Catequese sobre o livro de Josué

Caríssimos Irmãos,

Dando continuidade ao nosso estudo bíblico, iniciamos hoje o estudo dos livros históricos, examinando o livro de Josué (Js), cujo nome quer dizer “Javé é Salvação” (Js 1,9).

Quando Moisés, perto de morrer, pediu ao Senhor que indicasse o seu sucessor, Deus designou Josué, para a árdua tarefa de governar o povo, o que compreendia zelar pela observância da Lei, introduzir o povo na Terra Prometida e distribuí-la entre as tribos. Josué já havia sido apresentado no Pentateuco: era filho de Nun, da tribo de Efraim, foi escolhido por Moisés como seu servidor quando ainda era jovem (Ex 24,13; 33,11; Nm 11,28;13,8); acompanhou Moisés ao Monte Sinai (Ex 24,13; 32,17); conduziu os homens do povo em batalhas, tendo se destacado na vitória contra os amalecitas (Ex 17, 8-16) e tomou parte na expedição de reconhecimento de Canaã (Nm 14,38).

Um líder enérgico, tenaz e prudente, é citado várias vezes como exemplo de fé íntegra, motivo pelo qual foi um dos únicos homens que, tendo saído do Egito, entrou na Terra Prometida (Nm 14,30.38; 26,65; 32,12).

Pode-se dizer, no entanto, que o foco principal do livro de Josué é a Terra Prometida, figura da Graça: dada por Deus, mas conquistada pela espada pelas tribos, já que Deus concede o dom, mas não suprime a liberdade nem prescinde da iniciativa do homem. A graça não é um dom paternalista de Deus para um homem passivo: é fruto do dom e da atitude livre e responsável do homem em relação ao mesmo dom: a aceitação, posse e correspondência.

Em Josué, como no Êxodo, há preocupação com o contexto histórico, mas o propósito não é documentar a história, mas sim interpretar os fatos de forma a reafirmar a fidelidade de Deus às promessas e a necessidade de o povo observar a Aliança (Js 1, 6-9; 23s). Para mostrar que Deus intervém diretamente na história do povo, são narradas episódios, como a tomada de Jericó após o cerco (Js 6) e a batalha de Gabaon, em que choveu granizo e Josué “deteve o sol” (Js 10, 10-15). Importante ter em mente que nesta época não havia ainda surgido a crença na ressurreição dos mortos, portanto os israelitas acreditavam que Deus dava a retribuição ainda nesta vida segundo a fidelidade de cada um: aos justos, bênçãos, aos ímpios, a maldição.

Logo após uma introdução (1, 1-18), o livro prossegue narrando a ocupação de Cana㠖 detalhando a entrada (2, 1-5,12) e tomada do território (5, 13 – 12,24), um processo nem sempre pacífico, e a distribuição da terra entre as tribos de Israel (13, 1-22, 34), bem como a renovação da Aliança com Deus (23, 1- 24, 33).

As descrições das batalhas podem chocar o homem moderno pela sua brutalidade. Há que se considerar que, no estágio pouco evoluído em que se encontrava a cultura da época, cada povo julgava que, na guerra, a honra dos seus deuses estava em jogo; uma derrota militar representava vergonha e escárnio para os deuses da nação vencida, assim como a vitória significava triunfo da divindade. No caso do povo hebreu, guardião da verdade da fé, havia o perigo de sofrer influência dos costumes pagãos, o que causaria prejuízo à fé de Israel. Os inimigos de Israel eram tidos como inimigos de Javé (Nm 10,35; Ex 17,16). O povo judeu achava que o próprio Deus exigia o hérem (Js 10,40), um ato de extermínio total dos homens, as famílias, as cidades e dos bens do povo vencido, prática considerada normal pelos antigos. Esta mentalidade foi respeitada a princípio por Deus em suas relações com Israel, a fim de que o povo não rejeitasse a Revelação, e corrigida, aos poucos, até Jesus Cristo revolucioná-la totalmente, ao ensinar o amor pelos inimigos, com vista a uma recompensa nos céus (Mt 5,44; sermão da montanha).

Importante destacar a figura de Raab, prostituta habitante em Jericó, que esconde em sua casa os espiões de Josué, ao mesmo tempo em que pede por sua vida e pela de todos de sua casa (Js 2, 1-24; 6, 22-25). Raab faz uma profissão de fé, revelando uma resposta exemplar à fidelidade de Deus.

Poupada com sua família pelos israelitas, passa a viver em seu meio e posteriormente vem a ser a mãe de Boaz, bisavô do Rei Davi, sendo uma das quatro mulheres pagãs que Mateus inclui na genealogia de Jesus (Mt 1), simbolizando a universalidade da salvação.

Mais uma vez, é possível enxergar aqui o mistério da graça: a fé nos é dada por Deus, mas não dispensa uma resposta da humanidade.[1] Ela é salva pela fé (Hb 11,31), justificada pelas obras (Tg 2,25), integrada ao povo de Deus.

Mais tarde, Orígenes e São Cipriano de Cartago enxergariam em Raab a imagem da Igreja, fora da qual ninguém pode perseverar.

No próximo Domingo prosseguiremos no estudo dos livros históricos pelo exame dos livros de Juízes e Rute.

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NOTAS: [1] S.S. Bento XVI, Hom 17-XII-2009. * Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB; “O extermínio de inocentes na Bíblia” – Prof. Felipe Aquino.

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