por C. S. Lewis
Deus deu à espécie humana aquilo que eu chamo bons sonhos: quero dizer, histórias piegas espalhadas pelas religiões pagãs acerca de um deus que morre e regressa à vida e, pela sua morte, de algum modo, dá vida nova ao homem. Ele também escolheu um povo particular e gastou vários séculos a martelar nas suas cabeças o tipo de Deus que Ele era – que Ele era Um e que Ele se preocupava com a boa conduta. Essa gente eram os Judeus e o Velho Testamento dá-nos conta do processo da martelada.
É aí que entra o verdadeiro choque. Entre estes Judeus, de repente há um homem que começa a falar como se Ele fosse Deus. Ele diz que perdoa os pecados. Ele diz que Ele existiu sempre. Ele diz que vem para julgar o mundo no fim dos tempos. Aqui tenhamos isto claro. Entre os Panteístas, como os Indianos, qualquer um pode dizer que é uma parte de Deus, ou um com Deus: isto não será nada estranho. Mas este homem, que era Judeu, não podia querer dizer que era esse tipo de Deus. Deus na língua daquela gente, significava o Ser fora do mundo que tinha feito o mundo e que era infinitamente diferente de qualquer outra coisa. E quando se percebe isto, pode-se ver como o que aquele homem dizia era, simplesmente, a coisa mais chocante alguma vez sussurrada por lábios humanos.
Uma parte da pretensão tende a passar ao nosso lado despercebida porque a ouvimos tantas vezes que já não sabemos de que se trata. Estou a falar da pretensão de perdoar os pecados: quaisquer pecados. A não ser que quem diz isto seja Deus, isto é tão prepóstero como cómico. Todos podemos compreender como um homem perdoa as ofensas contra si próprio. Pisas-me o dedo do pé e eu desculpo-te, roubas-me o dinheiro e eu desculpo-te.
Mas o que pensar de um homem, que não foi roubado ou pisado, que anunciou que te perdoou por ter pisado os dedos do pé de outro homem e roubado o dinheiro de outro homem? Fatuidade asinina é a descrição mais moderada que daríamos a esta conduta. Contudo, isto é o que Jesus fez. Ele disse às pessoas que os seus pecados estavam perdoados sem nunca ter esperado para consultar todas as outras pessoas a quem aqueles pecados tinham sem dúvida prejudicado. Ele comportava-se deliberadamente como se Ele fosse a principal parte interessada, a pessoa mais gravemente ofendida com todas as ofensas. Isto só faz sentido se Ele for realmente o Deus cujas leis são quebradas e cujo amor é ferido com cada pecado. Na boca de quem quer que não seja Deus estas palavras implicariam o que eu só consigo classificar como tontice e presunção nunca antes rivalizadas por qualquer personagem na história.
Porém (e isto é a coisa estranha e significativa) mesmo os Seus inimigos quando liam as Escrituras, não ficavam usualmente com a impressão de tontice e presunção. Ainda menos ficarão os leitores sem preconceito. Cristo diz que Ele é humilde e doce e nós acreditamo-lO, não reparando, que se Ele fosse meramente um homem, humildade e doçura são das últimas características que poderíamos atribuir a algumas das Suas palavras.
Estou a tentar aqui evitar que alguém diga a coisa realmente idiota que as pessoas dizem muitas vezes d’Ele: ‘Estou pronto a aceitar Jesus como um grande mestre de moral, mas não aceito a Sua pretensão de ser Deus.’ Esta é a coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse meramente homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre de moral. Seria ou um lunático – ao nível de um homem que diz que é um ovo escalfado – ou então seria o Diabo do Inferno.
Temos que fazer a nossa escolha. Ou este homem era, e é, o Filho de Deus ou então é um louco ou qualquer coisa pior. Pode-se ignorá-lo como um louco, pode-se cuspir-Lhe e matá-Lo como um demônio; ou pode-se cair a Seus pés e chamar-Lhe Deus e Senhor. Mas deixemo-nos de vir com disparates condescendentes acerca d’Ele ser um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa saída. Ele não fez tenções disso.