Carl Rogers e as irmãs do imaculado coração de maria

Durante o verão de 1966, no final do Concílio Vaticano II e no começo da revolução sexual, o mundo parecia despertar para novas possibilidades sexuais. Muitos dos padres e freiras, em especial, interiormente achavam que a regra católica do celibato estava para ser revogada. Juntando-se a eles, e com uma expectativa parecida, havia alguns leigos que estavam ainda mais confiantes de que ia acabar em breve a condenação dos meios de contracepção artificial. O Papa Paulo VI havia designado um conselho de leigos para estudar este assunto, e esperava-se que eles votassem – como realmente aconteceu – pelo fim da condenação aos métodos artificiais de contracepção, uma condenação que tinha sido recentemente afirmada, 30 anos antes, na Encíclica Casti Conubii, de Pio XI, sobre o casamento cristão. (Nota do tradutor: Como se sabe, Paulo VI, na magnífica encíclica Humanae Vitae,  condenou os métodos artificiais de contracepção)

Devido a João XXIII, ao Presidente John F. Kennedy, e ao Concílio Vaticano II, os católicos se tornaram o foco da mídia de uma maneira tão expressiva, que falharam em ver as distorções que esta mesma mídia, controlada por operações de guerra psicológica, apresentava. Eles falharam em perceber o quanto suas opiniões estavam sendo mal-formadas nas mãos de pessoas como Xavier Rhynne e Michael Novak, os quais acreditavam que o longo “reinado” da Igreja Católica tinha chegado ao fim, que toda a Igreja precisaria se unir ao “espírito liberal” se quisesse sobreviver, e que tinha de jogar fora algumas proibições sexuais da Idade Média, caminhando para um futuro possível.

Em sintonia com o “espírito” daquele tempo, em alguma data do verão de 1966 as Irmãs do Imaculado Coração de Maria (ICM), de Los Angeles, Califórnia, convidaram um psiquiatra nova-iorquino para sua casa de retiro em Montecito para conduzir o que seria chamado “grupo de encontro”: uma sessão de “livre-expressão”, de exercícios grupais de “quebra-gelo” que diluiu as inibições sociais, incentivou uma falsa noção de intimidade, e abriu as portas para uma engenharia social de mudança de atitudes através da pressão grupal. As irmãs gostaram tanto do encontro que um ano depois o psicólogo Carl Rogers e seus associados iniciaram um projeto denominado “Projeto de Inovação Educacional” em toda a ordem religiosa e em todas as escolas por ela administradas na arquidiocese de Los Angeles.

Rogers havia se tornado famoso em 1961, com a publicação do livro “Tornar-se Pessoa”. Ele, juntamente com Abraham Maslow, cujo livro “Por uma psicologia do ser” foi lançado um ano depois, em 1962, tornaram-se os dois líderes do que se chamou posteriormente de Psicologia Humanista, ou Terceira Força da Psicologia. A Terceira Força se refere a uma terapia que tinha raízes em Freud (Psicanálise) e em Watson (Behaviorismo), porém era mais “centrada no cliente”. Na terapia rogeriana o paciente resolvia seus próprios problemas, com mínima interferência do terapeuta, o qual dava respostas quase que totalmente não-diretivas, como uma maneira de levar o paciente na direção das verdades que sabia, mas que tinha escolhido não reconhecer. Outro nome para esta terapia era “aconselhamento não-diretivo”: uma criação do final dos anos 40, que, de acordo com W.R. Coulson, assistente de Rogers, representava “um substituto mais humano para o behaviorismo de laboratório e a psicanálise freudiana da clínica”.

Em 1965, Carl Rogers havia lançado para algumas ordens religiosas na área de Los Angeles um artigo chamado “O processo básico do encontro de grupo”. Uma das ordens religiosas que achou suas idéias interessantes foi o das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. Isto não era surpresa, pois esta ordem já tinha a reputação de ser “progressista”. No início dos anos 60, a superiora da ordem, Irmã Aloyse, havia trazido o psicólogo e padre alemão Adrian Von Kaam para ministrar exercícios espirituais em um retiro durante o qual “todas as regras comunitárias estavam suspensas”. Os resultados deste tipo de inovação eram previsíveis. Depois da entrada dos psicólogos em cena, as freiras se tornaram conscientes “de como as superioras eram ditatoriais, e por sua vez, quão dependentes, submissas e frágeis eram as freiras para irem ao mundo fora do convento”.

