Comentários às leituras do 2º domingo do advento – ano c

2º DOMINGO DO ADVENTO
ANO C
Cor: Roxa
“Preparai o caminho do Senhor: todos verão a salvação de Deus” (Lucas 3,4-6)

1ª LEITURA: BARUC 5,1-9

1. Despe, ó Jerusalém, a veste de luto e de aflição e reveste, para sempre, os adornos da glória vinda de Deus.
2. Cobre-te com o manto da justiça que vem de Deus e põe na cabeça o diadema da glória do Eterno.
3. Deus mostrará teu esplendor, ó Jerusalém, a todos os que estão debaixo do céu.
4. Receberás de Deus este nome para sempre: ‘Paz da justiça e glória da piedade’.
5. Levanta-te, Jerusalém, põe-te no alto e olha para o oriente! Vê teus filhos reunidos pela voz do Santo, desde o poente até o levante, jubilosos por Deus ter-se lembrado deles.
6. Saíram de ti, caminhando a pé, levados pelos inimigos. Deus os devolve a ti, conduzidos com honras, como príncipes reais.
7. Deus ordenou que se abaixassem todos os altos montes e as colinas eternas e se enchessem os vales para aplainar a terra, a fim de que Israel caminhe com segurança, sob a glória de Deus.
8. As florestas e todas as árvores odoríferas darão sombra a Israel, por ordem de Deus.
9. Sim, Deus guiará Israel com alegria, à luz de sua glória, manifestando a misericórdia e a justiça que dele procedem.
– Palavra do Senhor.

O cântico de Baruc faz parte de um poema mais amplo e possui como tema o término do desterro e a reconstrução da capital, Jerusalém. Provavelmente, trata-se de uma composição posterior, quando a situação da cidade se torna um paradigma, um exemplo aplicável a diversas situações. O fragmento acima se subdivide em dois momentos marcados pelos imperativos:

“Despe, ó Jerusalém, a veste de luto e reveste os adornos da glória” (versículos 1 a 4): dar-se-á uma mudança radical na cidade, passado do luto ao gozo, e assumirá novos nomes, sinal de sua nova situação (“Paz da justiça e glória da piedade”). Para Baruc, a promessa divina carrega consigo uma vida de justiça; esta trará a paz e a piedade, isto é, o respeito a Deus, e será motivo de glória para a cidade (versículo 4).

“Levanta-te, Jerusalém, e olha para o oriente” (versículos 5 a 9): o renascimento da cidade consiste concretamente no retorno dos seus filhos, sob a condução de Deus.

No versículo 2, observamos em particular que Deus é chamado de “o Eterno”. Trata-se de um apelativo importante porque convida os ouvintes a terem uma perspectiva ampla das circunstâncias históricas: o triunfo do mal é passageiro, ainda que às vezes cause transtornos ao homem. O Autor inspirado ensina que Deus é o Senhor da História e pode resolver em favor do homem os tempos de provação. É Ele quem abre o caminho de regresso: “Deus ordenou que se abaixassem todos os altos montes e as colinas eternas e se enchessem os vales para aplainar a terra”. Para tanto, submete em favor do seu Povo, os elementos da natureza.

Nessa página profética aparecem insistentemente alguns termos – como honra, glória, justiça – para significar que o encontro com o Deus que vem é glória para os seus fiéis, para os atribulados que confiam n’Ele.

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SALMO RESPONSORIAL 125 (126)

R.: Maravilhas fez conosco o Senhor,
exultemos de alegria!

1. Quando o Senhor reconduziu nossos cativos,
parecíamos sonhar;
encheu-se de sorriso nossa boca,
nossos lábios, de canções. – R.

2. Entre os gentios se dizia:
“Maravilhas fez com eles o Senhor!”
Sim, maravilhas fez conosco o Senhor,
exultemos de alegria! – R.

3. Mudai a nossa sorte, ó Senhor,
como torrentes no deserto.
Os que lançam as sementes entre lágrimas
ceifarão com alegria. – R.

4. Chorando de tristeza sairão,
espalhando suas sementes;
cantando de alegria voltarão,
carregando os seus feixes! – R.

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2ª LEITURA: FILIPENSES 1,4-6.8-11

Irmãos,
4. sempre, em todas as minhas orações, rezo por vós com alegria,
5. por causa da vossa comunhão conosco na divulgação do Evangelho, desde o primeiro dia até agora.
6. Tenho a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra há de levá-la à perfeição até o dia de Cristo Jesus.
8. Deus é testemunha de que tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus.
9. E isto eu peço a Deus: que o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e experiência,
10. para discernirdes o que é o melhor. E assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo,
11. cheios do fruto da justiça que nos vem por Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus.
– Palavra do Senhor.

