Apresentação

Este livro de autoria do General Del Nero, foi escrito escrupulosamente em respeito à verdade. É o mais bem fundamentado dos que li. Trabalho de erudição, prova-o a leitura extensa e proveitosa da literatura marxiana e a de escritores não-marxistas estrangeiros e nacionais renomados. de cujo testemunho ou ensinamentos se nutre. Não tem sentido faccioso nem meramente laudatório dos combatentes que impediram que viesse o Brasil a ser uma imensa Cuba orbitando em torno de Fidel Castro. Poucas pessoas se dão conta do débito que temos para com os que cumpriram o seu dever, subitamente derivado da preparação da defesa da soberania brasileira contra possível antagonismo externo para o cruento e doloroso enfrentamento interno, na guerra não declarada. que o autor prefere denominar de guerra irregular. Pode imaginar-se o que teria sido do Brasil se as guerrilhas comunistas tivessem tido bom sucesso em sua missão. Não me refiro apenas à violência brutal, aos banhos de sangue que a História registra quando os vencedores foram os totalitários, de esquerda ou de direita. Refiro-me, também ao que teria havido como reação norte-americana se se instalasse aqui um poderoso pólo de irradiação comunista na América do Sul, vizinhos como somos de todos menos dois países deste subcontinente.

O autor analisa os fatos sem adjetivações, o que servirá certamente para a reconstituição histórica do período vivido pelo Brasil que ele sintetiza nas três tentativas de tomada do poder pelos comunistas todas vencidas pelas Forças Armadas, sempre com perdas de vidas ceifadas, covarde e deslealmente muitas, com o desprezo típico dos radicais de todos os tempos pela dignidade humana. As ocorrências reveladas falam por si próprias, evidenciando a bestialidade com que modestos policiais e muitos inocentes foram mortos, ou antigos companheiros de crença assassinados com a desculpa infame do justiçamento. Enquanto a propaganda vitoriosa dos vencidos os pinta como patriotas rebelados contra a ditadura militar, esconde os atos de barbárie por eles praticados pelos líderes, também pelo bem da causa que seria a instalação da ditadura do proletariado… Isso está amplamente comprovado neste livro, escrito sem o fel do ódio.

Impunha-se um trabalho sério e sem paixão, como o que nos oferece o General Del Nero, dado que, graças à rearticulação da esquerda – até a que está no poder – concedem-se indenizações vultosas aos que tombaram na luta arma – da que desencadearam. Derrotados reescrevem a História segundo a sua versão, contrariando a boutade irônica, mas realista, que diz que os vencedores a escrevem e aos vencidos cabe explicar o porquê da derrota e pedir desculpas.

Os objetivos a que se propôs o autor, apoiado em farta documentação e possivelmente na vivência de fatos, são colimados sem nenhuma concessão à inverdade. As afirmações são sustentadas nas citações rigorosamente adequadas e identificadas de fontes nacionais e estrangeiras. Não emite juízos de valor, mas fatos concretos. Ao salientar o preço pago pelos que se sacrificaram para impedir a vitória das guerrilhas comunistas, urbana e rural, na Terceira Tentativa de Tomada do Poder, despreza o tom triunfalista e não trjpudia sobre os derrotados.

Até ressalva, generosamente, o idealismo, conquanto equivocado, dos jovens que se deixaram empolgar pelo canto da sereia do marxismo-leninismo.

Deixa claro o seu repúdio aos excessos praticados pelos que exorbitaram na contra-insurreição. Faz excelente interpretação do que caracterizou como contra-revolução o movimento cívico-militar-eclesiástico de 31 de março de 1964, pois o que se deu na verdade foi uma intervenção com maciço apoio popular, para evitar a revolução das esquerdas e a dos oportunistas de sempre à busca do poder. Não será por outra razão que os vencidos tudo fazem em sua propaganda, para inverter a realidade, induzindo os leitores que não viveram aqueles dias dramáticos a pensar que a esquerda armada foi uma resposta ao Ato Institucional nº 5. No texto encontram-se provas de que, até antes de 1964, já a opção pela violência era um fato concreto. Isso, aliás, não é novidade na luta dos revolucionários marxistas-leninistas. Em pleno governo chileno de Salvador Allende – um marxista ligado a Fidel Castro – a facção MIR, de extrema esquerda, rebelou-se contra o etapismo, a conquista do socialismo por via pacífica. O historiador isento, no presente ou no futuro, encontrará relatos confiáveis, cronológicos, provando que o AI-5 foi uma conseqüência da luta armada praticada pelos comunistas e não a sua causa.

Outra constatação que merece meditação está em que março de 1964 foi um somatório de anti: anticomunismo, anticorrupção e antipeleguismo. Isso causou as dissensões entre os vencedores, quer no campo econômico (liberalismo versus keynesianismo), quer no doutrinário, para não dizer ideológico (conservadorismo versus reformismo).

A vocação democrática, o autor a demonstra cabalmente quando lastima não ter o Presidente Médici podido cumprir sua promessa feita no discurso de posse, de entregar o Brasil na plenitude democrática ao sucessor – que desejava civil -, dada a existência da guerrilha rural do Araguaia. Também eu o deplorei. Penso que se sobrestimou a importância da guerrilha do PC do B, no Araguaia. A guerrilha urbana fora totalmente desbaratada e a guerrilha rural poderia ser combatida adequadamente, como acabou sendo, depois que a inteligência militar proporcionou a tática conveniente.

Constatação da maior importância, para um católico como eu, é a até então impensável participação de frades na luta armada da ALN do líder comunista histórico, Carlos Marighella. Eles tinham até codinomes, pois em plena clandestinidade, usando o prestígio e o respeito que devemos à Igreja, faziam levantamentos de natureza militar ao longo da rodovia Belém-Brasília para Marighella, homiziando comunistas procurados pelos órgãos legais e conduzindo-os para o exterior. Como o livro mostra, o frade mentor deles todos preferiu aliança com a ALN, atuante na guerrilha e no terrorismo, porque o próprio PCB lhe parecia vacilante e não necessariamente engajado na luta armada. A transformação da Ação Popular, inicialmente um braço político da chamada Igreja progressista, mas não guerrilheira, na APML (marxista-Ieninista), aderindo até ao terrorismo que Guevara condenou, mas defendido e praticado por Marighella, é outra triste degeneração da Doutrina Social da Igreja, verdadeiramente evangélica, na Teologia da Libertação, que viria a receber a condenação do Papa João Paulo II.

Com a independência de um historiador, não foge o autor deste admirável livro da crítica, por mais de uma vez, à natureza e à metodologia aplicadas em certas ações da contra-insurreição, que ignoraram a importância da inteligência para a exata formulação da decisão.

Estamos diante de um texto correto, verdadeiro, sóbrio, escrito não como um panfleto, mas como a lição que faz da História: “O facho que ilumina o passado para precatar-nos de repetir os erros praticados.”

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