As bombas atômicas e nucleares são um bem ou um mal?

– “Poderia dar explicações sobre o uso da bomba atômica? É um mal? Um bem?” (Maria C. – Rio de Janeiro-RJ).

As pesquisas nucleares, com as conclusões a que têm chegado, constituem em si um bem inegável. O homem é essencialmente dotado de inteligência, de tal sorte que o uso desta deve naturalmente concorrer para que viva cada vez mais como homem, exercendo o primado que o Criador lhe confiou em relação às criaturas materiais: “Enchei a terra, e submetei-a; dominai…” (Gênesis 1,28).

Acontece, porém, que o uso das descobertas da ciência, em vez de concorrer para o engrandecimento do homem, pode contribuir para o aviltar. É o que se teme com referência à bomba atômica (A) e suas congêneres, a de hidrogênio (H) e a de cobalto; (C, bomba de hidrogênio com cobertura altamente radioativa de cobalto), todas fabricadas em vista de operações bélicas. O Santo Padre Pio XII e os teólogos católicos têm considerado o caso com atenção crescente. Eis brevemente o que hoje em dia fazem observar sobre o assunto:

1) Em guerra é lícito reivindicar justos direitos ou reprimir injusta agressão.

2) É preciso, porém, que se observe rigorosa proporção entre a agressão (direta ou indireta) a reprimir e os meios utilizados para a repressão. A consciência cristã, se de um lado permite a violência adequada e necessária a cada caso, de outro lado condena formalmente qualquer abuso de força.

3) Não se pode dizer que a guerra, como tem sido praticada em nossos tempos, seja o que se chama “guerra total”, isto é, conflito que envolve populações inteiras, de modo que qualquer cidadão de um povo beligerante deva ser considerado combatente. Ainda é perfeitamente justificada a distinção entre combatentes e não-combatentes de uma nação em guerra, embora quase todos os indivíduos, de modo próximo ou remoto, sejam utilizados pelos estrategistas modernos segundo as suas possibilidades (a uma menina de dez anos poderá talvez tocar a tarefa de recolher pedaços de metal usado para a fabricação de munições); o fato de participar no esforço bélico comum ainda não torna tal pessoa combatente. O [mesmo] Santo Padre (…) respondendo a interrogação que lhe fôra feita, declarou não ser licito proceder hoje em dia como se as guerras fossem sempre guerras totais (cf. o trecho da alocução proferida aos membros da Associação Médica Mundial aos 30 de setembro de 1954, na revista A Ordem 55, 1954, p.13-14).

4) Se, pois, há obrigação bem fundada de distinguir entre combatentes e não-combatentes de uma nação em guerra, a consciência cristã não pode deixar de opor sérias restrições ao emprego de armas, como as bombas A, H, C, cujo potencial destruidor é incontrolável, capaz de atingir inocentes, destruindo sem justificativa alguma centenas ou milhares de vidas humanas e arrasando objetivos não-militares. Haja vista o setor de Nova Iorque “Newark”, uma das regiões do globo mais ricas de indústrias, na qual a estratégia militar encontra objetivos de elevado interesse: se, dentre os dez milhões de habitantes da região, se contam os que de algum modo concorrem para a vida industrial e pública (nas fábricas, nos transportes, nas repartições governamentais), chega-se a um total de dois milhões e meio (25% da população); três quartas partes dos moradores são seres humanos militarmente inocentes! Ainda que em caso de guerra se aumentasse o número de moradores militarizados no território, julga-se que as proporções de combatentes e não-combatentes ainda não justificariam o lançamento de uma bomba atômica sobre Newark, pois tal arma inevitavelmente causaria elevado e injustificado número de vítimas inocentes.

Há quem pense, entre os católicos, que se fosse absolutamente necessário o uso de armas nucleares para o êxito de uma campanha bélica conscienciosa, a Moral não se lhes oporia; essa necessidade, porém, é muito hipotética, parecendo mesmo meramente teórica, conforme ensinam os técnicos.

