Algumas considerações sobre os atuais debates perenialistas

[Leitor autorizou a publicação de seu nome no site] Nome do leitor: Alex A. Borges
Cidade/UF: Patos de Minas – MG
Religião: Católica

Mensagem
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A PAZ DE CRISTO aos irmãos do VS!
Seria possível comentarem o artigo de Olavo de Carvalho, Influências discretas ( Jornal do Brasil, 08-05-08), visto tocar em pontos nevrálgicos?
Tais:
– a descristianização radical da Europa
– a islmanização da Europa
– a consideração do Concílio Vaticano II como um fiasco
Pediria também que explicassem o que é o esoterismo islâmico de que fala Olavo de Carvalho.
Pediria ainda que tratassem da influência esotêrica islâmica que Frithjof Schuon teria exercido no cisma do cardeal Lefèvre.
Fraternalmente, em Cristo, Alex.

Caro Alex,

PAX DOMINI

Olavo de Carvalho, ilustre pensador brasileiro, abordou no seu artigo de 8 de maio de 2008, no Jornal do Brasil, a influência de Schuon e Guénon no que ele considera o projeto de islamização da Europa.

Primeiramente, é muito relevante conhecer ambas as figuras. René Guénon (ou Sheikh Abdul-Wahid Yahya, depois de sua conversão ao islamismo), que sem dúvida é o mais destacado na filosofia perene, nasceu em Blois, na França, e faleceu no Cairo. Frithjof Schuon, nasceu na Basiléia, Suíça, numa família católica, inclusive seu irmão se tornou monge da Trapa. Faleceu em Bloomington, como muçulmano, não mais se chamando Schuon, mas Sheikh Issa Nureddi.

Ambos trataram da Unicidade metafísica das religiões tradicionais, mas foi Schuon que se tornou mais famoso com a “Unidade Transcendental das Religiões” (nome de uma de suas obras). De forma sucinta, o perenialismo ensina que a Verdade metafísica, perene e universal, é exposta de diversas maneiras pelas religiões tradicionais, todas tendendo para um ponto comum. Hoje, muitas vezes, o perenialismo serve como porta de entrada para o relativismo (mesmo Guénon tendo sido um árduo opositor do relativismo moderno), não obstante, passado pelo crivo da ortodoxia cristã, guiada pelo Magistério, expurgando os erros contidos, que não são poucos, pode ser deveras proveitoso para a compreensão da Tradição religiosa-espiritual.

Um dos pontos relevantes no pensamento perenialista é a definição sobre o exoterismo e esoterismo. O primeiro, para Guénon, é tudo que dilata e se espalha. A moral, rito, dogma, os “pequenos mistérios“, são as bases do exoterismo, logo, ele trata do indivíduo e sua salvação. Já o esoterismo é tudo que se eleva e aprofunda, não é nada mais que o aspecto mais íntimo da Tradição, que não obstante, se reduz a pequenos grupos de iniciados, que por sua vez se diferem em graus de conhecimento. Tudo isso é a conseqüência da dificuldade de compreensão dos mistérios. O esoterismo, como um um mergulhar-se no saber Tradicional, é a sublimação das capacidades individuais. Indo além das particularidades pessoais, mas entrando no profundo dos mistérios, no profundo das coisas. Em suma, esoterismo é contemplação, exoterismo ação. De imediato, essa definição em nada influi diretamente na concepção guenoniana sobre a cristandade ocidental, todavia, para Guénon, o cristianismo perdera seu caráter esotérico, ou no mínimo o reduzira. Para o metafísico francês o exoterismo é pleno como meio de salvação, mas é através do esoterismo, restrito a alguns, que o estado suprainvidiual é conquistado, livre de toda forma individual de manifestação e dualidade. [1] Com essa premissa, a extinção, ou esquecimento do esoterismo cristão, propiciara a crise espiritual no Ocidente, já que causa a eliminação da própria liberação. [2] Vale frisar que para Guénon o protestantismo é a total negação da Tradição.

Essa compreensão sobre o esoterismo não é tão fixa quanto se pensa, o próprio cristianismo não se encaixa, afinal, para Guénon, os sacramentos perderam seu caráter esotérico iniciático, mas como foi exposto por Borella, os sacramentos se mantiveram espiritualmente os mesmos com o advir das eras, desde Cristo até os tempos modernos. Ademais, o islamismo, para eles, é a religião que mais acomoda essa tese, pois nele existe de forma nítida e clara uma divisão entre o conteúdo exotérico, comum a todos os crentes, e outros, esotéricos, restritos a grupos iniciados. De acordo com Ali Ibn Abi Táleb, primo de Maomé, casado com sua filha Fátima, primeiro Imam do xiismo, e um dos herdeiros dos ensinamentos esotéricos de Muhammad “não há no Corão versículo que não tenha quatro sentidos: o exotérico (zâhir), o esotérico (bâtin), o limite (hadd), o projeto divino (mottala’). O exotérico é para recitação oral; o esotérico é para a compreensão interior; o limite são os enunciados que estatuem o lícito e o ilícito; o projeto divino é o que Deus se propõe realizar no homem por meio de cada versículo”.Como se percebe, a compreensão islâmica engloba de maneira nítida a distinção exotérica X esotérica e, justamente, é essa visão clara, tão cara para Guénon, que torna o islamismo uma religião sedutora para todos que estudam o perenialismo.

