As fontes do Direito Eclesial

1. NA IDADE APOSTÓLICA

Os apóstolos e os anciãos de Jerusalém, para resolver a questão dos judaizantes, estavam conscientes de que podiam apresentar disposições válidas também para os irmãos da Antioquia e exerceram um verdadeiro poder legislativos (cf. At. 15,23-28).

Paulo estava consciente de que podia ser intérprete autorizado do direito divino positivo (cf. 1Cor. 7,10-11) e que podia oferecer disposições autoritativas também sobre matérias nas quais o Senhor não havia regulado diretamente (cf. 1Cor. 7,12-19.25-40), certo de que era assistido pelo Espírito de Deus (cf. 1Cor 7,40b).

Neste sentido podemos interpretar também as instruções dadas pelo autor das cartas pastorais.

A partir do séc. I, desenvolveu-se na Igreja uma atividade de recopilação de normas, que nos mostra como desde o início a atividade jurídica na Igreja era muito intensa e abrangia matérias semelhantes às de hoje.

Podemos dividir essas coleções de normas em períodos.

 

2. COLEÇÕES ANTERIORES AO “CORPUS IURIS CANONICI”

2.1. Coleções pseudo-apostólicas (sécs. II a V)

– Doutrina dos Doze Apóstolos ou Didaqué (sécs. I/II): contém preceitos morais, normas litúrgico-sacramentais e normas sobre a hierarquia.

– Didascalia (ano 111): seu conteúdo é semelhante ao da Didaqué, oferecendo porém o testemunho de uma disciplina mais articulada quanto ao episcopado.

– Tradição Apostólica de Santo Hipólito (cerca do ano 220): contém o ritual romano da ordenação de todos os graus e ministérios na Igreja primitiva e trata de várias instituições eclesiásticas.

– Constituições Apostólicas (sécs. IV/V): é uma coleção de normas relativas aos costumes e à liturgia; depende de recopilações anteriores, mas também contêm algumas heresias.

Os 85 Cânones dos Apóstolos (séc. IV): formam a última parte das Constituições Apostólicas e tratam das obrigações, das qualidades da ordenação dos clérigos, dos delitos e das penas. Vários cânones provêm de sínodos orientais dos quatro primeiros séculos.

2.2. Coleções da Unidade Católica [Regionais] (sécs. V/VI)

Procedem do Oriente, neste período, as coleções de leis eclesiásticas e civis, juntas.

Também na África existem coleções referentes aos concílios regionais e provinciais.

Na Espanha se recolhem também os cânones dos concílios orientais, os cânones da Gália, da África e de Roma.

Na França se recolhem, por sua vez, os cânones do Oriente, da Espanha e de Roma.

Na Itália ocorre o chamado “renascimento gelasiano”, cujo período vai de Gelásio I (492-496) ao papa Hormisdas (514-523). É um fato muito importante porque vão para Roma todas as recopilações regionais. As principais recopilações são:

– a Versão Espanhola: anterior ao renascimento gelasiano, contém os cânones dos primeiros concílios;

– a Versão Prisca: semelhante à anterior;

– a Coleção de Dionísio: recopilada em Roma no séc. VI pelo monge Dionísio, contém os cânones dos primeiros concílios, aos quais acrescenta uma série de decretais; teve muita importância e autoridade; se redigiram três edições entre 497 e 523; Adriano I ofereceu uma obra completa a Carlos Magno e chegou esta chegou a ter caráter oficial; na França, foi chamada Coleção Dionísio-Adriana e passou a ser conhecida com o nome de Livro dos Cânones.

2.3. Coleções da Diversidade de Nações [Regionais] (sécs. VI/VIII)

No séc. VI, devido à formação e consolidação dos reinos germânicos, cai-se em um forte particularismo regional-nacional. A hierarquia eclesiástica fica debilitada e em algumas partes quase não funciona.

Todavia, onde funcionava, continua a Coleção de Dionísio mantendo a influência. No séc. VII aumenta o particularismo enquanto que no Direito Eclesiástico são inseridos cada vez mais os diversos direitos germânicos, às vezes muito diferentes entre si.