Trata-se da página de abertura da Carta aos Filipenses. Chega a nos chocar o tom afetivo de Paulo, manifestando sua solicitude pastoral. O tema dominante é o do progresso dos cristãos de Filipos. Menciona duas vezes o “dia de Cristo Jesus” (versículos 6 e 10), prova clara de que esta espera era muito viva nas primeiras comunidades cristãs. E esta espera é um estímulo ao compromisso, porque o tempo presente é o tempo em que o cristão pode “crescer”, aguardando o encontro definitivo com o Senhor.

Quanto ao crescimento, Paulo recorda antes de mais nada que o próprio Deus o permitirá e o conduzirá a bom termo (versículo 6). Trata-se sobretudo de um crescimento no “amor”, que por sua vez nos faz aprofundar no “conhecimento” (maior percepção de discernimento), o qual nos conduzirá constantemente para o melhor, para a transparência e para a integridade de costumes: “E isto eu peço a Deus: que o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e experiência” (versículo 9).

Para Paulo, o fim derradeiro de toda esta tensão espiritual do cristão é “para a glória e o louvor de Deus” (versículo 11).

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EVANGELHO: LUCAS 3,1-6

1. No décimo quinto ano do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes administrava a Galileia, seu irmão Filipe, as regiões da Itureia e Traconítide, e Lisânias a Abilene;
2. quando Anás e Caifás eram sumos sacerdotes, foi então que a Palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto.
3. E ele percorreu toda a região do Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados,
4. como está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas.
5. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados.
6. E todas as pessoas verão a salvação de Deus'”.
– Palavra da Salvação

Lucas tem alguns aspectos originais ao apresentar a pregação de João Batista, permitindo-nos perceber melhor a sua mensagem. Em primeiro lugar, põe de manifesto o acontecimento da graça da “Palavra” que chega até ele: “a Palavra de Deus foi dirigida a João no deserto” (versículo 2). O deserto de Marcos surge aqui como o lugar onde a Palavra divina chega até o homem, convertendo-o em profeta (a expressão é semelhante à de Jeremias 1,4).

Ao “acontecimento da Palavra”, Lucas antepõe um quadro histórico em tom bastante solene: “No décimo quinto ano do império de Tibério César…” (versículos 1 a 2). Esta informação não é apenas importante por si mesma, mas também porque assinala a efusão da Palavra sobre João Batista e, quando sobrevém a Palavra de Deus, a História humana se converte em História da Salvação.

Lucas distingue a seguir os dois locais onde João Batista atua: o “deserto” e o “Jordão”. O deserto é o lugar onde “recebe” a Palavra; o Jordão é o lugar onde proclama esta Palavra aos demais, convidando-os à conversão. Tendo ouvido a Palavra de Deus no deserto, João pode fazer ressoar a todos o Seu convite de salvação.

A palavra de João Batista é inspirada na magnífica pregação de Isaías 40,3ss: “No deserto, preparai o caminho do Senhor”, mas convém a Lucas prosseguir a citação de Isaías até a parte em que proclama “todos verão a salvação de Deus” (Lucas 3,6), já que Deus deseja verdadeiramente atingir a todos.

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HOMILIA PATRÍSTICA: “TODOS VERÃO A SALVAÇÃO DE DEUS”

Já é hora de considerarmos o próprio tempo em que veio o Salvador. Com efeito – como sem dúvida bem sabeis -, veio não no começo, não na metade, mas no fim dos tempos. E isto não ocorreu sem motivo, mas porque a Sabedoria, conhecendo a propensão dos filhos de Adão à ingratidão, dispôs muito sabiamente prestar o seu auxílio quando isto era mais necessário. Realmente, entardecia e o dia já estava caindo; o Sol da justiça já havia praticamente se posto por completo, de modo que o seu resplendor e o seu calor seriamente escasseavam sobre a terra. A Luz do conhecimento de Deus era francamente insignificante e, ao aumentar a maldade, esfriou-se o fervor da caridade.

Os anjos já não apareciam e nem se ouviam as vozes dos profetas; tinham cessado como que vencidos pela falta de esperança, devido precisamente à incrível dureza e obstinação dos homens. “Então Eu disse:” – são palavras do Filho – “‘Aqui estou'”. Portanto, chegou oportunamente a eternidade, quando mais prevalecia a temporalidade. Porque, para não citar mais que um exemplo, era tão grande naquele tempo a própria paz temporal, que ao edito de um só homem foi realizado o censo do mundo inteiro.

