Carta aberta aos bispos do brasil – sobre a defesa da vida humana

Aos Reverendíssimos Senhores Bispos do Brasil,

Sobre a Defesa da Vida Humana

INTRODUÇÃO

O Código de Direito Canônico, em seu cânon 212, garante ao fiel o direito, e estipula mesmo o dever, de manifestar sua opinião aos seus Pastores, mesmo publicamente, sobre aquilo que afeta a vida da Igreja, guardando o devido respeito e obediência que lhes são devidos: “De acordo com a ciência, a competência e o prestígio de que gozam, [os fiéis] têm o direito e, às vezes, até o dever de manifestar aos Pastores sagrados a própria opinião sobre o que afeta o bem da Igreja e, ressalvando a integridade da fé e dos costumes e a reverência para com os Pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas, dêem a conhecer essa sua opinião também aos outros fiéis” (§3).

É fazendo uso deste direito que nos é concedido pela Igreja, que este Apostolado vem, por meio desta missiva, manifestar-lhes nossa opinião sobre a defesa da Vida Humana em nosso país.

Fazemo-no, contudo, no espírito de sincero respeito e sujeição aos nossos Pastores, na condição de simples fiéis leigos, sem nada dizermos de nossa parte, mas em tudo nos conformando com a Igreja Santa e Católica.

1. Do múnus de ensinar dos Bispos

O Concílio Ecumênico Vaticano II explicitou, em tudo se apegando ao Concílio Ecumênico do Vaticano I, a doutrina sobre o poder e a autoridade dos Bispos na Igreja. De todos conhecida, esta doutrina, desde sempre presente no Depósito da Fé, estabelece a missão dos Bispos, como Sucessores dos Apóstolos, de ensinar e propagar o Cristianismo por toda a terra, junto ao seu Chefe, o Papa, Sucessor de Pedro. Sobre tanto, estabelece a Constituição Dogmática Lumen Gentium: “Estes pastores, escolhidos para apascentar o rebanho do Senhor, são ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus (cfr. 1 Cor. 4,1); a eles foi confiado o testemunho do Evangelho da graça de Deus (cfr. Rom. 15,16; At. 20,24) e a administração do Espírito e da justiça em glória (cfr. 2 Cor. 3, 8-9)” (n.21); e em outro momento: “O cuidado de anunciar o Evangelho em todas as partes da terra pertence ao corpo dos pastores, aos quais em conjunto deu Cristo o mandato, impondo este comum dever, como já o Papa Celestino recordava aos Padres do Concílio de Éfeso. Pelo que, cada um dos Bispos, quanto o desempenho do seu próprio ministério o permitir, está obrigado a colaborar com os demais Bispos e com o sucessor de Pedro, a quem, dum modo especial, foi confiado o nobre encargo de propagar o cristianismo. Devem, por isso, com todas as forças, subministrar às Missões, não só operários para a messe, mas também auxílios espirituais e materiais, tanto por si mesmos diretamente como fomentando a generosa cooperação dos fiéis” (n.23). Também em outro de seus documentos, no Decreto Christus Dominus, sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja, ensinou: “Por outro lado, porém, também os Bispos, constituídos pelo Espírito Santo, sucedem aos Apóstolos como pastores das almas, e, juntamente com o Sumo Pontífice e sob a sua autoridade, foram enviados a perpetuar a obra de Cristo, pastor eterno. Na verdade, Cristo deu aos Apóstolos e aos seus sucessores o mandato e o poder de ensinar todas as gentes, de santificar os homens na verdade e de os apascentar. Por isso, foram os Bispos constituídos, pelo Espírito Santo que lhes foi dado, verdadeiros e autênticos mestres, pontífices e pastores” (n.2). Era a este múnus de ensinar que aludia Santo Inácio de Antioquia (†107), ao conclamar todos os cristãos a seguirem seu Bispo, na Carta aos Esmirnenses: “Segui ao Bispo, vós todos, como Jesus Cristo ao Pai. Segui ao presbítero como aos Apóstolos. Respeitai os diáconos como ao preceito de Deus. Ninguém ouse fazer sem o Bispo coisa alguma concernente à Igreja. Como válida só se tenha a Eucaristia celebrada sob a presidência do Bispo ou de um delegado seu. A comunidade se reúne onde estiver o Bispo e onde está Jesus Cristo está a Igreja Católica. Sem a união do Bispo não é lícito batizar nem celebrar a Eucaristia; só o que tiver a sua aprovação será do agrado de Deus e assim será firme e seguro o que fizerdes”. Ora, a exortação de Santo Inácio não teria razão de ser se ele não tivesse ciência do dever do Bispos de ensinar a verdadeira Fé, e, portanto, também dos fiéis de seguí-los.