Na Itália são produzidas recopilações menos importantes, porém que acrescentam novos textos, ou melhor, recopílações de fórmulas, segundo as quais se escreviam as atas dos papas ou da cúria romana.

No Oriente se nota uma omissão sistemática dos cânones ocidentais e se recolhem apenas os africanos. As decretais dos papas não são traduzidas nem divulgadas. É importante a Coleção Truhana, do séc. VII, já que fixa as fontes do Direito.

Neste período é notável a função que desempenhou a Igreja da Espanha. Apesar da invasão e perseguição por parte dos visigodos arianos, foi conservada a antiga disciplina romana, universal, através de todas as coleções anteriores ao regionalismo. No ano 586 produz-se a conversão dos visigodos ao Catolicismo; com efeito, viu-se favorecida a unidade legislativa pelo restabelecimento da hierarquia.

Este fenômeno ocorrido na Espanha é importante já que nas demais nações o influxo dos direitos germânicos – que teve como conseqüência o fracionamento da disciplina eclesiástica – levou à debilidade a autoridade da hierarquia eclesiástica e, portanto, a uma submissão progressiva da Igreja à autoridade civil. O concílio de Toledo IV (633) teve como resultado a redação da Coleção Espanhola, que é uma coleção tacitamente oficial, já que tem como autora a própria hierarquia. Logo foi reconhecida por Alexandre III (1159-181) como autêntico corpo de cânones da Igreja espanhola.

Este reconhecimento foi confirmado logo depois por Inocêncio III (1198-1216).

Ao mesmo tempo se desenvolveu o direito da Igreja nas ilhas célticas e na Bretanha. É um direito consuetudinário, baseado em uma disciplina contrária à da Igreja romana por falta de relações e uma rígida conservação das tradições locais em oposição às dos saxões, que tinham invadido as ilhas célticas. Os mosteiros são o centro da vida religiosa e civil do país e isto aumenta a confusão, o fracionamento e o subjetivismo do direito naquelas regiões.

São deste período os livros penitenciais que tanta influência terão em toda a Igreja no que se refere à disciplina da penitência, com a vinda dos monges celtas ao continente após a invasão dos saxões e dos vinkings.

Na Gália se obtém a unidade política com o reino dos francos, porém, se observa uma debilitação da autoridade eclesiástica; por isso, os vínculos entre as próprias igrejas da Gália são muito frágeis. As relações com Roma são extremamente escassas. Conserva-se o direito antigo com substrato, mas é corrompido pelo acréscimo de leis, chegando a um particularismo tal que cada igreja possui seu livro de cânones.

2.4. Coleções do Renascimento Franco (sécs. VIII/IX)

Com o aparecimento do Feudalismo, tem-se uma forte instrumentalização da Igreja por parte dos primeiros príncipes carolíngeos. Por causa disto, a hierarquia se debilita cada vez mais e o clero, em geral, cai numa depravação cada vez maior.

Observa-se um grande conflito provindo da confusão e anarquia que reina no âmbito eclesiástico e Pepino o Breve passa a exigir maior unidade e ordem em todo o reino. Percebe-se que um meio de se obter essa pretensão seria através da reforma da disciplina e dos costumes, tanto do clero quanto dos fiéis, mediante a unificação do direito e das coleções. Por isso, quer-se voltar ao direito autêntico, antigo, universal, pontifício, acrescentando-se ainda os elementos da sã tradição gálica e insular, decorrente esta última da vinda dos monges celtas.

A partir de 742 inicia-se uma série de concílios de reforma. Deste período é a coleção Dionísio-Adriana, a qual já nos referimos; outra coleção é a Daqueriana: expressa o espírito da reforma carolíngia, exposto no prefácio da mesma. Indica ainda a autenticidade dos textos; utilizando textos universais, só recorre aos particulares quanto faltam aqueles.

Entretanto, a reforma carolíngia só obtém parte de seus efeitos. Na realidade, a hierarquia, devido ao sistema patrimonial que havia se estabelecido com as igrejas particulares e as investiduras laicas, estava radicalmente secularizada e corrompida, submetida por completo ao arbítrio do poder secular.

