Árvore da Vida (Parte 1)

Farei, a seguir, um pequeno resumo a respeito do papel de Maria na economia da salvação. Ainda que possa parecer ser muitas linhas, na verdade, são pouquíssimas, dada a grandiosidade e preciosidade do objeto em estudo. Muitíssimo mais poderia, e até deveria, ser escrito… E, desde já, peço perdão ao Altíssimo pela tenaz incompetência desse escritor (que sou eu), tão necessitado dos favores e da graça divina. Porém, confiante estou que Ele possa prover muitos outros, mil vezes mais capacitados e dignificados, para escrever sobre a sua Santíssima e Inigualável criatura, Maria. Ela que é a obra-prima de toda Criação e a fronteira final de tudo o que foi criado (porquanto, acima dela, só Deus).

Ciente estou que os borrões, que cá escrevinhei, não passam de simplórias migalhas… Mas a gente oferta o que tem, não é mesmo? Por isso, da miserabilidade do meu ser e do meu saber, permitam-me compartilhar um pouco do que tenho…

a) Está escrito:

– “Ou declarais que a árvore é boa e seu fruto é bom, ou declarais que a árvore é má e seu fruto é mau. É pelo fruto que se conhece a árvore” (Mateus 13,33).

Ora, um fruto santo, puro e imaculado como Cristo, só poderia advir de uma ‘árvore’ semelhantemente santa, pura e imaculada como Maria. E ninguém mais do que Jesus Cristo pode ser, tão perfeitamente, nomeado de e comparado a um fruto; porquanto, genuinamente, Ele é alimento que se come:

– “Minha carne é verdadeiramente uma comida” (João 6,55).

– “Tomai e comei” (Mateus 26,26).

Mas também, quem (dentre os seres humanos) mais perfeitamente poderia ser comparado a uma árvore, senão a Mãe de Nosso Senhor? Pois como toda árvore que dá fruto sem consórcio carnal (sem cópula), igualmente Santa Maria, sem relações sexuais, gerou o mais perfeito e maravilhoso dos alimentos. Comparável à árvore paradisíaca é a Virgem de Nazaré, que deu à humanidade um fruto de eternidade. Não à toa, também, Aquele que foi, pela presciência divina, destinado para ser nosso alimento – ‘o pão descido do céu’ – nasceu em Belém (cujo significado etimológico é o de ‘Casa do Pão’) e teve por berço uma manjedoura, ou seja, justamente “onde se põe o alimento” que vai ser comido.

Eis que a primitiva árvore da vida (no Paraíso), cujo acesso, por causa do pecado, foi fechado; agora, porém, “na plenitude do tempo” (Gálatas 4,4), teve uma equivalente, que Deus implantou no mundo. E essa nova Árvore da Vida – como já foi dito – é a Virgem de Nazaré, cujo fruto nascido dela, é a nossa “Vida” (cf. João 14,6) e vida em abundância, a respeito do qual está prescrito: quem dele comer “viverá eternamente” (cf. João 6,58). Por isso, com Santa Isabel, unamo-nos, em coro, para bendizer tão sacra árvore e tão santíssimo fruto:

– “Bendita és tu… e bendito é o fruto do teu ventre” (Lucas 1,42).

Que fruto poderia sobrevir de uma árvore “cheia de graça”(cf. Lucas 1,28) senão um pomo do qual escorre muitíssimas graças!

b) Dedicar-se a compreender o mistério do pecado, é um passo sólido para se tomar ciência do mistério da redenção… A primeva humanidade não consumou seu pecado comendo um fruto? Era, portanto, necessário que um outro fruto (verdadeiramente eficaz) fosse o veículo da ação reparadora, verdadeiro remédio. E este salutar mantimento e medicamento se chama “Eucaristia”, o próprio Cristo-Senhor.

É por isso que, o altar da Missa também se transforma numa espécie de árvore da vida; e o próprio santuário, num paraíso. Porém, o Insuperável Alimento só é licitamente acessível para os que não romperam a amizade com o Criador, data venia Deus ter colocado, no edênico horto, “vingadores” como guardiões daquele precioso arbusto:

– “Ele baniu o homem e colocou, diante do jardim do Éden, os querubins e a chama da espada para guardar o caminho da árvore da vida” (Gênesis 3,24).

E isso tudo está registrado na Escritura para nossa instrução…

Por conseguinte, para aproximar-se do altar (a fim de comer o manjar celestial), só estão gabaritados aqueles cujo reato do pecado foi apagado, por meio das águas batismais, e que não têm nenhum pecado atual (que, por ventura, tenha destruído a amizade para com o Altíssimo). São Paulo fala que a proclamação da palavra também passa pelo ato de ameaçar, diz ele: “ameaça” (2Timóteo 4,2). Então, prestemos atenção no que está escrito:

– “Eis porque todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor… Come e bebe a própria condenação” (1Coríntios 11,27.29).