Na primavera de 1965, o arcebispo da arquidiocese de Los Angeles, James Francis Cardeal McIntyre ficou preocupado com o grande número de freiras do Imaculado Coração de Maria que pediam dispensa dos votos. Número grande, que logo depois se mostrou relativamente pequeno, pois os pedidos de dispensa dos votos e de laicização das religiosas logo progrediram como uma verdadeira avalanche, e o “treinamento de sensibilidade” feito por Carl Rogers na ordem, sob os auspícios do “Projeto de Inovação Educacional” teve um papel crucial nestas desistências da vida religiosa. Quando o experimento de Rogers terminou, a ordem tinha simplesmente se extinguido, deixando às gerações posteriores a tarefa de evitar aquilo que passou a ser conhecido como um típico exemplo de renovação pós-concílio Vaticano II que deu totalmente errado.

Qualquer um que leia o artigo de Rogers seria capaz de prever suas conseqüências desde o início. Numa versão deste artigo, que foi publicada em julho de 1969 na revista Psychology Today, com o nome “Community: The Group Comes of Age”, Rogers explica que:

“Em encontros grupais mistos (com homens e mulheres), sentimentos de amor calorosos e positivos podem acontecer entre os participantes do grupo, e geralmente estes sentimentos ocorrem entre homem e mulher. Inevitavelmente, alguns destes sentimentos têm um componente sexual, e isto pode ser causa de grandes preocupações para os participantes e… uma grande ameaça a seus esposos”.

Rogers deveria ter adicionado: “Ou para seus votos religiosos…”.

Na época em que Rogers lançou “Envolvimento em um encontro básico”, publicado posteriormente como “O processo básico do encontro de grupo” entre as Irmãs do Imaculado Coração de Maria em 1965, terminava o Concílio Vaticano II. Uma leitura atenta dos documentos pertinentes revela que eles reafirmaram a tradição católica. Mas naquela época as leituras atentas eram deixadas de lado em favor de uma leitura mais favorável ao chamado “espírito do Concílio”, que sempre estava afinado com tudo aquilo que o meio secular progressista estava propondo na época.

Em 2 de setembro de 1966, o Papa Paulo VI complementou o decreto conciliar sobre a vida religiosa, Perfectae Caritatis, lançando o Motu Proprio “Ecclesiae Sanctae”, no qual pedia a todos os religiosos que “examinassem e renovassem seus modos de vida na direção do engajamento em experimentações em larga escala”. O Papa adicionou a seguinte frase: “contanto que o propósito, a natureza e a característica dos institutos sejam conservados”. Lida a partir do “espírito” da época, esta frase foi quase que totalmente ignorada. De fato, aqueles institutos com maior vontade de experiências novas foram os que mais ignoraram a advertência do Papa. As Irmãs do Imaculado Coração de Maria estavam entre as primeiras que responderam assim, de tal modo que em 6 semanas a carta do Papa já tinha circulado entre os 560 membros da comunidade. Uma série de comissões foi designada para estudar cuidadosamente todos os aspectos de seus compromissos religiosos.

Ordens religiosas como a das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, que na época já eram maiores do que nunca haviam sido em sua história, pareciam à beira de ganhar ainda mais vocações, à medida que se renovavam e se livravam de comportamentos e vestuários antigos. As meninas que suas próprias escolas haviam educado tornavam-se vocacionadas a aumentar o número das Irmãs. Um membro daquela geração que havia decidido se tornar uma freira do Imaculado Coração foi Jeanne Cordova. Ela graduou-se na primavera de 1966. Logo depois, em um ensolarado dia de setembro do mesmo ano, dirigia-se para o noviciado em Santa Bárbara, junto com algumas irmãs que foram assistir a ocasião em que iniciaria sua vida como Irmã.

Em 1° de janeiro de 1967, Jeanne foi chamada ao escritório da madre superiora. Foi-lhe comunicado que ela e suas colegas noviças estavam sendo mandadas para o “mundo real”, o que no caso representava um apartamento no centro de Los Angeles. Lá Jeanne tinha insônias olhando para as luzes dos prédios e pensando no que poderia ter acontecido com ela e seu convento, o ambiente que havia escolhido em lugar deste “mundo real”.

Como parte de sua entrada no mundo real, Jeanne foi engajada no Colégio Imaculado Coração, a escola “modelo” da ordem, onde ela participou do “Projeto de Inovação Educacional” de Rogers em primeira mão através do “treinamento da sensibilidade”, e posteriormente através dos professores que haviam também tomado parte neste treinamento.