Com efeito, resulta insuficiente recorrer ao direito antigo pela oposição dos príncipes feudais à reforma. Os papas de então, demasiadamente debilitados, não souberam intervir com novas normas.

Em razão disso e dada a finalidade que se desejava alcançar, desenvolvia-se a chamada “recopilação espúria”. Forma-se na França uma oficina – não sabemos em que lugar – com muitos empregados, com a finalidade de recolher de todos os mosteiros e arquivos da França documentos que pudessem desatar os vínculos que submetiam a Igreja ao poder secular, para estabelecer solidamente a hierarquia e a organização eclesiástica, obrigar os clérigos à estrita observância de seu sagrado ofício e reformar os costumes dos leigos. 

Se recorre então àquelas normas que restauram a disciplina antiga: os antigos concílios do Oriente e do Ocidente, as decretais dos papas, o direito romano, as capitulares, a Sagrada Escritura, os santos padres. Neste sentido pode-se chamá-la de “reforma romana”, já que de maneira particular propõe e transmite a disciplina da Igreja ocidental. Entrementes, quando não se encontram documentos autênticos, úteis para a obtenção dos fins a que se propõem, alteram-se alguns dos documentos encontrados ou produzem um novo.

Toda esta atividade se desenvolve entre os anos 845 e 857 ou, então, entre 847 e 852. Porém, há que se reconhecer que, com este fenômeno, se tem um novo período na história das fontes do direito eclesiástico, já que através desses documentos falsos se colocavam precisamente algumas das instituições já afirmadas por coleções anteriores. Recordemos as “Capitularia Benedicti Levtiae” e as decretais pseudo-Isidorianas, que contém o famoso texto espúrio da “Doação de Constantino”.

2.5. Doações entre a Reforma Carolíngia e a Reforma Gregoriana (sécs. IX/XI)

Aumentam os textos apócrifos e com eles aumenta a confusão, já que o recurso aos mesmos não conseguiu resolver os males por parte de quem os utilizava.

Os monges de Cluny fazem-se promotores de uma reação contra a incerteza da disciplina eclesiástica e depravação generalizada.

É no começo da reforma gregoriana que se promoverá o poder supremo dos papas como solução para os problemas da época, juntamente com um vivo renascimento espiritual.

É importante o Decreto Burchardi-Wormatiense, por assentar os princípios básicos da nova reforma. De fato, é obra da reforma episcopal na Alemanha; uma coleção universal, bem ordenada e prática.

2.6. Coleções da Reforma Gregoriana (séc. X)

Os princípios fundamentais da reforma gregoriana são: abolição das investiduras de leigos; luta contra a simonia, em caráter universal; reinvindicação da autoridade suprema universal; retorno à antiga disciplina e tradição; uso apenas de textos antigos autênticos (porém, entre eles, estavam também as decretais pseudo-Isidorianas, consideradas então genuínas); luta contra os textos espúrios; rejeição dos textos  de autoridade inferior contrários aos de autoridade suprema; juízo da Santa Sé sobre a autoridade dos textos; e luta contra a ingerência da autoridade civil.

Deste período são:

A Dieta do Papa Gregório VII: é um índice dos direitos da Santa Sé, com a indicação dos textos comprobatórios;

A Coleção de 74 Títulos: foi o “Liber Annualis” da cúria romana e dos papas. É a segunda coleção oficial da Santa Sé, apesar de não ser autêntica.

2.7. Coleções da Reforma Gregoriana Evoluída (séc. XI)

Apesar da atividade de reforma, continuam em vigor as antigas coleções no que se refere às matérias que não contêm diretamente a reforma. Ademais, muitos textos de reforma são considerados como demasiadamente rígidos e sofrem progressivas modificações. Isto se verifica também porque os papas que sucederam a Gregório VII prosseguiram a luta de forma mais diplomática (especialmente Urbano II) e, uma vez vencida a batalha principal – a que se deu contra as investiduras dos leigos – se inclinaram para uma regulamentação e transação do conflito.

Introduzem-se, então, novas coleções que procedem com menos rigos aos princípios de seleção de textos. Voltam, pois, a aparecer textos espúreos ou modificados.