Ademais a nação que recorresse a armas nucleares provocaria igual recurso por parte do inimigo (supõe-se que as grandes potências do mundo atual estejam de posse dos segredos atômicos), o que, segundo pensam bons autores, poderia acarretar o suicídio ou quase-suicídio do gênero humano como tal (sabe-se que as emissões radioativas da bomba de cobalto, empregada dentro de certa escala, poderiam dentro de poucos anos impregnar toda a atmosfera, tornando impossível a vida humana sobre a terra). Ora tal efeito a título nenhum se poderia justificar aos olhos da consciência cristã.

5) Contudo, nas restrições feitas às armas atômicas, é preciso se levar em conta ainda o seguinte: pelo fato de estarem as principais nações do globo habilitadas para a guerra atômica, qualquer das grandes potências que se quisesse despojar de suas armas nucleares correria o risco de ser agredida sem se poder defender, o que acarretaria graves danos para a respectiva população ou seria um suicídio coletivo (a fim de se avaliar o progresso das pesquisas atômicas e a necessidade de o acompanhar, observe-se que, para atingir os municípios da França quase todos, seriam necessárias 6000 bombas atômicas como as de Hiroshima e Nagasaki, mas bastariam quinze das bombas de hidrogênio mais recentemente descobertas). Por isto, os autores católicos, ao mesmo tempo que rejeitam em tese o uso de armas nucleares, muito desejam que o desarmamento se faça segundo um acordo internacional, a fim de que não haja surpresas nem detrimento para as populações civis. Deve-se ponderar que, na falta de entendimento pacífico, o simultâneo armamento de todas as nações ainda pode ser um freio à paixão de desencadear a guerra.

Merece especial atenção [uma das últimas declarações pontifícias] sobre o assunto: aos 14 de abril de 1957, o Santo Padre recebeu em audiência o Professor Masatoki Matsushida, da Universidade de Tókio, que voltava da Inglaterra, onde fora pedir a suspensão das experiências nucleares; Pio XII entregou-lhe então uma nota, de que constava a seguinte passagem:

– “O poder destruidor das armas nucleares tornou-se ilimitado, não sendo mais freado nem mesmo pela crítica das multidões, que opunha um limite natural à pujança já terrível das primeiras armas atômicas. Ora, esse poder ilimitado é utilizado como ameaça que (…) se torna cada vez mais catastrófica (…) Caso uma catástrofe se produza pela vontade perversa de dominar (…), como poderia tal ato não ser reprovado e condenado por toda alma reta? Por conseguinte, em vez do inútil dispêndio de labor científico, de fadiga e de meios materiais que implica a preparação de tal catástrofe, catástrofe de que ninguém saberia dizer com segurança quais seriam, além dos seus imensos estragos imediatos, os últimos efeitos biológicos — principalmente os efeitos hereditários — sobre as espécies viventes; em vez dessa exaustiva e dispendiosa corrida para a morte, os sábios de todas as nações devem ter consciência da sua grave obrigação moral de tentar dominar essas energias para colocá-las a serviço do homem. As organizações cientificas, econômicas, industriais e mesmo políticas deveriam sustentar com todos os seus recursos os esforços que tendem a utilizar essas energias numa escala de grandeza adaptável às indigências humanas” (L’Osservatore Romano, 25 de abril de 1957).

Junto com a mencionada nota, se encontrava o elenco das sucessivas declarações do Santo Padre, de semelhante teor. São datadas de 30.09.1941; 21.02.1943; 08.02.1948; 12.09.1948; 24.12.1951; 10.04.1955; 24.11.1955; 01.04.1956. Documentação encontrada em “Discorsi e Radiomessagi di Sua Santità Pio XII”, vol. TH 276; 4,pp.388-390; 9,pp.439-442; 10,p.208; 13,pp. 396-399; 17,pp.35-36; 55-57; 445-447.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 7:1957 – nov/1957
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