Qual seria então a relação entre a islamização, exposta por Olavo de Carvalho, e a “descristianização” da Europa? De acordo com as teorias perenialistas, o cristianismo ocidental entrara numa fase de triunfo do exoterismo, com a perda de toda a busca espiritual individual. O desconhecimento do esoterismo transformara a Igreja numa instituição legalista, reduzida a questões morais. A própria liturgia, o dogma, pontos exotéricos, mas meios esotéricos, teriam dispersado seu caráter místico-espiritual, restringindo-se a sentimentalismo. Com essa crise, a civilização cristã ocidental iniciara uma era de deteriorização, uma época desfocada e totalmente desnorteada, uma época sem santos. E o Vaticano II, para eles, seria a prova inconteste do reducionismo da Igreja, se fixando numa preocupação pastoral sem nenhuma dimensão espiritual.

Como já foi sobredito, o islamismo, para os perenialistas, ainda retém de forma clara esse legado espiritual vivo e ardente, que por sua vez tornaria a religião de Maomé a crença mais capacitada para restaurar a espiritualidade e o esoterismo no Ocidente. Nesse tocante, muitos pontos se divergem no entendimento do legado de Guénon. O filósofo falava do restabelecimento da cristandade ocidental, mas alguns acreditam que isso era apenas a fachada do seu projeto islamizador.

Nesse ponto é importante uma breve explicação sobre a tariqa de Schuon, fundada em Lausanne. A tariqa de Sheikh Issa englobava religiosos de diversas crenças, “agentes islamizadores”. A discussão se inicia em torna da ortodoxia e heterodoxia desta. Dentro do islamismo tradicional, uma permissividade tal, que ratificasse crentes e descrentes, partindo da premissa das divergências religiosas, e irrelevando as Verdades metafísicas, é um absurdo. A discussão se prolonga quando se trata da concordância de Guénon com Schuon e sua tariqa. Não obstante, tudo leva a crer que o filósofo francês alimentava suas esperanças no estabelecimento da loja maçônica “A Grande Tríade”, de Rito Escocês Antigo, voltada para criar a elite intelectual do Ocidente, mesmo fim da tariqa de Schuon, mas que tinha como meio a islamização dessa casta.

Olavo de Carvalho, a respeito disso, diz que “A assimilação é um processo complexo, que exige, como condição fundamental, que as forças espirituais restantes no Ocidente não sejam destruídas, mas “assimiladas”, isto é, colocadas sutilmente sob a direção da elite “oriental”. A relação entre as Tariqas e seus simpatizantes e colaboradores não-islâmicos é exatamente essa. Eles conservam exteriormente a lealdade à sua igreja cristã de origem, ao mesmo tempo que, espiritualmente, se submetem à orientação de um sheikh islâmico em todas as questões espirituais substantivas e colaboram com a estratégia geral do sheikh sem jamais questiona-la, precisamente porque sentem que ela preserva a pureza do seu compromisso religioso pessoal. (…) qualquer discípulo católico de Guénon ou Schuon é infinitamente mais leal a eles do que ao Papa. A atuação de Rama Coomaraswammy ilustra isso da maneira mais patente” [3]

Em contrapartida, o Instituto René Guénon de Estudos Tradicionais, em esclarecimento, diz que “jamais reconheceu em Schuon (falecido em 1998 ) uma legítima autoridade espiritual”, e que “Sequer merecem comentários , a nosso ver, as propaladas “adaptações”, confortáveis e circunstanciais, dos ritos islâmicos e os ditos “sincretismos” (há testemunhos de danças representando o “estado edênico” com todos os participantes nus) envolvendo diferentes formas tradicionais, que teriam sido, segundo relatos em livros e na própria Internet, levados a cabo por Schuon e seu grupo de seguidores.” Ao tratar de um missionário schuoniano que receberam em sua casa, relatou que ele disse “amavelmente que Guénon “já havia cumprido seu papel” , isto é, desbravado a “trilha inicial com imperfeições e alguns buracos” que , “felizmente, já há décadas, havia se transformado, sob a liderança de Schuon, numa ampla estrada”.” [4]

