- Autor: José Frassinetti[*] (1804-1868)
- Fonte: Lista “Tradição Católica”
PRÓLOGO
A experiência nos mostra que, geralmente falando, somente prestam à Igreja grande bem aqueles que professam a perfeita castidade: os sacerdotes e as religiosas, as jovens que ingressam nas Sagradas Congregações, os santos leigos que se põem ao trabalho da promoção das boas obras.
De maneira que farão bem os confessores que são imbuídos pelo zelo da religião em usar de sua diligência para ensinar aos jovens de ambos os sexos que cultivam a piedade e levam com docilidade uma vida fiel aos mandamentos divinos quão grande bem é a perfeita castidade. Exortem-nos à observância da castidade perfeita, se a tanto os virem inclinados, pois alcançarão mais facilmente a perfeição cristã e servirão com maior fruto ao bem da religião.
Isto porém os confessores não conseguirão realizar a não ser que, depostos por completo todos os preconceitos que o vulgo tem contra esta virtude, contemplarem o zelo que os Santos Padres da Igreja usaram para promoverem a perfeita castidade, a tal ponto que praticamente todos escreveram livros a este respeito; e, ademais, a não ser que também estes mesmos confessores busquem eles próprios esta virtude com grande amor, e se esforcem por levar uma vida inteiramente angélica.
A carne gera a carne; o espírito, espírito; os anjos não se procriam senão a partir dos anjos.
Ora, por ser isto coisa de imensa importância para a glória de Deus e para a santificação das almas; e porque também por parte de alguns confessores existem preconceitos danosíssimos nesta matéria, quero reproduzir aqui uma carta que publiquei em outra ocasião sobre o celibato.
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A CARTA SOBRE O CELIBATO
Meu prezado amigo,
Admiro-me ter ouvido de tua própria pessoa que te consideras apóstolo da mais bela, da mais esplêndida entre as virtudes cristãs, que é a santa virgindade, e, em geral, a perfeita castidade, embora dizes também ter boas razões para dizer que talvez seria melhor deixar que cada um a abrace ou não, como mais lhe agradar, especialmente nos tempos de hoje pouco propícios, ou melhor, inimigos de tudo quanto é bom e de todo objetivo sagrado.
Quero confessar-te a verdade, e dizer-te que estou bastante surpreso, porque esta tua duplicidade, e ainda mais, toda a argumentação que usas para justificá-la mais parecem em dissonância com o teu costumeiro bom senso.
Mas é, por outro lado, este bom senso que me dá a esperança de, com apenas esta pequena carta, poder endireitar certas idéias que, perdoa-me, estão um tanto quanto tortas.
Que a virgindade e o celibato são virtudes muito louváveis e que devem ser preferidas ao matrimônio, tu o sabes, é uma verdade da qual nenhum católico pode duvidar, tendo definido o Concílio de Trento:
- “Se alguém disser que o estado conjugal deve antepor-se ao estado de virgindade ou de celibato, ou não ser coisa melhor e mais feliz permanecer na virgindade ou no celibato que unir-se em matrimônio, seja excomungado”.
Devemos, portanto, como católicos, concordar todos em reconhecer este dogma de fé, e crer nele como em todos os outros que nos ensina a Igreja.
Semelhantemente, não há dúvidas quanto ao fato de que a perfeita castidade é um conselho evangélico colocado em prática por uma infinidade de santos que pelas suas virtudes heróicas mereceram as honras dos altares;enquanto que não saberíamos dizer, tirando o caso dos mártires, quais fossem os santos canonizados que não cultivaram esta virtude no estado virginal ou de viúvos.
A este respeito e a respeito de todas as outras coisas que poderiam ser ditas em louvor da perfeita castidade não é necessário que nos detenhamos, pois nisto estamos em perfeito acordo. A questão está em ver se é oportuno aconselhar aos outros, especialmente à juventude, o estado de continência. Tu achas que é melhor deixar que cada um siga a própria inclinação, e isto por diversas razões que julgas boas. Ora, haverei de comentar estas razões mais tarde; vejas agora se eu sei provar- te, como se diria, a priori, que te colocas mal.
