duradouras. Por isso, previa o futuro. Tanto em Goa quanto em Málaca, empreendeu uma obra administrativa admirável, sábia e eficiente, tornando-se verdadeiro pai para a população nativa, a quem defendia com a mais estrita justiça. Quis que cada grupo étnico fosse governado por um dos seus; que observassem seus costumes, desde que não fossem imorais; reduziu os exorbitantes impostos instituídos pelos mouros e cunhou moeda para facilitar o comércio.

Em Goa, foi mais longe. Sabendo que deveria ser a capital de todas as possessões portuguesas no Oriente, estimulou seus comandados que tinham algum oficio a estabelecer-se na terra, casando-se com mulheres brâmanes e mouras brancas cativas. Dava um dote ao casal, terreno, gado e toda a facilidade para começarem novo lar. Obteve assim que 450 portugueses se fixassem em Goa, iniciando essa política inter-racial que foi sempre muito benéfica para Portugal. Havia ainda a vantagem de que, por meio desses casamentos, ia-se propagando a fé de Cristo, pois implicava a conversão das noivas à Religião católica.

O plano de Albuquerque, que coincidia com o do rei, era atacar o Egito pelo Mediterrâneo e por Suez. Depois, ir por terra libertar a Palestina. Mas a falta de apoio dos monarcas cristãos fez gorar o plano. Entretanto, Afonso de Albuquerque chegou a penetrar no Mar Vermelho e a fazer planos para tomar Meca com ?todos os tesouros que havia nela, que eram muitos, e o corpo do seu mau profeta, para com ele se resgatar a Casa Santa de Jerusalém?.(9) A morte impediu-o de executar esse ousado plano.

Herói vitorioso, mas incompreendido

Havia na administração da Índia funcionários que estavam diretamente ligados ao rei, e que por isso não tinham que prestar contas ao governador. Tinham eles constantes rixas com Albuquerque, que desejava que as coisas fossem retamente ordenadas. Em vista de tais rixas, seus desafetos enviavam constantemente cartas ao rei, criticando o grande general. Infelizmente, o monarca acabou dando ouvido a esses descontentes. Enviou então um substituto para Albuquerque, que era seu pior inimigo. E com ele vieram dois capitães que Albuquerque havia remetido ao reino, presos por insubordinação.

Esse fato ocorreu já no fim de 1515, quando Albuquerque se encontrava muito doente. Tal golpe tirou-lhe toda a vontade de viver. Pediu que o levassem para a barra de Goa, para ver mais uma vez a cidade amada, e exclamou: ?Mal com os homens por amor de El-Rei, e mal com El-Rei por amor aos homens! Bom é acabar! Acolhamo-nos à Igreja?.(10) Abraçado ao Crucifixo e rezando o salmo Miserere mei, esse gigante entregou sua alma a Deus na madrugada do domingo, 16 de dezembro de 1515.

Quando seu cadáver desembarcou em Goa, sob o pranto geral da população, os gentios exclamavam ?que não podia ser morto, senão porque Deus tinha necessidade dele para alguma guerra, que o mandava ir?.(11)

E-mail do autor : [email protected]

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Notas:

1. As Excelências da Santa Missa, Editora Vozes, Petrópolis, 1952, p. 26.

2. Gaspar de Albuquerque, Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, Coimbra, 1923, Parte I, p. 7, in Costa Brochado, Afonso de Albuquerque, Portugalia Editora, Lisboa, 1943, p. 263.

3. Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia, Livro 3o, cap. 55, in Costa Brochado, op. cit., p. 263.

4. João de Barros, Décadas da Ásia, Lisboa, 1628, Década II, folha 238, in Costa Brochado, op. cit., p. 263.

5. Costa Brochado, op. cit., p. 265.

6. Id., p. 266.

7. Elaine Sanceau, O Sonho da Índia ? Afonso de Albuquerque, Livraria Civilização, Porto, Introdução.

8. Brás de Albuquerque, Comentários …, Parte II, cap. 20, in Costa Brochado, op. cit., p. 325.

9. Idem, II, parte IV, cap. 7, in Brochado, op. cit., p. 447.

10. Gaspar Correia, Lendas da Índia, vol. II, parte I, cap. 53, in Brochado, p. 470.

11. Brás de Albuquerque, Comentários, II, parte IV, cap. 46. in Brochado, op. cit., p. 475.

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