Como se percebe pela posição do IRGET (Instituto René Guénon de Estudos Tradicionais), Schuon, para eles, não pode ser colocado como um digno sucessor e real herdeiro de Guénon, e os erros cometidos pela sua tariqa não podem “cair na conta” de Sheikh Abdul-Wahid Yahya. [5] Quanto a Rama Coomaraswamy, amigo de Lefebvre e professor dos Bispos sagrados ilicitamente, que o Olavo diz ser um agente islamizador infiltrado, existem diversas opiniões contrárias ao explanado pelo pensador brasileiro. Eu, pessoalmente, não teria nenhum motivo para defender Rama, pois me oponho severamente a ele nos seus posicionamentos sobre a Igreja (se trata de um sedevacantista). Não obstante, muitos testemunhos atestam a real veracidade da fidelidade de Rama à Igreja (o que já seria discutível pelo seu sedevacantismo), sem o caráter islamizador exposto por Olavo. Vale frisar que Rama Coomaraswamy, convertido vindo do hinduísmo [6], próximo ao fim da vida foi ordenado Sacerdote por Lopez-Gaston, da sucessão de Ngô Thuc. O que o Olavo coloca em discussão é o projeto islamizador, até que ponto ele tem origem direta e integral em Guénon, e não é apenas uma desvirtuação do seu legado. O metafísico, como já foi dito acima, via com mais esperança a loja maçônica “A Grande Tríade” do que a tariqa de Schuon, muito desmerecida por ele por sinal, como ferramenta para restabelecer a elite intelectual. É pertinente frisar que o combate a missão islamizadora não ocorre através de incursões “religiosas-democráticas”, ao contrário, a “liberdade” e a “democracia” tão caras ao Ocidente moderno, para Guénon, são justamente atestados de decadência. A luta pela sobrevivência do cristianismo no Ocidente ocorre através do restabelecimento da busca espiritual e da piedade cotidiana, que produzem a verdadeira vivência religiosa, bem diferente de um simples legalismo moral e ético.

[1] É um conceito comum no Advaita Vedanta e no sufismo Ahl i Wahdat. Tal perspectiva é melhor explica em “Os Estados Múltiplos do Ser” (http://www.euskalnet.net/graal2/estados.zip), “O Homem e Seu Devir Segundo O Vedanta” (http://www.euskalnet.net/graal2/devenir.zip) e “Iniciação e Realização Espiritual” (http://www.euskalnet.net/graal2/realizacion.zip). Nota de Rafael Daher

[2] Mais informações em “Considerações sobre o Esoterismo Cristão”( http://www.euskalnet.net/graal2/rgcritiano.zip), onde Guénon cita um ditado sufi “para sufi o paraíso é uma prisão”. Nota de Rafael Daher

[3] Orkut Olavo de Carvalho do B – http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=42033749&tid=2599133383101506894&na=3&nst=221&nid=42033749-2599133383101506894-2600018556406312921

[4] Instituto René Guénon de Estudos Tradicionais – http://www.reneguenon.net/autorestradicionais.html

[5] O rompimento de Guénon com Schuon, e a retirada da baraka (benção) para que Schuon agisse é fato. E ao contrário do que afirma Olavo, não foi apenas porque Schuon discordou de Guénon quanto ao esoterismo cristão, mas porque Guénon desgostou do sincretismo adotado pela tariqat de Schuon e sua práxis pouco islâmica. Guénon escreveu em 1950, do Cairo: “[…] [that] in Lausanne, the ritual observances have been reduced to the strict minimum, and that most even don’t fast anymore during Ramadân; I did not think that it had reached this point, and I see now that I was only too right when I said that soon it would not be a tarîqah at all anymore, but a vaguely “universalist” organisation, more or less like that of the disciples of Vîvêkânanda![1] Most cordially yours, René Guénon.” In other letters Guénon also distanced himself from Schuon’s disciples, Burckhardt and Lings: “On the other hand, I have received a letter from Burckhardt, who, concerning my replies to M.L. [Martin Lings], says “that the violence of these letters has struck him painfully, and that he cannot reconcile this impression with the circumstances that evoked my severe remarks”; however, it seems to me that it’s not so hard to understand!… admire how bad faith can be pushed so far. (http://www.sunniforum.com/forum/archive/index.php?t-21201.html) Nota de Rafael Daher

[6] Convertido porque, segundo as palavras do próprio Rama, ele não encontrara nenhuma forma para continuar hindu no Ocidente, e viu na Igreja Católica como algo idêntico ao hinduísmo. Tanto que Pe. Rama jamais deixou de usar seu colar de brahmanê. Fonte: http://www.svabhinava.org/friends/JoaquinAlbaicin/RamaCoom-Spanish-frame.php Nota de Rafael Daher Pedro Ravazzano 

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