Se este conselho não deve ser dado, por que é dado pelo Santo Evangelho? E por que São Paulo o dava assim tão geralmente que, se a coisa fosse possível, teria desejado que este conselho fosse aceito por todos os cristãos:
- “Quero, de fato” – diz São Paulo – “que todos vós sejais como eu”? (1Coríntios 7, 7).
“Todos vós”, “todos vós”, gostaria que fôsseis continentes, como eu o sou, “todos vós”, cristãos de Corinto: e estes, ademais, não se diferenciavam dos cristãos de todo o mundo.
E por que promovia a prática da perfeita castidade com tanto ardor a ponto de ser esta, senão a causa, pelo menos a concausa de seu martírio, como se lê na história da Igreja?
E por que os sucessores imediatos dos Santos Apóstolos, e depois, todos os Padres e Doutores da Igreja foram tão fervorosos pregadores deste assunto e todos os principais dentre eles escreveram livros inteiros para exortar os fiéis a abraçarem tão exímia virtude? Vejas São Cipriano, São Gregório Nazianzeno, Santo Atanásio, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho; poderias desejar mais ardentes e mais valorosos exortadores para inflamar o povo cristão ao amor desta virtude? E no entanto viviam em tempos em que se poderiam ser ditas supérfluas tais exortações porque, como podes ver na história, esta virtude era para os fiéis um verdadeiro entusiasmo. De fato, quando lês que apenas na Oxorinca, cidade não das maiores do Egito, havia vinte mil virgens e dez mil monges, pode-se conjecturar que número haveria em todo o mundo cristão de cultores da vida casta. Não obstante isso os Santos Padres não julgavam coisa inoportuna que com as suas pregações e com os seus livros aumentassem mais ainda aquele ardor sagrado que hoje em dia nos parece já excessivo por si mesmo.
Ora, portanto, acreditava o divino autor do Envangelho, acreditava São Paulo, os homens apostólicos acreditavam, os padres e os doutores da Igreja acreditavam que a perfeita castidade fosse algo para ser aconselhado assim calorosamente; e tu, entretanto, meu prezado amigo, julgas em tua perícia que mais se deve crer que a melhor coisa é não dar palavra a respeito, nem dar este santo conselho a ninguém?
Paraste para refletir sobre a guerra que a esta virtude fazem as pessoas do mundo? Não há mal que dela não digam, e que, além disso, publiquem por escrito. E poderá ser jamais um bem que, enquanto a virtude mais bela e mais esplêndida é assim tão geralmente e impunemente caluniada, e enquanto se fomenta contra a mesma a aversão e o desprezo, aqueles que a conhecem e lhe conhecem os seus predicados divinos e a injustiça das imputações que lhe são feitas fiquem em silêncio, nem sequer uma voz se levante em sua defesa e cada um se guarda de comentar-lhe o esplendor e o mérito e de aconselhar a sua prática à juventude? Parece-te isto uma boa prudência? Ou podes ainda duvidar do teu engano?
Vamos agora comentar as razões que consideras boas, as quais, entretanto, por estarem em oposição a uma verdade manifesta, não podem ser elas mesmas senão más, isto é, sofísticas e falsas.
Tu sublinhas com muita ênfase a dificuldade de conservar perseverantemente esta virtude. Parece que se deveria dizer que és do número daqueles que julgam a continência uma virtude reservada a poucas almas privilegiadas, fora das quais nenhuma pessoa pode aspirar a ela sem culpa de presunção, e sem manifesto perigo de ruína.
Mas eu devo observar ser isto uma fina arte do demônio, da qual, cada vez que lhe convém, o mundo se serve. Não sabendo nem sequer o demônio como esconder os predicados sobrehumanos da santa castidade, faz parecê-la aos homens uma virtude tão alta e que tanto excede as forças da fraqueza humana que a ela não podem aspirar senão os incautos e os presunçosos; e também o mundo, seu inimigo jurado, com a mesma boa fé do demônio, à sua semelhança, se mostra às vezes admirado com a sublimidade desta virtude, desde que, todavia, fiquem os homens dissuadidos de abraçá-la. Nada importa ao demônio e nada importa ao mundo que os cristãos tenham em abstrato grande estima da continência, como o tinham os gentios que diziam maravilhas das Vestais, assim como dos cristãos, desde que esta virtude fosse proibida na prática, como de fato era proibida por lei no mundo antigo.