Deste período são as “Collectiones Ivonis Carnuiensis: Tripartita”; “Decretum: Panormia”.

2.8. Escritos e Coleções Preparatórias para o Decreto de Graciano (sécs. XI-XII)

Diante das muitas discordâncias entre as coleções que circulavam, bem como das discordâncias existentes dentro das próprias coleções, surgem algumas tentativas de harmonização dos textos.

Os critérios que passam a seguir são os de escolher os textos mais genuínos, mais perfeitos e aceitos pelos papas. A própria interpretação dos textos passa a ser feita de forma mais cuidadosa e científica. Para a harmonização dos textos, usa-se o critério da distinção entre leis necessárias e imutáveis e leis contingentes e mutáveis, entre leis de autoridades superiores e de autoria de inferiores e, sobretudo, entre lei e dispensa.

A ciência canônica começa a usar o método escolástico introduzido por Abelardo, aplicado também para o estudo do direito canônico, que volta a florescer com a Escola de Bolonha. Estabelece-se um vínculo entre o direito canônico e a teologia.

 

3. FORMAÇÃO DO “CORPUS IURIS CANONICI”

A exemplo da Codificação de Justiniano, que acabara de se recuparar, sente-se a necessidade de uma unificação da disciplina eclesiástica para pôr fim a uma incerteza da mesma e a não poucos abusos. Essa unificação tinha que ser interna: conciliação das diversas normas, em parte opostas; e também externa: unidade de recopilação da massa de normas dispersas pelas várias coleções.

3.1. “Decreto” de Graciano (1140)

Esta obra foi redigida pelo monge Graciano, mestre em teologia em Bolonha (falecido antes de 1160). Usa do auxílio de seus discípulos do monastério dos Santos Félix e Nabor, onde vivia – especialmente da Paucapalea – que dariam continuidade à sua obra, acrescentando-lhe também as chamadas “Paleae”.

A intenção de Graciano é recolher os textos que em diversos tempos e regiões determinaram a disciplina eclesiástica e dar-lhes unidade segundo regras de seleção, interpretação e harmonia elaboradas sistematicamente mediante uma aplicação universal, geral, sistemática, homogênea, total, de modo que se obtenha um corpo coerente e orgânico de normas que pudessem ser aplicadas sempre e em todas as partes.

Daqui nasce a “Concordância dos cânones ou decretos discordantes”, que marca o real início da ciência canônica. Convém, contudo, considerar que o direito canônico não surge com Graciano, mas sim seu estudo científico: ensina a deduzir dos textos antigos seu sentido genuíno, a aplicar as normas antigas às exigências contemporâneas, a solucionar as controvérsias e a suprir as lacunas.

Porém, o Decreto deve ser considerado como obra particular, já que nunca foi aprovado como “Codex authenticus”.

3.2. Coleções entre o “Decreto” e as “Decretais” de Gregório IX (1191-1226)

Depois do “Decreto” se produziu um grande florescimento da ciência e das instituições de direito canônico, seja pelo exercício efetivo do primado de jurisdição por parte dos papas, seja pela grande autoridade doutrinária que vai assumindo cada vez mais a Escola de Bolonha. Nela se desenvolvem as glosas ao Decreto e as novas decretais pontifícias que vão surgindo.

Começam a aparecer as chamadas “Coleções Extravagantes”, ou seja, coleções de decretais pontifícias. Entre elas temos:

– Compilatio I Antiqua (1191): recolhe as normas omitidas por Graciano e as emanadas após o Drecreto.

– Compilatio II Antiqua (1210-1212): recolhe as decretais anteriores a Inocêncio III.

– Compilatio III Antiqua (1210): decretais de Inocêncio III. É a primeira coleção redigida por ordem do papa e promulgada autenticamente por ele através de comunicado à Escola de Bolonha. Ficam derrogadas as coleções particulares das decretais de Inocêncio III.

– Compilatio IV Antiqua (1215-1216): é uma recopilação que segue como particular.

– Compilatio V Antiqua (1226): é uma recopilação autêntica, sendo que o papa Honório III manda, inclusive, que seja utilizada nas escolas e juízos.