2. Da Vida Humana

A Igreja sempre teve uma clara doutrina sobre o valor da Vida Humana e do nosso dever de defendê-la. Sobrevêm-nos à mente, sobretudo, a Encíclica Evangelium Vitae, do Servo de Deus João Paulo II. Nesta grandiosa Encíclica, marco de seu Pontificado, o Papa relembrou esta perene Doutrina da Igreja sobre a Vida: “O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus. A sublimidade desta vocação sobrenatural revela a grandeza e o valor precioso da vida humana, inclusive já na sua fase temporal. […] [A Vida] trata-se, em todo o caso, de uma realidade sagrada que nos é confiada para a guardarmos com sentido de responsabilidade e levarmos à perfeição no amor pelo dom de nós mesmos a Deus e aos irmãos. […] Mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo o homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf. Rm 2, 14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até ao seu termo, e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente respeitado este seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política. […] É por este motivo que o homem, o homem vivo, constitui o primeiro e fundamental caminho da Igreja” (n.2).

3. Das ameaças à Vida Humana

Entretanto, ao lado do grande valor da Vida Humana, não lhe faltam ameaças, sempre sérias e muito graves. Vemos os contraceptivos, as ilícitas uniões das pessoas de mesmo sexo, a chacina de embriões em laboratório e o hediondo crime do aborto, chaga da sociedade moderna.

Nestes crimes horríveis contra a Vida, a sociedade se perde e se desconstrói. Pois se não há o respeito à Vida, que mais haverá? Desrespeitar a Vida Humana, renegá-la e mesmo condená-la, é desrespeitar, condenar e renegar ao próprio Deus; de tal maneira que aqueles que renegam e condenam a Vida Humana, renegam e de novo condenam ao suplício da Cruz o próprio Deus.

Neste sentido, o Concílio Ecumênico Vaticano II veementemente condena as ameaças à Vida Humana que grassam na sociedade moderna: “Além disso, são infames as seguintes coisas: tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n.27).

Especialmente no que se refere ao aborto, grave chaga que nosso país corre o risco de aceitar e colocar sobre si, muitas vezes falou o Papa João Paulo II, na sua Encíclica Evangelium Vitae. Também o Servo de Deus Paulo VI, por meio da Congregação para a Doutrina da Fé, ensina: “A Tradição da Igreja sempre considerou a vida humana como algo que deve ser protegido e favorecido, desde o seu início, do mesmo modo que durante as diversas fases do seu desenvolvimento. Opondo-se aos costumes greco-romanos, a Igreja dos primeiros séculos insistiu na distância que, quanto a este ponto, separa deles os costumes cristãos. No livro chamado Didaqué diz-se claramente: ‘Tu não matarás, mediante o aborto, o fruto do seio; e não farás perecer a criança já nascida’. Atenágoras frisa bem que os cristãos têm na conta de homicidas as mulheres que utilizam medicamentos para abortar; ele condena igualmente os assassinos de crianças, incluindo no número destas as que vivem ainda no seio materno, ‘onde elas já são objeto da solicitude da Providência divina’. Tertuliano não usou, talvez, sempre a mesma linguagem; contudo, não deixa também de afirmar, com clareza, o princípio essencial: ‘É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser’” (Declaração sobre o Aborto Provocado, n.6).

4. Do dever dos Bispos de defender a Vida Humana

Diante, portanto, de tão graves ameaças à Vida Humana, que batem também à porta desta Terra de Santa Cruz, nosso amado Brasil, cabe aos Bispos o dever de vigorosamente defender a Vida Humana, com destemor e autoridade, em comunhão com o Papa, Sucessor de Pedro e a quem primeiro cabe este nobre dever. O Bispo, como legítimo Sucessor dos Apóstolos, deve em tudo buscar defender o Evangelho da Vida contra aqueles que defendem o “apócrifo Escrito da Morte”; para isso, utilizará com destemor de sua autoridade, a qual lhe foi concedida pe próprio Cristo, tendo a seu lado o apoio dos fiéis, que em tudo seguirão seu Pastor.

Este nobre dever do Bispo, de ser Cruzado a favor da Vida, é ensinado pelo Concílio Vaticano II: “No exercício do seu múnus de ensinar, anunciem o Evangelho de Cristo aos homens, que é um dos principais deveres dos Bispos, chamando-os à fé com a fortaleza do Espírito ou confirmando-os na fé viva. Proponham-lhes na sua integridade o mistério de Cristo, isto é, aquelas verdades que não se podem ignorar sem ignorar o mesmo Cristo. E ensinem-lhes o caminho que Deus revelou para ser glorificado pelos homens e estes conseguirem a bem-aventurança eterna. […] Ensinem, por isso, quanto, segundo a doutrina da Igreja, valem a pessoa humana, com a sua liberdade e a própria vida corpórea; a família e a sua unidade e estabilidade, a procriação e a educação dos filhos; a sociedade civil, com as suas leis e profissões; o trabalho e o descanso, as artes e a técnica; a pobreza e a riqueza. Exponham, por fim, os princípios com que se hão de resolver os problemas gravíssimos da posse, do aumento e da justa distribuição dos bens materiais, da paz e da guerra, e da convivência fraterna de todos os povos” (Decreto Christus Dominus, n.12).