E é verdadeiramente uma surpresa ver homens inteligentes, como tu também és, com a alma tão presa a este preconceito como a uma dificuldade quase insuperável, que falam da vida cristã como de um dom de Deus que devesse ser comparado em pé de igualdade, ou pouco menos, com o dom de falar em línguas desconhecidas e de dar vista aos cegos de nascença.
Vejamos se nos entendemos, meu prezado amigo: se a ti parece dificílima a prática da castidade perfeita para a fraqueza humana abandonada a si mesma, estamos de perfeito acordo, e se tu dizes ser dificílima, eu acrescento que é impossível. Mas aqui não estamos falando do poder que tenha a fraqueza humana deixada a si própria; estamos falando do poder que tem sobre ela a graça onipotente de Deus. Ora, vejas que coisa totalmente diferente: tu aceitarias se eu te dissesse que a graça onipotente de Deus torna fácil à fraqueza humana aquilo que sem ela seria dificílimo e impossível? Pois bem, não apenas eu, mas tu também comigo, junto com todos os demais católicos, dizemos que uma vida perfeitamente casta não pode senão ruir sem a ajuda daquela graça, que Deus dá abundantemente a quem a pede, e vive com as cautelas necessárias para conservá-la.
Superada a dificuldade da fraqueza humana, eu te rogo que observes se são poucos e raros no mundo aqueles que de fato são obrigados a viver em perfeita continência. Tu talvez dirás que esta é uma virtude livre, que ninguém é obrigado a praticá-la, exceto aqueles que, por terem feito um voto especial de castidade, ou por uma lei eclesiástica, à qual se submeteram voluntariamente, tenham renunciado ao estado de matrimônio; e, enquanto permaneceres no domínio do abstrato, dizes otimamente. Mas se desces ao terreno da realidade dizes muito mal. Duvidas? Então, anuncia a todos os jovens que completarem seus quatorze anos, e a todas as jovens que completarem os doze, que todos eles estão livres para se casarem. Não os farias rir? Os jovens deverão esperar, geralmente falando, os vinte e cinco anos, muitos os trinta e mesmo mais; as jovens os dezoito, os vinte, etc.. E anuncia também que estão livres para se casarem todas as centenas de milhares que estão no serviço militar, todos os deformes e enfermos, todos os desempregados incapazes de ganhar um pedaço de pão para matarem a fome, todas as moças deformadas, doentes, sem nenhuma habilidade útil, sem um tostão de dote. Diga a todos estes que estão livres para se casarem. Muitos irão rir como os jovens, e não poucos se mostrarão como que ofendidos por um insulto ou desprezo. No campo da abstração são todas pessoas que podem se casar; mas no terreno da realidade são todas pessoas que devem observar continência perfeita, e nada menos que sob pena de pecado mortal; porque não tendo eles possibilidade ou ocasião de matrimônio, devem permanecer no estado de celibato e violando a castidade mesmo que apenas com o pensamento cometeriam uma culpa grave, como nos ensina a moral cristã mais elementar.
Terias curiosidade de saber quantas sejam na Província de Gênova aqueles que em abstrato podem se casar, mas que na realidade devem permanecer no celibato? Eis a estatística de 31 de dezembro de 1857. A população total é de 313.402 indivíduos. Entre estes os cônjuges são 103.962; os solteiros e as viúvas 210.610, isto é, mais de dois terços. É verdade que destes devem ser descontados aqueles que estão abaixo da idade da puberdade; mas entende-se que o número das crianças abaixo da puberdade não chega a um terço da população total. E mesmo que chegasse, mais da metade dos habilitados ao matrimônio ficariam de fato obrigados à continência. E é notável também que muitos dos casados se somem a este número, isto é, todos aqueles que por necessidade de família, por enfermidade, por maus tratos ou desordens do outro cônjuge, vivem separados, e destes não tenho medo de errar se afirmo que hoje em dia são muitos. Depois, não é de se supor que as estatísticas das outras províncias, reinos ou impérios difiram sensivelmente da estatística da Província de Gênova.
Ora, bem, uma virtude para a qual na realidade está obrigada uma tão grande parte da população, poderá ser dita virtude tão difícil e quase impossível de se guardar senão por poucos privilegiados que tenham obtido de Deus algum dom extraordinário? Como teria então Deus provido a todos os outros pobrezinhos que de fato devem também viver em continência e sob pena de uma pequena bagatela que é um pecado mortal, a qual merece por justiça nada menos do que um inferno eterno?