3.3. “Decretais” de Gregório IX (1234)

Desenvolve-se muito o direito das decretais, porém, com numerosas repetições, abrogações e derrogações, com prejuízo para a aplicação do direito e do estudo nas escolas. Em acréscimo, aumenta mais ainda a confusão do uso, todavia vigente, das velhas recopilações.

Sente-se então a necessidade de uma recopilação universal, única, exclusiva, autêntica, que ofereça de forma compendiada todo o direito das decretais e que proceda da autoridade legislativa e não das escolas.

Com esta intenção, surge o “Liber Extra”, chamado atualmente de “Decretais de Gregório IX”: não é uma mera recopilação, mas sim uma nova redação do direito.

3.4. “Liber VI” de Bonifácio VIII (1298)

Devido à invasão, nos tribunas e em escolas, de coleções autênticas e particulares das decretais posteriores ao “Liber Extra”, se fez necessária esta nova recopilação. É uma recopilação universal, única, exclusiva, autêntica, já que foi promulgada através de comunicação às Escolas de Bolonha, Paris e Salamanca. Tem uma índole mais abstrata e geral; por isso mesmo, é mais parecida com as modernas codificações.

3.5. As Clementinas (1317)

Neste período se fez necessária uma intensa atividade legislativa pela evolução e incerteza que existiam em diversas instituições canônicas, pela defesa da liberdade da Igreja e das pessoas na Igreja, pela reforma dos costumes etc.

Clemente V promove esta recopilação, mas morre antes da sua promulgação, que foi feita por João XXII, com o envio da mesma a Bolonha, Paris e Salamanca. É autêntica, única e universal, porém, não exclusiva.

É a última coleção autêntica até o “Liber Primus Bullarum de Benedicto XIV”, no séc. XVIII, pois uma vez assentado o fundamento autêntico do direito pode ser deixado à iniciativa dos particulares.

3.6. Coleções Extravagantes (fins do séc. XV)

Sucessivamente foram sendo acrescentadas ao que se considera como o “Corpus Iuris Canonici” todas as decretais posteriores às Clementinas: Extravagantes de João XXII, Extravagantes Comuns. Essas coleções são particulares e cada uma conserva seu próprio valor.

 

4. DO “CORPUS IURIS CANONICI” AO “CODEX IURIS CANONICI” (sécs. XVI-XX)

Após a formação do Corpus Iuris Canonici não se faz nenhuma outra coleção compreensiva das fontes legislativas da Igreja. As coleções posteriores ao Corpus têm uma índole não-sistemática. Entre elas, recordamos:

– As “Bullaria”, que por iniciativa particular e em várias edições recolhem as constituições e as decretais pontifícias. Das atas de alguns pontífices se fazem também edições oficiais (Benedito XIV, Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Pio X).

– As coleções dos cânones dos concílios ecumênicos e particulares. Entre estas, especial importância se dá a que se refere ao concílio de Trento.

– As coleções de decretos, respostas, decisões das congregações romanas, dos tribunais e dos ofícios da cúria romana. Entre estas coleções, é especialmente importante a 1ª Congregação do concílio, que tinha a faculdade de interpretar autenticamente os cânones do concílio de Trento. Também serão importantes as coleções da Congregação dos Ritos e as decisões da Rota Romana.

– As “Acta Sanctae Sedis”: é o períodico – oficial a partir de 23 de maio de 1904 – que de 1865 a 1908 publicou, como meio de promulgação, as atas pontifícias e da cúria romana.

– As “Acta Apostolicae Sedis”: é o órgão oficial da Santa Sé, que desde 1909 substiuiu as “Acta Sane Sedis”.

 

5. O “CODEX IURIS CANONICI”

5.1. O Código de 1917 (CIC-1917)

A multiplicidade das leis canônicas e a dificuldade de sua consulta e aplicação faziam nececessária uma revisão e uma reordenação de toda a matéria.

Já no concílio Vaticano I se havia pedido algumas providências neste sentido.

Mais tarde, Pio IX e Leão XIII reordenaram integralmente algumas matérias e instituições.