 

5. Não ceder às pressões do Estado

E nesta sua tão grave missão como Sucessor dos Apóstolos, a de ser Cruzado a favor da Vida, o Bispo não deve temer nem ceder às pressões do Estado. Ele, pelo poder que lhe foi conferido por Cristo, tem a autoridade de ensinar e proferir o juízo moral da Igreja a respeito das ameaças à Vida Humana; e o Estado deve se conformar à Igreja naquilo que compete à Fé e à Moral.

Como Sucessor dos Apóstolos, o Bispo deve fazer valer perante o Estado aquelas palavras daqueles a quem sucedem: “Importa obedecer antes a Deus que aos homens” (Atos 5,29).

O Estado, a quem não compete proferir juízo moral sobre nada, incorre em grave erro quando, ignorando propositalmente a Lei Natural, é cúmplice do assassínio de crianças pelo aborto ou contraceptivos abortivos, ou pela manipulação de embriões; ao ser conivente com tais crimes, o Estado é também, ele mesmo, cúmplice da chacina de seus próprios cidadãos, entre os quais porventura poderia haver até mesmo um futuro Presidente da República. De tal maneira que, em matéria moral tão grave, o Estado deve conformar-se com o juízo moral cristão, rejeitando e esforçando-se por findar as ameaças a vida, em especial o aborto, garantindo às mulheres uma competente assistência, que lhes evidencie o valor da vida que carrega em seu seio, e que lhe dê quanto seja necessário para cuidar deste ser humano.

O Bispo, como Sucessor dos Apóstolos, relembra constantemente tais deveres ao Estado. E este não pode rejeitar tão correta admoestação, nem impedir que a Igreja a dê e a faça conhecida de todos, visto que, como ensina o Concílio Vaticano II, falando aos Estados: “Sempre deve ser permitido [à Igreja] pregar com verdadeira liberdade a fé; ensinar a sua doutrina acerca da sociedade; exercer sem entraves a própria missão entre os homens; e pronunciar o seu juízo moral mesmo acerca das realidades políticas, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem e utilizando todos e só aqueles meios que são conformes com o Evangelho e, segundo a variedade dos tempos e circunstâncias, são para o bem de todos” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n.76).

6. Dos nossos sinceros Pedidos

Pedimos, portanto, de nossos amados Pastores, com todo o respeito que lhes é devido, que nestes nossos dias tão conturbados, dias de tão terríveis ameaças, não se cansem de levantar sua voz contra aqueles assassinos da Vida, inimigos de Deus e da Igreja. Respeitosamente lhes rogamos que por vossa boca saia, com destemor e em alto som, a pregação do Evangelho da Vida, para que todos os homens o escutem, e que todos, conformes a ele, conheçam a verdade que os libertará (cf. João 8,32). Pedimos-lhes que aos fiéis seja dada, constantemente, a sólida e sadia doutrina da Igreja sobre a Vida humana e seu valor, para que ela lhes possa servir de munição contra aqueles que desvalorizam este dom tão precioso; e que, com coragem e sabedoria, condenem expressamente aqueles que ameaçam esta Vida Humana, mostrando a incoerência de suas perniciosas idéias, contrárias a Deus e ao Direito Natural.

E então todos verão em vós, amados Pastores, os sentinelas de Deus, a postos para a batalha contra os inimigos de Jesus Cristo e de sua Santa Igreja: “Eu te constituí sentinela na casa de Israel… Aquele que levou em consideração o alarme, esse terá salvado a sua vida… Se depois de receber tua advertência para mudar de proceder, nada fizer, ele perecerá devido a seu pecado, enquanto tu salvarás a tua vida” (Ezequiel 33,1-9).

CONCLUSÃO

É esta a mensagem que quer deixar este Apostolado de leigos, fazendo uso daquele direito que lhe é concedido pela Santa Igreja, aos seus amados Pastores, Bispos desta Terra de Santa Cruz. Saibam, Excelências, que vossa luta em defesa da Vida não será fácil: sereis perseguidos pelo vosso amor e fidelidade a Deus. Contudo, “bem-aventurados sereis vós quando vos injuriarem, vos perseguirem, e mentindo dizerem todo mal contra vós, por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque grande é o vosso galardão nos céus, porque assim eles perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mateus 5,11-12).

Este Apostolado, com obediência e amor, deixa aqui seu mais sincero apoio aos seus Pastores, Sucessores dos Apóstolos e novos cruzados em defesa da Vida Humana, e promete-lhes fazer tudo quanto estiver a seu alcance para ajudá-los nesta ação, nesta tão árdua luta; e assim, juntos, ovelhas com seus Pastores, levaremos o Evangelho da Vida a todos os que têm sede de Deus.

Deus esteja convosco, amados Bispos, a guiar-lhes e proteger-lhes sempre!

Apostolado Veritatis Splendor

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