A suposição de que a castidade perfeita seja assim tão difícil de se guardar, e que seja um dom extraordinário de Deus, não te parece um gravíssimo preconceito, sumamente injurioso à providência divina?
Ora, não duvido que o teu bom senso começará agora aos poucos a perceber que a castidade perfeita é virtude que se possa abraçar por quem quer que o queira, suposta a graça divina, a qual por sua vez pode ser obtida por quem quer que a peça, e suposta a prática dos meios necessários para tanto, como é a custódia dos sentimentos, a fuga das diversões perigosas, do ócio, etc., e que por isso mesmo trata-se de uma virtude que pode ser aconselhada a quem quer que seja capaz de ter a boa vontade para tanto, assim como, desde que alguém possa retribuir com benefícios os males recebidos, a qualquer pessoa pode-se aconselhar que faça esta retribuição.
Mas tu me dirás ainda que talvez eu não poderei bem aquelas palavras do Evangelho:
- “Não todos entendem esta palavra”.
Se tu duvidasses ainda que eu não as tivesse ponderado bem, eu te devolveria a acusação tirando-lhe, porém, o talvez. Certamente é verdade que “nem todos entendem esta palavra”, isto é, que não são todos que abraçam a vida casta. E isto é verdade não só porque o disse Cristo, mas porque é um fato que nos é ensinado pela contínua experiência. Resta porém que se veja se “nem todos entendem” porque “não o podem entender”, o que é o mesmo que perguntar se todos não abraçam a vida casta porque “não podem” ou porque “não querem”. Tu, arbitrariamente, quiseste subentender o “não podem”, e é por isso que aquele texto do Evangelho te pareceu um gravíssimo argumento; eu, porém, subentendo o “não querem”, juntamente com Cornelio a Lapide, o qual traz uma fila de referências tiradas dos Santos Padres para mostrar que todos assim o subentenderam. E, entendido o texto evangélico neste sentido, o teu argumento não vale mais nada. Voltando à comparação acima citada, nem todos retribuem com benefícios os males recebidos. Mas por que? Talvez porque não poderiam? Não, certamente, mas sim porque não o querem.
A ti porém parece uma imprudência aconselhar a todos a castidade perfeita, e o pareceria também a mim se se tratasse de aconselhá-la a todos em particular, isto é, a cada indivíduo de um ou de outro sexo indistintamente, como me parece uma imprudência aconselhar a qualquer um a quem se fizesse uma maldade que imediatamente devolvesse o mal recebido com um benefício. Este conselho eu o daria apenas a quem visse bem animado por sentimentos de uma viva caridade; e exortaria a todos os outros a afastarem-se do ódio, e a benfazer ao inimigo desde que ele se encontrasse num estado de verdadeira necessidade de benefício e em uma situação tal em que fazê-lo se tivesse tornado uma exigência estrita da caridade. Da mesma maneira, eu aconselharia a castidade perfeita apenas a aqueles que soubesse possuírem boas disposições; e a todos os outros diria simplesmente que se abstivessem do pecado, nem oporia uma palavra contra se visse que quisessem tomar o estado de matrimônio. Eis, portanto, a quem gostaria de aconselhá-lo, a todos aqueles jovens de um ou de outro sexo que demonstrassem uma índole santa, regrada, que dessem boas esperanças de conseguir conservá-la. Além do mais, aconselhando-a, gostaria que se fizessem para tanto orações particulares para obter a luz de Deus sobre o que seria melhor para eles, e não gostaria nunca que fizessem voto, sequer temporário, sem a aprovação de seus diretores espirituais. Parece-te que assim fazendo eu pecaria por imprudência?
Mas os tempos, tu dizes, os tempos são adversos. Não vês, dizes, coisa que nunca se viu em todos os séculos, que em diversos lugares a lei está abolindo a profissão religiosa?