Pio X, pelo motu proprio “Arduum Sane”, de 19 de março de 1904, instituiu uma comissão para a redação do Código. Os trabalhos duraram doze anos e no dia de Pentecostes de 1917 (27 de maio), Benedito XV promulgou pela bula “Providentissima Mater” o “Codex Iuris Canonici” (=Código de Direito Canônico), que entrou em vigor para toda a Igreja no dia de Pentecostes de 1918 (19 de maio).

O Código teve uma ampla e complexa elaboração, que se desenvolveu sob a direção de um insígne jurista, o card. Pedro Gasparri, que foi 1° secretário e, logo depois, presidente da comissão cardinalícia nomeada por Pio X para a preparação e redação do Código. Esta comissão, dividida em subcomissões, examinou os postulados que na carta de 25 de março de 1904 tinham sido solicitados a todos os bispos e, tendo presentes os esquemas propostos por vários redatores sobre os diversos temas formulados em breves cânones – que compreendiam somente a parte dispositiva, tal como se podia deduzir das leis vigentes contidas no Corpus Iuris Canonici, nas atas do concílio de Trento, dos sumos pontífices, das congregações romanas e também dos tribunais eclesiásticos, com as inovações que se consideravam oportunas – traçou um primeiro esquema completop das disposições discutidas em cada caso e determinadas estruturalmente. Este esquema foi logo enviado aos bispos, aos abades, aos superiores das ordens religiosas e aos peritos com um convite para que sugerissem emendas. Essas emendas foram avaliadas pela comissão, que eleborou um novo esquema predefinitivo, que foi mais uma vez revisado e discutido em cada uma de suas partes até chegar à aprovação da redação definitiva.

O Código é válido somente para a Igreja latina e não obriga a Igreja oriental, exceto naquelas matérias que por sua natureza se referem também a esta última (cân. 1).

O Código é lei única, autêntica, exclusiva, estável e universal. Benedito XV, pelo motu proprio “Cum Iuris”, de 15 de setembro de 1917, instituiu uma comissão para a interpretação autêntica do Código. As respostas desta comissão, publicadas nas “AAS”, têm o mesmo valor jurídico que as normas contidas no Código.

5.2. O Código de 1983 (CIC-1983)

Pertence à própria natureza do direito canônico evoluir e adaptar-se às novas exigências pastorais, inclusive após a codificação continua uma rica produção de normas.

Em 25 de janeiro de 1959, João XXIII anuncia o sínodo e o concílio ecumênico como um ponto de partida para o Código. Em 1963, o mesmo papa anuncia a criação da comissão de reforma do Código, que deveria iniciar no concílio. Em 1964, Paulo VI nomeou 70 consultores.

Desde a primeira sessão dos consultores em 1965 surgiu o seguinte problema: dever-se-ia redigir dois Códigos (um para a Igreja latina e outro para as Igrejas orientais), junto com uma lei fundamental, ou apenas um? Optou-se pela primeira solução. 

No sínodo dos bispo de 1967, expuseram-se os princípios diretivos para o trabalho da comissão.

A reforma do Codigo havia se feito, todavia, mais e necessária após o Vaticano II, para que a Igreja refletisse, inclusive em sua dimensão jurídica, o espírito eminentemente pastoral do concílio e mostrasse mais visivelmente a imagem que no presente período da história tinha a Igreja de si mesma e que havia tentado expressar nos decretos conciliares.

Após o concílio houve uma rica produção de normas transitórias para aplicar os decretos conciliares. que abrogaram os cânones do CIC-1917 e que serviram de base para a redação do novo Código.

Depois dos primeiros esboços de esquemas, entre 1963 e 1972, as subcomissões redigiram três esquemas (1977, 1980 e 1982), sendo que os dois primeiros foram enviados para estudo aos bispos, abades, superiores religiosos, peritos etc. O terceiro (1982) foi redigido após a sessão plenária de 1981, composta por cardeais e bispos de todo o mundo.

Ao mesmo tempo se desenvolvia a “Lex Ecclesiae Fundamentalis” (=Lei Fundamental da Igreja).

O texto A, de 1966, foi rejeitado pela comissão principal. O texto B foi aprovado substancialmente em 1967.