Nada parecia sintetizar melhor a “nova espiritualidade” do que o “treinamento da sensibilidade” de Rogers. Em seu entusiasmo pelos Grupos de Encontro de Rogers, as irmãs mais velhas pareciam ter esquecido o fato de que estudantes como Jeanne Cordova achavam a experiência muito mais perturbadora do que revigorante. “Muitas vezes”, escreveu uma das colegas de Jeanne, “eu ouvi dizer que as colegas achavam que estavam sendo forçadas… a falar coisas que não queriam dizer; eu mesma me sentia desconfortável quando estava com pessoas que se abriam de tal modo a ponto de dizer coisas que sentia que não deveria ter ouvido. Eu acho que criava um certo desconforto, o que parecia ser um obstáculo, e não uma ajuda para as relações pessoais. Ainda, eu sentia que havia ganhado conhecimento demais acerca dos comportamentos dos outros”. Outra estudante parecia ainda mais incomodada: “Senti-me perdida naquele grupo de encontro hoje: como se estivesse muito nua, pois todos sabiam demais sobre mim”.

Já há tempos algumas freiras haviam começado a se sentir nuas também, principalmente porque, como resultado da perda dos escrúpulos na ordem em nome da abertura “californiana”, muitas já estavam tirando literalmente a roupa e tendo relações sexuais umas com as outras. Ao invés de terem feito uma leitura atenta do artigo de Rogers sobre grupos de encontro, e terem se prevenido da passagem que relata haver “sentimentos que têm componentes de ordem sexual”, e terem agido de acordo com seus votos de castidade, as Irmãs do Imaculado Coração de Maria, em nome da “abertura” e da “inovação”, decidiram ter lições sobre paixão humana com experiências concretas. Em nome da novidade, o ascetismo religioso foi abolido da vida do convento. Jeanne parou de ir à Missa às 6:30 da manhã, porque as irmãs não eram mais “obrigadas” a ir para a Missa. À medida que a vida religiosa evaporava, as irmãs se voltavam umas para as outras para buscar suporte. Amizades particulares começaram a abundar e, na atmosfera da época, algumas dessas amizades inevitavelmente se tornaram sexuais. É claro que isto significava que a vida no convento havia se tornado caótica:

“Na primavera de 1967 eu observava Michelle e Sally e as outras freiras. Via muitas que não iam à Missa, muitas amizades particulares, toda uma sub-cultura de grupos, de como você podia se livrar de todas as regras. Para uma postulante solitária em um mundo sem amigos, era uma humilhação absurda. Eu perdi meu amor por Jesus e pela Irmãs, que me traíram e macularam minha inocência… Eu estava afundada em um mar de desilusões… Tudo que sempre quis era ser freira. Agora que era uma, era um inferno”.

Jeanne Cordova viu que não podia contar aos pais sobre as mudanças, provavelmente porque eles estavam tão confusos com a seqüência dos eventos quanto ela. “Mamãe era de classe alta, criada num convento católico de Queens, Long Island, que só ouviu falar sobre controle de natalidade no jornal, entre seu nono e décimo filho”. Na atmosfera conturbada do “atualizado” e caótico convento, em que as irmãs do Imaculado Coração de Maria deviam abrir seus sentimentos nos grupos de encontro que estavam realizando, Jeanne achou consolo no contato sexual com uma das outras irmãs. Rancorosa e sexualizada pela experiência no convento, Jeanne se converteu numa ativista do lesbianismo.

“Eu canalizei a minha raiva no amor pelos gays e pelas pessoas “oprimidas”. Minha amargura desejava que todos mudassem e aceitassem nossos “direitos”. Aprendi que a raiva pode nos levar a caminhos que outros não têm coragem de seguir, e que a revolta pode ser boa aos olhos de um Poder Maior, seja qual for ele,  um Poder que nos dá a correta raiva para nos proteger”.

Outras irmãs do Imaculado Coração de Maria (ICM) tiveram experiências similares. Irmã Maria Benjamin, assim como Jeanne, foi levada ao noviciado pela sua grande e católica família. Assim como Jeanne, Irmã Maria Benjamin tinha sido estudante no colégio do Imaculado Coração, onde, quatro anos antes, durante o verão de 1966, havia sido “introduzida ao treinamento de sensibilidade, a primeira incursão da ordem no movimento do pleno potencial humano”. No seu grupo de encontro, Irmã Maria conheceu Eva, “uma morena grande, de cabelos negros e olhos castanhos”.

Dado o espírito da época, a alquimia desta relação era tão previsível quanto aquela que seduziu Jeanne Cordova. “A ordem não mais proibia amizades particulares”, contou Irmã Maria, “então o contato tornou-se sexual”. Irmã Maria procurou aconselhar-se com um padre, mas ao que parece este também estava contaminado pelo “espírito” da época, e “se recusou a julgar minhas ações. Ele disse que eu devia decidir se estava certa ou errada. Ele abriu uma porta, e eu entrei por ela, descobrindo que estava inteiramente sozinha”. Quando Irmã Maria contou a Eva que “estava preocupada por sentir que estava apaixonada por ela”, Eva respondeu dizendo: “Ótimo! Aproveite!”.

