A lei moral, ou lei religiosa strictu sensu, difere-se substancialmente da lei canônica. Tem aquela uma base jurídica natural em certos preceitos, e sobrenatural noutros, enquanto a última fundamenta-se em um sistema jurídico positivo. Não entram em conflito, justamente pelo campo de atuação específico de cada uma. O foro interno é geralmente o terreno próprio de aplicação dos preceitos morais, ao passo que a lei canônica atua, via de regra, no foro externo ? embora, por exceção, tenha atuação no foro interno, como é o caso da excomunhão latae sententiae, cf. cân. 1314, 2ª parte, CIC.
Por outro lado, nada impede a lei moral de ser positivada, como de fato o foi na outorga dos mandamentos do Decálogo. Outrossim, as previsões da lei moral, v.g., a proibição do homicídio prevista no VII Mandamento, podem ser de uma relevância tal que atinjam a ordem social, exigindo, além da punição interna pela violação daquela, o que se consubstancia na perda da graça divina, também uma penalidade externa, tanto o estatuto emanado pelo Estado (cf. art. 121, CP) quanto na legislação reguladora da Igreja (cf. cân. 1397, CIC).
A lei moral coordena toda a atividade humana "do ponto de vista das obrigações que empenham diretamente a consciência para Deus" (DEL GRECO, Pe. Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. Teologia Moral. Edições Paulinas, São Paulo, 1959, p. 24). A lei canônica, por sua vez, na lição do ilustre jurista, regula "as relações entre os fiéis e a Igreja" (idem, op. cit.). Os preceitos da lei moral, sejam os de origem natural, i.e., inscritos por Deus no coração de todos os homens, sejam os de origem sobrenatural, revelados diretamente por Deus nas Sagradas Escrituras e na Tradição Apostólica autenticamente interpretadas pelo Magistério da Igreja, são imbuídos de uma sanção eminentemente espiritual e com vistas ao destino eterno do ser humano. Assim, contrariando o disposto no VI Mandamento ? "Não pecar contra a castidade" ? o homem incorre em uma penalidade automática: a perda da graça, da amizade divina. Pode recobrá-la, ordinariamente, recorrendo ao sacramento da Penitência, confessando, pois, seu pecado a um sacerdote com faculdade de absolver, ou, extraordinariamente, por um ato de contrição perfeita, feito por puro amor a Deus e não por mero temor do inferno. Obstinando-se em seu erro, a persistência até a morte o leva a incorrer na pena eterna. Tudo isso, contudo, é regulado por lei moral, religiosa, e se opera na alma do homem.
Entretanto, a lei canônica, que não pode ser cognominada lei religiosa senão em sentido amplo, contém preceitos que regem a estrutura das relações entre a Igreja, verdadeira sociedade que é, e o fiel, membro dessa sociedade.
Não trata a lei canônica penal especificamente de pecados, mas de delitos. O delito é um pecado, claro ? embora nem todo pecado seja positivado como crime ?, mas as análises canônica e moral partem de ângulos diferentes. Julga o pecado somente Deus através do sacerdote, no tribunal do confessionário. O delito canônico, todavia, é julgado por um órgão jurisdicional da Igreja, aplicando penas concretas à semelhança do que ocorre nos tribunais e juízos do Estado. A penalidade à infração moral decorre do múnus de santificar, enquanto a punição ao delito positivado no ordenamento jurídico canônico é manifestação do múnus de reger.