A elaboração da LEF foi aprovada também pelo sínodo dos bispos em 1967 e pela comissão para a revisão do Código, em 1968. Em 1969, o texto C – ou “textus prior” – foi submetido ao parecer da comissão para a reforma do Código, bem como à Congregação para a Doutrina da Fé e Comissão Teológica. Aproveitando as observações recebidas. redigiu-se em 1970 o “textus emendatus”, que foi submetido ao exame de todo o episcopado. Em 1971 foi tornado público ao sínodo dos bispos. Das 1.313 respostas à pergunta se os bispos acreditavam ser oportuna a redação de uma LEF, houve 593 placet, 462 placet iuxta modum e 251 non placet; ao contrário, à pergunta se gostava do esquema redigido, houve 61 placet, 798 placet iuxta modum e 422 non placet. Finalmente, o papa João Paulo II decidiu não promulgar a LEF, sendo parte dela integrada ao Código, cuja promulgação se deu em 25 de janeiro de 1983, pela constituição apostólica “Sacrae Disciplinae Legis”. Após dez meses de vacatio legis, o Código entrou em vigor em 27 de novembro de 1983. No ano seguinte se nomeou a Comissão de Interpretação Autêntica 3, que se convertou logo no Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos (cf. n° 738).

O Código de Direito Canônico é válido apenas para a Igreja latina (cân. 1). Em geral, não define os ritos que devem ser observados nas celebrações litúrgicas; portanto, as normas litúrgicas, emanadas antes da promulgação do mesmo, prosseguem em vigor, a não ser que sejam contrárias aos cânones (cân. 2). Finalmente, os cânones do Código não abrogam os tratados celebrados entre a Santa Sé e as nações ou outras sociedades políticas, nem os derrogam (cân. 3).

5.3. O Código de Cânones da Igrejas Orientais (CCEO-1993)

Sabe-se que na Igreja existem diversos ritos. Por ritos se entendem duas realidade: por um lado, rito é um conjunto de tradições litúrgicas; por outro, fala-se de ritos em sentido jurídico.

No sentido litúrgico, na Igreja há duas grandes famílias de ritos: os ocidentais e os orientais. Entre os ritos ocidentais, se encontram o romano, o milanês ou ambrosiano e o visigodo ou moçárabe ou hispânico. Historicamente podemos citar outros ritos, mas estes são os que estão atualmente em vigor. Já entre os orientais se enumeram cinco: o alexandrino, o antioqueno, o armênio, o caldeu e o constantinopolitano ou bizantino. Note-se que entre estes ritos se encontram três grandes patriarcados da antigüidade: o de Alexandria, o de Antioquia e o de Constantinopla.

No direito canônico fala-se de Igrejas rituais ou autônomas (em latim sui iuris), para se referir às Igrejas particulares em comunhão com o Romano Pontífice, que têm uma organização própria, com disciplina e direitos próprios e que respondem a tradições espirituais e litúrgicas próprias. O CCEO (Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium), no cân. 27, as define como “o agrupamento de fiéis cristãos unidos à hierarquia, que a suprema autoridade da Igreja reconhece expressa ou tacitamente como ‘sui iuris’“.

O fato de se reconhecer uma Igreja sui iuris deve-se a que estas Igrejas particulares abraçam um dos cinco ritos orientais. Razões históricas profundas levam a considerar e respeitar o patrimônio espiritual de cada uma delas. Todas elas são tributárias do patrimônio de um dos patriarcados da antigüidade mencionado ou de outras tradições veneráveis. No caso da Armênia, esta nação recebeu a fé cristã antes do séc. III, considerando-se o primeiro Estado de fato “cristão”. E os cristãos da Caldéia podem remontar seus antecedentes na fé quase que aos apóstolos. Com o passar dos séculos, formaram-se essas tradições homogêneas que derivaram na constituição de liturgias próprias e patriarcados autônomos. Ainda que tenha havido cismas e heresias que chegaram a romper a unidade da Igreja, houve cristãos dessas tradições que voltaram à comunhão com o Romano Pontífice. Para poder respeitar seu rico patrimônio espiritual se constituíram em Igrejas sui iuris. Às vezes, estes católicos são chamados “uniatas”; porém, este termo é considerado pejorativo, de modo que tende a ser abandonado seu uso.