Porém o relacionamento de Irmã Maria com Eva tornou-se pouco proveitoso. Depois que a relação se tornou sexual, houve uma separação dolorosa, o que por sua vez precipitou uma ruptura com a Igreja Católica. Irmã Maria, como muitas lésbicas, estava então solta em um mar de relacionamentos passageiros. Um relacionamento que se mostrou especialmente passageiro foi sua relação com a Igreja Católica. “Amando Eva…” ela escreveu,

“…eu estava indo numa direção contrária aos objetivos conventuais de obediência e serviço à Igreja. Comecei a tomar decisões, não sem culpa, mas de acordo com minha intuição e com a ‘sabedoria do meu corpo’. Comecei a enxergar a Igreja de modo objetivo. Era liderada por homens, não mais por Deus. Minha ligação com a Igreja deixou de ser obra de fé, e passou a ser só uma escolha”.

Na verdade, se Irmã Maria tivesse lido Wilhelm Reich, teria percebido que, uma vez tendo começado a agir com base em seus impulsos sexuais ilícitos, seu afastamento da Igreja seria mais uma certeza do que uma escolha. Uma vez colocando em prática seus impulsos lésbicos, o afastamento da Igreja era inevitável.

Devido a seu subseqüente ativismo feminista, Irmã Mary simplesmente não pôde compreender racionalmente o que havia acontecido com ela. Tudo havia se tornado uma questão de “libertação” da opressão, e já que a cultura Protestante formal à qual se ligou tinha séculos de experiência em tratar a vida conventual como uma forma de opressão, não foi surpresa que ela tenha visto as coisas desse jeito mesmo. Se havia forças sinistras em operação no afastamento da Irmã Maria do convento e da fé católica, o lesbianismo que substituiu seu catolicismo a impediu de qualquer compreensão do que seriam essas forças. As categorias do ativismo lésbico e gay tomaram conta de sua mente e impediram qualquer outra explicação sobre o que estava ocorrendo com ela.

Assim como Jeanne Cordova, Jean O’Leary entrou no convento das irmãs do ICM em 1966. Assim como Jeanne, ela foi imediatamente introduzida no regime das ordens religiosas “renovadas”, o que significava que “estávamos constantemente juntas, falando sem fim e intensamente em sensibilidade e em grupos de encontro sobre amor, esperança e filosofia”. Assim como ocorreu com os dois exemplos anteriores, todo este “discurso intensamente emocional” sobre “grandes pensadores e psicologia moderna” inevitavelmente a levou a desejos sexuais, os quais inevitavelmente a levaram à atividade sexual, o que inevitavelmente a levou a uma crise religiosa, quando se tornou evidente que as freiras estavam agindo de modo incompatível com os votos que haviam professado. Neste ponto, as freiras tinham que fazer uma escolha: conformar seus princípios com suas vidas, ou conformar suas vidas com seus princípios. As que persistiam em suas atividades sexuais acabavam saindo.

Como previu Wilheim Reich em seu livro “Psicologia de Massa do fascismo” (Mass Psychology of Fascism), atos sexuais ilícitos levam inevitavelmente à perda da fé. Como Irmã Maria, Jean O’Leary procurou um padre para aconselhamento, mas como no exemplo anterior, o padre era ele mesmo um psicólogo que havia sido trazido para a ordem a fim de facilitar os mesmos grupos de encontro que foram os catalisadores da atividade sexual que estavam causando este problema.

Como era de se esperar, não houve nenhuma ajuda espiritual neste aconselhamento, e Jean O’Leary começou outro caso, desta vez com a mestra de noviças, antes de sair da comunidade religiosa e se unir ao movimento político em prol do lesbianismo.

No mesmo período em que Jean O’Leary colocava para fora seus impulsos sexuais, Abraham Maslow, um dos criadores da psicologia que havia permitido a ela e a outras freiras agirem de acordo com seus recém-descobertos impulsos sexuais, estava repensando suas idéias sobre todo o fenômeno dos grupos de encontro. “Tenho estado em contínuo conflito”, ele escreveu em seu diário, “por muito tempo sobre isso, sobre esta educação dionisíaca, orgiástica, baseada na experiência de Esalen”. Maslow nem sempre teve conflitos deste tipo. Escrevendo no Journal of Psychology em 1949, ele disse: “Posso testemunhar que as pessoas mais pagãs, mais instintivas, e que mais aceitam sua natureza animal são as pessoas mais saudáveis em nossa cultura”.