Lembra-te, porém, dos primeiros séculos da Igreja. Estavam então em vigor leis que condenavam o celibato diretamente em si mesmo, e os costumes dos gentios não podiam ser melhores do que aqueles dos nossos cristão degenerados. Pelo que é claro que naquela época estava-se pior, e que os tempos deviam ser adversos ainda mais do que hoje o são. Isto não obstante, como foi observado, primeiro os Apóstolos, depois os seus discípulos, e finalmente os primeiros Padres promoviam com imenso zelo a perfeita continência. Isto quer dizer, portanto, que aqueles santos homens não ficavam com medo dos tempos adversos.
Mas esta observação aos tempos que fizeste de passagem é justamente a oportunidade que eu esperava para poder terminar de te deixar persuadido que também tu tens que tomar ao peito os interesses da mais bela entre as virtudes, de te tornares um ardoroso promotor da mesma, quase um apóstolo. Aos tempos, aos tempos, tu me dizes. Vamos dar ainda uma olhada nos tempos.
Os tempos precisam que se ordene um maior número de sacerdotes, dos quais em todo lugar se percebe a deficiência, já que por culpa dos tempos é muito maior o número daqueles que anualmente morrem do que o número dos que anualmente são ordenados. E os tempos precisam de um número maior de sacerdotes, para que os povos sejam melhor cultivados com a pregação e com a administração dos Sacramentos; e têm também uma particular necessidade de que se multipliquem os missionários apostólicos nos países infiéis, onde pelas comunicações tão facilitadas seria agora tão mais fácil do que antes estender a luz do Santo Evangelho.
Os tempos têm necessidade de um grande número de irmãs de caridade, do Sagrado Coração, de São José, etc., etc., as quais hão de cultivar inumeráveis escolas, educandários, hospitais, e também prisões e patíbulos; e que, além do mais, devem prestar ajuda aos missionários que se afadigam na conversão dos gentios em todas as partes do mundo.
Os tempos necessitam de cristãos e cristãs fervorosos, que formem e mantenham em todo lugar boas associações, as quais se possam opor às más que em todo o lugar se estabeleceram e mais do que nunca prosperarem; que promovam em todo lugar as obras de religião, de caridade, onde quer que hostilizadas pelo espírito incrédulo e subversivo do século.
Colocarias em dúvida que os tempos tenham todas estas necessidades? Mostrarias que não conheces em nada os tempos, merecerias de ser chamado de homem de séculos passados, e contado entre os mortos. Ora, bem, para todas estas necessidades não se requerem homens e mulheres todos prontos e dispostos a viverem em celibato?
Para os sacerdotes seculares e regulares, para as freiras dos múltiplos institutos religiosos tu não terás dificuldades; mas talvez tu as tenhas para os seculares, parecendo-te que também os casados possam fazer todo o bem que é feito pelos que vivem no celibato. Entretanto, se tu o perguntasses a São Paulo, ele te responderia que não; porque os casados “têm o coração dividido” entre o espírito e a carne. Ademais, mesmo deixando de parte no momento a sua autoridade, observa que coisa nos ensina a grande mestra que é a experiência. Os jovens casados, falo em geral, não me referindo às raras exceções, procuram colher o quanto podem as flores da idade; os casados maduros, consolidar os interesses materiais da família; os velhos não querem depor este hábito, e depois de terem gasto a vida a serviço das paixões e do mundo, têm agora pouca inclinação e vigor para zelar com muita eficácia pelos interesses da religião e da verdadeira caridade cristã. Repito que não tenho a intenção de não citar, nem portanto de não reconhecer, as raras exceções. Tal é o que nos ensina uma experiência diária, invariável.
Se tu, portanto, não fechas os olhos para não ver quanto nos continua ensinando esta mestra, deves reconhecer que, geralmente falando, são os celibatários que levam uma vida santa aqueles que se preocupam em formar e manter aqui e ali as boas associações, e em promover as boas obras, gastando nelas os seus estudos, tempo e dinheiro.
Isto é também um fato. E se quiseres fazer um pouco de filosofia sobre o “coração dividido” de que fala São Paulo, entenderás que a coisa não poderia ser diferente.