Do que dissemos, podemos ver qual é o sentido que ao que aqui chamamos de sentido jurídico do rito. O cân. 28, §1, do CCEO, define rito como “o patrimônio litúrgico, teológico, espiritual e disciplinar, distinto pela cultura e circunstâncias históricas dos povos, que se expressa em um modo de viver a fé que é propria de cada uma das Igrejas autônomas”.

Já se disse que existem cinco tradições litúrgicas, de grande tradição e riqueza. Em cada uma delas podemos encontrar diversas Igrejas sui iuris, isto é, Igrejas que, mantendo plena autonomia jurisdicional, são herdeiras da mesma tradição. O rito, pois, é comum a várias Igrejas autônomas. A exceção é a Igreja armena, que constitui a única Igreja católica autônoma que segue o respectivo rito.

Dada esta riqueza litúrgica e disciplinar, estes fiéis nunca foram submetidos ao direito latino. Já se apontou que faz parte do rito a tradição disciplinar, que é distinta para cada uma das Igrejas rituais. O CIC-83, em seu cân. 1, prevê que só é válido para a Igreja latina. Não é uma norma inovadora: já estava presente no CIC-17; e esta norma foi também recolhida de uma norma mais antiga: sempre houve dois direitos na Igreja, o latino e o oriental.

Para as Igrejas orientais iniciou-se a codificação no ano de 1929, após encerrada a codificação latina. Porém, por diversos motivos, foi-se dilatando. Após 1945, foram promulgadas diversas partes do Código oriental: o direito matrimonial, o direito processual e outras. Depois do Concílio Vaticano II, iniciou-se uma nova codificação, tanto latina como oriental. No caso dos orientais, em 18 de outubro de 1990, pela constituição apostólica “Sacri Canones”, o papa João Paulo II promulgou o vigente CCEO.

O CCEO, em seu cân. 1, indica que seus cânones referem-se apenas às Igrejas católicas orientais. É uma norma paralela à do Código latino, também em seu cân. 1. Com efeito, embora corresponda à mesma fé e à unidade substancial da Igreja, quanto a regime e sacramentos, entre ambas há uma variedade – como é lógico – que forma parte da beleza da Igreja que Cristo fundou. Porque o Senhor quis que na Igreja houvesse unidade, mas não uniformidade. A variedade dos fiéis cristãos se refere também à tradição espiritual em que cada um nasce, desenvolve e vive sua fé. Por isso, é uma grande contribuição à unidade da Igreja que orientais e latinos se conheçam mutuamente, em suas tradições, e as respeitem e amem.

Do ponto de vista organizacional, as Igrejas orientais católicas dependem da Congregação para as Igrejas Orientais. Esta Congregação foi criada em 1862, como seção da Congregação para a Propaganda da Fé, elevando-se, em 1917, à categoria de Sagrada Congregação. O art. 58, §1 da constituição apostólica “Pastor Bonus” determina as competências da Congregação para as Igrejas Orientais. Este é o seu teor literal:

“Artigo 58, §1 – A competência desta Congregação se extende a todas as questões próprias das Igrejas orientais e que devem ser remetidas à Sé Apostólica, tanto sobre a estrutura e ordenação das Igrejas, como sobre o exercício das funções de ensinar, santificar e governar, assim como sobre as pessoas, seu estado, seus direitos e obrigações. Ela se ocupa também de tudo o que está prescrito nos artigos 31 e 32 sobre as relações quinquinquenais e as visitas ‘ad limina’.”

O §2 do mesmo artigo deixa a salvo de seus respectivos Dicastérios as competências das Congregações da Doutrina da Fé e das Causas dos Santos, da Penitenciária Apostólica, do Tribunal Supremo da Assinatura Apostólica e do Tribunal da Rota Romana, além da competência sobre o matrimônio ratificado e não consumado, da Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramento. Como se vê, apesar das ressalvas, são critérios de atribuição de competências de grande amplitude.

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