Em 17 de abril de 1962, três anos antes do artigo de Rogers sobre grupos de encontro ter sido divulgado entre as freiras de Los Angeles, Maslow deu uma palestra para um grupo de irmãs no Sagrado Coração, um colégio católico feminino em Massachusetts. Maslow anotou na mesma data em seu Diário que a palestra teve muito “sucesso”, mas ele achou aquele fato muito perturbador. “Elas não deviam me aplaudir”, ele escreveu, “elas deviam me criticar. Se elas estivessem conscientes do que estava propondo, deviam criticar”.

A razão pela qual as freiras deveriam tê-lo criticado fica evidente da leitura de outros artigos escritos na mesma época. Maslow sabia que os grupos de encontro eram perigosos para os católicos em geral, e especialmente “tóxicos” para religiosos. Qualquer um que promovesse encontros de grupo entre católicos estava promovendo ipso facto seu afastamento do catolicismo, mesmo se o fizesse em nome da “libertação” ou com este mesmo intuito.

Em 25 de fevereiro de 1967, Maslow escreveu em seu diário que “Talvez religiosos precisem de regras, dogmas, cerimônias etc”. Ele então anotou para comprar um livro chamado “Vida Entre os ‘Lowbrows’” na livraria Brandeis. Ele talvez tenha feito isso porque o autor deste livro escreveu que “clientes com retardo mental se comportam muito melhor e se sentem melhor sendo católicos e seguindo todas as regras”. Já que as freiras não tinham retardo mental, isto significava que o advento da “auto-atualização” para as freiras significava a destruição do compromisso com seus votos e com a Igreja Católica. Talvez seja por isso que Maslow achou que as freiras não deviam tê-lo aplaudido na palestra em 1962. Maslow, que tinha participado do “Laboratório Nacional de Treinamento”, em Bethel, Maine, onde os grupos de encontro foram criados com a ajuda dos subsídios do Escritório de Pesquisa Naval, sabia que eles tinham sido criados como uma forma de guerra psicológica, e tinha uma noção do que poderiam causar nas freiras, mas coube ao seu colega Carl Rogers efetivamente conduzir o experimento.

“Acho que o que estou querendo dizer aqui”, Maslow escreveu em seu jornal em 1965, o mesmo ano em que Rogers começou a divulgar seu artigo sobre pequenos grupos de encontro entre as freiras do Imaculado Coração de Maria (ICM), e pela mesma época em que as freiras começaram a deixar o convento,

“… é que todos estes tipos de relações terapêuticas interpessoais de crescimento que se baseiam na intimidade, na honestidade, em abrir sua intimidade, em se tornar sensitivamente consciente do próprio self – e conseqüentemente na responsabilidade em alimentar impressões uns sobre os outros etc – é que estes são mecanismos profundamente revolucionários, no sentido próprio da palavra – ou seja, no sentido de mudar completamente todo direcionamento de uma sociedade em uma determinada direção. Na verdade, poderia se tornar revolucionário em outro sentido se se tornasse amplamente utilizado. Penso que toda a cultura e tudo que diz respeito a ela mudaria em questão de uma década”.

O que era para ser verdade para a grande cultura já era uma verdade literal nas ordens religiosas na Igreja Católica. Toda uma cultura mudou realmente, concretamente, depois que os grupos de encontro se tornaram amplamente utilizados, mas em nenhum lugar a mudança foi tão dramática quanto na Igreja Católica, onde literalmente destruiu as ordens religiosas que resolveram experimentá-los. Depois de manter contato com seus “self”, todas as freiras queriam sair de suas ordens religiosas e ter relações sexuais, e nem sempre faziam as coisas exatamente nesta seqüência. “Um exemplo deste poder”, escreveu 30 anos depois o assistente de Rogers, W. R. Coulson, “foram as conversões que se seguiram aos workshops de Rogers. Um padre católico participou de um workshop de 5 dias na década de 60, e depois deixou o sacerdócio para estudar psicologia com Rogers, que tinha sido seu facilitador de grupo. E isso aconteceu repetidamente. Sobre o workshop que o `converteu`, ele escreveu posteriormente que estava inicialmente cético, mas que “Já pela Quarta-feira… algo novo, intrigante e intoxicante, e não menos assustador se tornou real em mim… parecia um belo nascimento para uma nova existência… não sabia o quanto desconhecia meus sentimentos mais profundos nem quão valiosos eles podiam ser para as outras pessoas… nunca antes daquela experiência no grupo de encontro tinha experimentado a mim mesmo tão intensamente”.