E agora não te parece que andarias verdadeiramente errado se quisesses permanecer nas tuas dúvidas? Mas, e a perseguição que moveria o mundo aos promotores da continência, não deve também ser computada no cálculo? Eu imaginaria que estas palavras te teriam saído da pena para o papel em um momento de distração. O que terias tu a temer do mundo? Alguns risos, censuras, desaprovações, piadas e nada mais. Ou ficarias com medo? Julgar-te-ia mal quem te supusesse dotado de uma alma tão pequena. E ademais, se não quiseres ter nenhuma contradição, ou perseguição, como quiseres chamá-la, cuida-te de não realizar jamais sequer uma sombra de bem, porque de outra forma, mesmo evitando todos os demais bens, não evitarias aquela perseguição, porque a quem quer que faça o bem o demônio procura.
Vamos portanto colocar um fim às dúvidas e às objeções. Ouve, em vez disso, como eu suponho que deva ser promovida a bela virtude nos nossos dias.
Em primeiro lugar os pregadores devem mostrá-la ao povo em seu valor e seu mérito, para que não permaneça virtude quase inculta e ignorada pela pia juventude de ambos os sexos. Diria-se que certos pregadores trocam a virtude pelo vício, observando para ela as palavras de São Paulo de que “nem se nomeie entre vós”, que o Apóstolo havia, no entanto, reservado para o outro. Nunca, de fato, nunca uma palavra sobre a virgindade, sobre o celibato. Assim não costumavam fazer os primeiros pregadores da Igreja, e Santo Afonso de Ligório queria que cada missão se concluísse com um discurso às jovens sobre a virgindade. Examina, a este respeito, a “Selva de Matérias para Pregação”.
Em segundo lugar deveria-se promover a comunhão freqüente, ou melhor, a diária. Porque, além de se saber pela fé que ela é o “trigo dos eleitos, e o vinho do qual germinam as virgens”, é demonstrado por uma constante experiência que os jovens de um e de outro sexo, quando se dão a freqüentar muito a Santa Comunhão, encontram,-se, sem saber eles o porquê, alheios a toda a intenção de matrimônio. O meio mais eficaz para buscar na Santa Igreja virgens em grande número seria certamente promover na juventude a freqüência à mesa eucarística.
A esta freqüência vai infalivelmente unida uma marcada devoção a Maria Santíssima, que como rainha das virgens quer ordinariamente tais os melhores de seus devotos.
Em terceiro lugar deveria-se difundir aquelas obras que dão uma justa idéia da bela virtude, encorajam a praticá-la, e ensinam o modo de custodiá-la com cautela. Entre estas obras deveria ter lugar o discurso que Santo Afonso de Ligório coloca como exemplo no livro acima citado. Talvez ele parecerá um pouco rígido a alguns delicados, mas fará um melhor efeito. Nas obras de Santo Afonso não há nada que seja “digno de censura”, conforme declaração oficial da Igreja. Não censuremos, pois, nem sequer esta. Obras deste teor deveriam ser impressas em edições bem econômicas que pudessem com facilidade ser dadas de presente.
Em quarto lugar deveriam ser promovidas as pias uniões dos filhos e filhas de S. Maria Imaculada já instituídas em vários lugares, nas quais não se inscrevem senão os jovens e as jovens que se propõem viver em virgindade, e têm uma regra muito apropriada para conseguir no século a perfeição cristã, e para ajudar no bem e na santificação do próximo.
Em quinto lugar seria coisa muito útil juntar três ou quatro pessoas de um e de outro sexo, separadamente, os quais se empenhassem em erigir estas pias uniões onde não existissem, de conservá-las onde existem, e de estendê-las a outros lugares, e, além disto, conseguir algum subsídio para a impressão e difusão das obras acima indicadas.
Finalmente, porque todo bem há de ser esperado de Deus, deveria animar-se as almas santas para que fizessem para este fim orações particulares, e pedissem particularmente à Santíssima Virgem que olhe benignamente e abençoe todas as tentativas que se fizerem para por em maior honra, e fazer que venha abraçada e conservada por parte de muitas almas a mais bela das virtudes, que uma santa chamou em êxtase de o Paraíso na Terra.
Confio que, dissipadas aquelas sombras de dificuldades que havia em tua mente, queiras fazer-te tu também promotor e como que apóstolo desta virtude.
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NOTA
[*] José Frassinetti foi Prior de Santa Sabina em Gênova; Irmão e Colaborador de Santa Paula Frassinetti na fundação do Instituto de Santa Dorotéia; e Sacerdote, segundo breve de Pio IX de 1863, “Spectatae Doctrinae et Virtutis” .