E não pense que seres querubínicos – ou a espada flamejante – não estão prontos para executar a vingança devida sobre os que, de forma não-digna, participam da Ceia do Senhor. Pois, não é por que Balaão, inicialmente, não via o anjo posto à sua frente, que o mesmo não estivesse lá (cf. Números 22,22-23). Com efeito, está escrito a respeito dos que comungam de modo mais do que inconveniente:

– “Eis porque há entre vós tanto débeis e enfermos e muitos morrem” (1Coríntios 11,30).

A Divina Eucaristia não é uma simples broa destinada a encher o bucho de alguém. E quantos, hoje em dia, mecanicamente se aproximam do Santo Sacrifício, sem terem a menor ciência da maravilha que ali se encontra. Quanto a mim, quanto mais medito o mistério da Santa Missa, mais eu fico estupefato de tão grandioso dom que o Altíssimo concedeu à sua Igreja… Ó Deus Bendito: quem como Tu?

Não nos esqueçamos de ofertar tão grandioso sacrifício pelos que padecem a purificação final; afinal, “Se temos esperança em Cristo tão somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Coríntios 15,19); pois, de fato, nossa esperança no Cristo e em seu Sacrifício Redentor vai para além dos limites temporais desta vida. Agindo dessa forma (zelosos pelos que jazem), estaremos perpetuando o cuidado que os “primitivos” cristãos tinham pelos seus mortos. Os quais, conforme está explicitado na Bíblia, não deixavam de intervir “em favor dos mortos” (cf. 1Coríntios 15,29).

c) Quanto mais nos aproximarmos do grau de santidade de Maria, a cheia de graça, mais adequado nós estaremos para receber o Cristo Jesus dentro de nós (como ela o portou em seu ventre). Por isso, não participa dignamente do “banquete” pascal, quem não estiver, à semelhança dela, em estado de graça; isto é, quem ainda é uma antiga criatura manchada pela culpa dos primeiros pais – ou mesmo, a pessoa que, embora ‘regenerada’ (cf. 1Pedro 1,23), tenha, por culpa própria, voltado a se enlamear no pecado (rompendo, o laço que o mantinha ligado à Deus).

Com efeito, no “banquete eucarístico” não serão licitamente admitidos aqueles que romperam a amizade com Deus, pela prática da iniquidade. Como no exemplo daquele outro banquete, da parábola, em quem os que cometeram pecados graves foram declarados indignos:

– “As núpcias estão prontas, mas os convidados não eram dignos” (Mateus 22,8).

Entretanto, mesmo numa paróquia em que, no geral, os paroquianos “não andem muito bem das pernas”, há que se admitir que subsiste um resto que se mantém fiel à vontade de Deus. Assim, é que, entre os da Igreja de Sardes, o próprio Senhor Altíssimo encontrou alguns fiéis dignos:

– “Em Sardes, contudo, há algumas pessoas que não sujaram suas vestes; elas andarão comigo vestidas de branco, pois são dignas” (Apocalipse 3,4).

Mirando-se, no exemplo, dos que têm a vitória garantida (os santos celestiais), preservemo-nos incólumes, trajando ‘vestes de linho puro’ (sinal de pureza) – “pois o linho representa a conduta justa dos santos” (Apocalipse 19,8) – e, portanto, estaremos dignificados a fazer parte de tão munificente “banquete”.

E óbvio, porém, que a perfeição de Maria é inatingível a qualquer outra criatura – por mais santa que fosse esta criatura – data vênia dentre outras coisas, é só observarmos que a Virgem de Nazaré não recebeu o Cristo por alguns instantes em seu ventre (como acontece com os comungantes), mas meses ininterruptos (quando da gravidez). Além do mais, ela ofertara, de sua carne e de seu sangue, o santo material que iria constituir o “barro” do novo Adão.

d) Maria não é, simplesmente, mais uma serva de Deus na História da Salvação. Ela é “a serva” (Lucas 1,38) que desempenhou, e vem desempenhando, o papel mais fundamental – entre os filhos adotivos do Altíssimo – em tal mistério. Não por menos, os dogmas marianos estão sumamente alicerçados no Messias de Deus e na sua Obra Redentora; por isso, quanto mais conhecemos quem é Maria, qual a sua função neste organismo vivo (‘porque Deus não é Deus de mortos’), que é o Corpo Místico de Cristo (a Igreja), mais prontamente chagaremos ao pleno conhecimento querido pelo Todo-poderoso. Daí, como o disse, e muito bem, o Papa Paulo VI:

– “O conhecimento da verdadeira doutrina católica sobre a Bem-aventurada Virgem Maria continuará sempre uma chave para a compreensão exata do mistério de Cristo e da Igreja”[1].

e) No princípio, do primeiro Adão imaculado, sem cópula, veio a imaculada Eva; agora, ‘na plenitude temporal’ (cf. Gálatas 4,4), da “Mulher” (cf. João 2,4; 19,26; Apocalipse 12,1) imaculada, que é Maria, adveio-nos o “segundo homem” (cf. 1Coríntios 15,47) imaculado: Jesus de Nazaré! Inicialmente, uma imaculada de um imaculado; e, finalmente, um imaculado por uma imaculada; cumprindo em perfeição o que é dito:

– “Pois se a mulher foi tirada do homem, o homem nasce da mulher” (1Coríntios 11,12).

Em perfeição, porquanto o verdadeiro homem querido por Deus, bem como a verdadeira mulher, são santos e imaculados. A mulher (Eva) foi tirada do homem (Adão) e o homem (Jesus) nasce da mulher (Maria). Ou seja: a imaculabilidade de um indivíduo, com corpo masculino, está associada à imaculabilidade de outro, com corpo feminino. Ao novo Adão (Jesus), indiscutivelmente, está associada uma nova Eva (Maria)… Enquanto aquele primeiro par de imaculados, Adão e Eva, não se mantiveram na graça (pois vieram a pecar), o novo par de imaculados, Jesus e Maria, conservaram-se nela. Eis que uma dupla de insubmissos, que não quiseram servir a Deus (submetendo-se totalmente a Ele), deu lugar a uma outra dupla de plenamente submissos: o “Bendito” (Lucas 1,42) “Servo” (Atos 3,13) que é o Senhor, e a sua “Bendita”(Lucas 1,42) “Serva” (Lucas 1,38), que é a Mãe do Senhor (cf. Lucas 1,43).

O Mistério da Igreja, Sacramento Universal de Salvação, passa pela restauração da veraz identidade que a humanidade perdeu por causa do pecado. Só somos verdadeiramente homens quando estamos unidos com Aquele do qual devemos ser, além de imagem, semelhança. Sem dúvida, Jesus merece ser chamado de “Homem” (1Timóteo 2,5) e Maria de “Mulher” (João 19,26; Apocalipes 12,1).

Podemos até dizer que aqueles poderosos regentes do mundo – que eram Adão e Eva – aos quais todos os seres deviam sujeição, por causa da soberba, foram destronados, dando lugar aos que, na suprema ‘humildade’, conservaram-se na graça divina. Vale à pena citar o próprio “Magnificat”, que a própria Maria compôs, e que declara peremptoriamente:

“Deus (…) depôs poderosos de seus tronos e a humildes exaltou” (Lucas 1,52).

Afinal, “quem se humilha será exaltado”. De fato, deveis cantar, ó Rainha do Reino dos Céus:

– “O Senhor (…) olhou a humilhação de sua serva” (Lucas 1,47-48);

e não só a tua, mas também a Daquele que

– “Humilhou-Se e foi obediente até a morte – e morte de cruz” (Filipenses 2,8);

ao Qual se dobra todo joelho, no céu, na terra, e nos infernos.

Vós sois as Majestades da Nova Criação, pois eis que falava a promessa: “faço um novo céu e uma nova terra”. Tu, a quem o Altíssimo cingiu com uma coroa de estrelas, e Ele, o portador do cetro de ferro:

– “Um sinal grandioso apareceu no céu: uma Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas… Ela deu à luz um filho, uma varão, que irá reger todas as nações com cetro de ferro” (Apocalipse 12,1.5).

Nem seria preciso dizer que tanto a “coroa” como o “cetro” são sinais régios – que assinalam, por conseguinte, a realeza de ambos!

f) Vós, dois, que sois os traspassados da Nova e Eterna Aliança… Ele, traspassado que foi no corpo, e tu, Maria Santíssima, que foste traspassada na alma. Com efeito, está escrito:

– “Um dos soldados traspassou-lhe o lado” (João 19,34); e

– “A ti, uma espada traspassará tua alma” (Lucas 2,35).

Sofrestes, por conseguinte, ó Mãe querida, a Compaixão, enquanto teu diviníssimo Filho, a grande Paixão que nos salva e redime!

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NOTA

[1] AQUINO, Felipe Rinaldo Queiroz de. “A Minha Igreja”. Lorena: Cléofas, 1997, p.171.

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