O padre talvez não tenha notado, mas tanto Maslow quanto Rogers estavam envolvidos na engenharia sexual do comportamento. Religiosos católicos que deveriam ter vidas ascéticas tendo o amor como razão para o ascetismo estavam agora experimentando o “amor” do qual já tinham ouvido falar anteriormente em termos abstratos e vagos, e estavam em sua maioria extasiados pela experiência. A eficácia do grupo de encontro estava baseada na violação deliberada das inibições sexuais que tornam a vida cotidiana possível. Quando as inibições caíam, a emoção que fluía para preencher o vácuo se parecia muito com o amor com que os cristãos são chamados a amar o próximo. Na verdade, porém, ela estava mais perto de uma libido descontrolada, que podia agora ser utilizada pelo facilitador como a energia a impulsionar a engenharia social por ele desejada.

Maslow nunca foi tímido em propor a atividade sexual como forma de engenharia social. Numa passagem de seu livro Eupsychian Management (que todavia foi posteriormente suprimida pelos editores que relançaram o livro em 1988 com o título Maslow on Management), ele disse:

“Sempre me pareceu muito positiva a atitude dos negros da classe baixa, como exposto em um estudo em Cleveland, Ohio. Entre estes negros a vida sexual começava na puberdade. Isto me parece extremamente sensível e positivo e pode servir também como finalidade altamente terapêutica em muitas outras maneiras. Lembro-me de ter falado sobre isso com Alfred Adler, meio brincando. Mas depois começamos a falar sério, e Adler achou que esta terapia sexual seria uma coisa muito boa para todas as idades. Enquanto discutíamos o pensamento, vislumbrávamos uma espécie de trabalhador social de ambos os sexos, que poderia ser muito bem treinado para este tipo de coisa, agindo como psicoterapeuta, mas misturando uma iniciação sexual bonita e gentil com as finalidades formais da psicoterapia”.

No final da década de 60, logo antes de sua morte, Maslow se confrontava não com a teoria dos grupos de encontro e a terceira força da psicologia, a humanística, mas com sua prática cada vez mais ampla, e o que ele viu o assustou. Um ano antes de sua morte, ele podia então detectar em todas estas atividades o odor da “insanidade e da morte” (17 de maio de 1969, artigo de jornal).

Os erros expressados pelos criadores da psicologia humanística não eram compartilhados pelos seus mais entusiastas pupilos, que estavam mais preocupados em “dar terapia literalmente no divã”, especialmente entre as freiras, do que em expressar os erros e as conseqüências das coisas que fluíam deste tipo de comportamento. Em “Hollywood Priest”, um livro de memórias de seus anos como produtor de TV e padre paulino, o Reverendo Elwood “Bud” Kieser descreve seu encontro com uma freira que identifica apenas como “Genevieve”, na casa de retiro das Irmãs do Imaculado Coração de Maria (ICM) em Santa Bárbara em 1964. (A estória de Kieser tem múltiplas semelhanças com a estória de James F. T. Bugental, um dos seguidores de Rogers que clinicava em Los Angeles e acabou se casando com uma então freira do ICM, Elizabeth Keebler).

Durante o outono de 1965, Kieser estava em Roma cobrindo o final do Concílio Vaticano II. Quando ele retornou no final do ano, conscientizou-se que tinha se apaixonado profundamente pela Irm㠓Genevieve”. Esta anunciou então a ele, quando se encontraram de novo na casa de retiro, que estaria começando uma psicoterapia. Kieser ficou abalado por este anúncio, mas disse que “admirava sua coragem em lidar com a situação e tentar fazer algo”. Kieser nunca explicou que “situação” era aquela ou porque ela necessitou de tratamento em 1966, mas a maior parte do motivo estava nos grupos de encontro em que as freiras estavam envolvidas. De acordo com a teoria da psicologia do encontro, quem reprime a libido é um louco, sofre de uma patologia. Posto que todas as freiras reprimiam a libido, logo eram todas loucas, e, por isso, candidatas à terapia, embora apenas as mais corajosas tivessem os brios de descer ao próprio inconsciente para prová-la.

Como era de se esperar, Genevieve achou a terapia dolorosa. Como resultado, ela procurou Pe. Kieser para aconselhamento; estava em dúvida se continuava ou não, pois não estava certa de poder confiar em seu terapeuta. Kieser, que havia lido um livro escrito pelo mesmo terapeuta, assegurou que ela podia confiar em Harry, o pseudônimo que Kieser usou para o terapeuta. Foi um conselho do qual Kieser iria viver o suficiente para se arrepender. Para começo de história, o primeiro resultado da terapia de Genevieve foi que ela se convenceu de que sua decisão de entrar no convento foi baseada “na repressão, mais do que na sublimação de seus desejos sexuais”. E agora, no meio da revolução sexual dos anos 60, quando Genevieve já estava perto dos 40 anos, “aqueles mecanismos de repressão pareciam estar caindo”. A explicação da queda destes mecanismos se torna claro quando Kieser descreve o tipo de terapia à qual Irmã Genevieve estava sujeita:

“Bem cedo na terapia, seu terapeuta – vamos chamá-lo Harry – tinha sugerido um pouco de dinâmicas sexuais para ajudá-la com suas repressões. Quase todos os terapeutas considerariam isso hoje uma séria infração do código de ética. Mas nos anos 60 estes procedimentos não eram incomuns. Ela cedeu. Quando ela me contou, fiquei furioso. Ela decidiu parar. Mas ela estava vulnerável. Ele também estava. Uma vez iniciado este tipo de coisa, é difícil controlar. Tornou-se um problema em sua terapia”.

Pelo verão de 1967 o problema se tornou tão sério que Harry arranjou outro terapeuta para “Genevieve”. Mas já no outono, eles começaram a se encontrar fora da terapia, e o relacionamento sexual somente se intensificou, o que “Genevieve” confidenciou a Pe. Kieser. Ele estava agora consumido tanto por “pura inveja masculina” quanto por uma indignação justificável, por causa do flagrante abuso da relação terapeuta-cliente.

Harry (o terapeuta) era casado com outra mulher na época, uma mulher de quem ele seria capaz de se separar para casar com Irmã Genevieve. Pe. Kieser, por sua vez, estava tendo tempos difíceis discernindo se seus sentimentos eram motivados por indignação moral ou por simples inveja. Ele estava tão consternado que se imaginava matando Harry (o terapeuta). O fato é que ele nunca compreendeu o que estava acontecendo, embora tivesse mencionado o fato de que a revolução sexual dos anos 60 talvez tivesse algo a ver com isso:

“Estávamos ambos imersos na revolução cultural que caracterizou a sociedade americana e a Igreja Católica durante os anos 60. O consenso que caracterizava tanto a sociedade quanto a Igreja estava se desfazendo. Por todos os lados a autoridade, a fé e as instituições estavam sendo desafiadas. Suspeitava-se dos dogmas, as certezas eram abolidas, os absolutos eram questionados, os valores rigorosamente analisados, e as regras eram rotineiramente quebradas. A revolução sexual estava a pleno vapor, e sua mensagem inicial parecia ser: ‘Se você se sente bem, então continue’”.

Kieser não estava apenas vivenciando a revolução cultural dos anos 60, ele estava testemunhando o mecanismo que a liderou em primeira mão, e ainda se mantinha cego ao que estava ocorrendo bem na frente de seus olhos. Wilhelm Reich poderia ter explicado para ele. Votos religiosos e adultério não se misturam. Pessoas envolvidas simultaneamente com os dois terão um dia que escolher entre um ou outro. Já que o sexo deste tipo é altamente “viciante”, a escolha geralmente recai sobre os votos religiosos feitos para servir a Igreja. O sexo foi a melhor maneira de “liberar” as freiras de seus conventos.

Como diria Leo Pfeffer em 1976, a revolução cultural dos anos 60 foi uma batalha entre o Iluminismo (como exposto pelos judeus e protestantes liberais) e a Igreja Católica. O sexo foi simplesmente a arma mais efetiva que o Iluminismo trouxe para travar esta batalha. Reich explicitou o uso do sexo como um método para destruir a fé religiosa, especialmente entre o clero, em sua maior obra de política sexual, “The Mass Psychology of Fascism”, que estava novamente sendo lida na mesma época que Kieser estava preocupado com o comportamento de Irmã Genevieve. Mas Kieser não leu Reich, e mesmo que o tivesse feito, seria provavelmente incapaz de entendê-lo. A razão é bastante simples. Kieser tinha se apropriado tanto das categorias psicológicas dos seus inimigos que não poderia entender o que estava acontecendo bem na frente de seus olhos com Irmã Genevieve e sua ordem religiosa. Devido à sua proximidade com Irmã Genevieve, ele foi o protagonista da saída dela da ordem, algo que ele percebeu – “Senti-me de algum modo responsável. Se tivesse decidido diferentemente, será que ela teria decidido diferentemente também? “ – mas só quando já era tarde demais.

Kieser tentava valentemente entender o que estava acontecendo, mas falhava a cada vez, confundido que estava com as categorias que a cultura o havia dado. Quem pode afinal argumentar contra a liberação? Mesmo quando esta significa a renúncia aos sagrados votos? A cada momento, a tentativa de Kieser de entender o que estava acontecendo era confundida pelas categorias da nova psicologia, que foi a responsável por colocar Ir. Genevieve em problemas. “Estavam suas dificuldades de fé relacionadas com suas dificuldades sexuais?” Kieser pensa, fazendo uma confusão. Mas mesmo quando ele chega na resposta correta, ele não pode persegui-la devido às categorias psicológicas que tinha absorvido da cultura californiana. “Eu não sei, mas sei que quando você reprime qualquer faceta da sua humanidade, você violenta todas as outras facetas. Também inibe sua capacidade de relacionar-se com Deus”. Então, a fim de remediar sua inabilidade de relacionar-se com Deus, deveria Ir. Genevieve se engajar em atividades sexuais com seu terapeuta, pois isto quebraria as repressões? Kieser parecia incapaz de fazer algo além de colocar mais gasolina no fogo.

A fim de entender melhor o que estava acontecendo, Pe. Kieser decidiu participar de “uma das maratonas de sessões terapêuticas então em voga” das quais Ir. Genevieve estava participando. O encontro durou 22 horas, mas perto do seu final, Kieser ainda não conseguia entender a conexão entre grupos de encontro e a perda de fé e subseqüente atividade sexual de Ir. Genevieve. Na verdade, não só Pe. Kieser não conseguiu ver o grupo de encontro como parte do problema, como saiu de lá “maravilhado”.

Kieser havia mergulhado no mecanismo que estava destruindo a ordem das Irmãs do ICM, e não estava sequer consciente do que estava acontecendo com ele. “Sua terapia continuou a ser dolorosa”, continuou o “cego” Pe. Kieser. “Algumas vezes parecia que ela estava envolvida em um turbilhão que a estava puxando pra baixo e pra baixo até a extinção”.

No dia de Ação de Graças de 1967, Genevieve informou o Pe. Kieser que Harry (o terapeuta) tinha deixado sua mulher e estava entrando com pedido de divórcio. Ir. Genevieve estava agora vivendo com seu terapeuta até que o divórcio dele se concretizasse, quando depois se casariam. Kieser se descreveu como estarrecido diante da revelação, “porque isto marcava sua definitiva ruptura com a Igreja, e conseqüentemente com aqueles valores – amor, fidelidade, sacrifício pessoal, respeito pelo direito dos outros, honestidade – que a Igreja nos ensina, e os quais sempre pensei que tínhamos em comum”. Genevieve também não parecia muito feliz, admitindo a Kieser que “se sentiria culpada até o final da vida pelo que tinha feito com a mulher de seu terapeuta”.

As irmãs haviam atingido o auge do seu poder enquanto organização ao mesmo tempo em que os católicos estavam usufruindo excepcional acolhimento político, sendo a eleição de John F. Kennedy à Casa Branca seu maior exemplo. A Ordem do Imaculado Coração de Maria tinha 560 freiras logo no começo do projeto e coordenava um sistema de 60 escolas. Como todas as irmãs nos Estados Unidos, que chegavam a 186 mil na época, as irmãs do ICM tinham atingido o apogeu de sua influência nos vinte anos posteriores ao final da Segunda Guerra Mundial.

Era inevitável que houvesse um contato entre as Irmãs do Imaculado Coração de Maria e Carl Rogers, pois ambos atingiram o apogeu de suas influências na mesma época e no mesmo local, a Califórnia dos anos 60, um local propício para a criação do ambiente de “revolução cultural”.

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Notas:

 

*** Esta é uma tradução de parte do artigo: “Carl Rogers and the IHM Nuns: Sensitivity Training, Psychological Warfare and the ‘Catholic Problem’”, retirado do livro “Libido Dominandi: Sexual Liberation and Political Control”, escrito por E. Michael Jones, Ph.D., editor da revista “Culture Wars”. O artigo completo está disponível em inglês no site da revista (http://www.culturewars.com/CultureWars/1999/rogers.html). Traduzido e publicado com permissão do autor. Lembramos que não é lícito copiar ou reproduzir este artigo sem a devida autorização do autor.

*** Nota do tradutor: O objetivo deste artigo não é questionar a validade de práticas profissionais de Psicologia autorizadas pelo Conselho Federal de Psicologia, mas sim fornecer subsídios para a discussão da relação de certas teorias psicológicas e eventos histórico-culturais com a propagação e manutenção da fé Católica. Adicionalmente, não se busca culpar o Concílio Vaticano II por certos fatos que eventualmente tenham ocorrido no interior da Igreja Católica no período pós-Conciliar, como querem alguns grupos ultra-tradicionalistas. Muito pelo contrário, pretende-se dizer que, se houveram problemas, estes se originaram (como deve ter ficado claro da leitura do texto) de interpretações incorretas ou insuficientes da letra conciliar, muitas vezes surgidas a reboque de um equivocado  “espírito do Concílio”.

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