Já conheceis a Pessoa d’Aquele que vem e a localização de ambos: d’Aquele de quem procede e d’Aquele que vem. Não ignorais, tampouco, a razão e o tempo da Sua vinda. Uma só coisa resta a saber: o caminho pelo qual vem, caminho este que precisamos conhecer cuidadosamente para que, como é justo, possamos sair-lhe ao encontro. No entanto, da mesma forma que para operar a salvação na terra veio uma só vez em carne visível, assim também, para salvar as almas individualmente, vem todo dia em espírito invisível, como está escrito: “Nosso alento vital é o Ungido do Senhor”. E para que compreendas que esta vinda é oculta e espiritual, diz: “À sua sombra viveremos entre as nações”. Consequentemente, é justo que se o doente não pode ir muito longe ao encontro de médico tão magnífico, pelo menos faça um esforço para levantar a cabeça e prestar um pouco de atenção no que se passa à sua volta.

Ó homem: tu não tens necessidade de atravessar os mares, nem de elevar-te às nuvens e atravessar os Alpes! Não, não é tão amplo o caminho que te é indicado! Sai ao encontro do teu Deus dentro de ti mesmo, pois a Palavra está próxima de ti; tu a tens nos lábios e no coração. Sai ao seu encontro com a compunsão do coração e a confissão nos lábios, para que ao menos saias da lama da tua consciência miserável, pois seria indigno que aí entrasse o Autor da pureza!

O que eu disse até aqui refere-se àquela Vinda, com a que se digna iluminar poderosamente as almas de todos e a cada um dos homens.

(São Bernardo de Claraval; Sermão 1,9-10 do Advento do Senhor).

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MEDITAÇÃO

O início da Era Cristã está demarcada com o ressurgimento da profecia. Para Lucas, nos Atos dos Apóstolos, também o evento Igreja iniciará com o dom do Espírito que nos torna profetas, homens da Palavra, todos nós, os cristãos, capacitando-nos, como João Batista, a escutar as urgências do nosso tempo e proclamar a Palavra da Salvação que corrige os nossos caminhos humanos.

O que a expressão “ser profetas” quer dizer para nós? Antes de mais nada e essencialmente, significa receber um anúncio de esperança da parte de Deus. “Todo vale será aterrado e toda montanha será rebaixada”: Deus é o sujeito destas ações. Será Ele quem rebaixará as montanhas e aterrará os vales da nossa soberba, da injustiça social, da incredulidade do nosso coração e aplainará, para cada um de nós, o caminho da conversão antes de nos mandar percorrê-lo. Certamente que não nos faltará cansaço quando colaborarmos responsavelmente no endireitamento dos caminhos. Contudo, se é Deus quem intervém, significa que nenhuma de nossas situações, por mais difíceis que sejam, carecem de esperança! O nosso compromisso “profético” está aí precisamente para que seja possível concretizar a nossa esperança.

Ademais, nunca faltará deserto para o profeta. “Deserto” significa silêncio, busca do essencial, luta contra a própria soberba e contra os múltiplos inimigos da alma, escuta atenta da Palavra, distância crítica das “modas” [deste mundo] e juízos demasiadamente precipitados. Talvez não seja fácil pensar que, diante de uma multidão barulhenta, seja possível encontrar alguém que escute, mas parece que João Batista não pensava assim… João nos ensina a amar o deserto, ainda que enfrentemos não poucas situações de necessidade, indiferença e injustiça; mas é aí que nos chega o convite para fazermos ressoar a Palavra do consolo e da fraternidade.

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ORAÇÃO

Senhor, surpreende-me também, neste ano, a tua promessa: enquanto vou caminhando com a Igreja para preparar o Natal, percebo que és Tu que me abres o caminho da conversão!

Me abres um caminho alcançando-me com a tua Palavra, muito embora eu frequentemente a escute distraído e sem entusiasmo. Tu me recordas que o encontro com a tua Palavra é mais forte que o poder dos Impérios e dos “grandes” deste mundo. Transformas, assim, a minha vida em história de salvação. Ensina-me a ouvir, ensina-me o silêncio!

Me abres um caminho prometendo rebaixar os montes e aterrar os vales. Se não fosses Tu que assim o dizes, estaria eu pensando que a batalha estaria perdida desde logo! Que eu então não cesse, Senhor, de lutar contra as montanhas do orgulho, da ira, dos vícios e não me assuste pelas falhas da minha resposta pouco generosa!

Me abres um caminho apontando-me tantos desertos que encontro ao meu redor e ainda os espaços vazios que a minha caridade não sabe como chegar. Que eu possa, Senhor, fazer tudo o que esteja ao meu alcance, sem me desanimar por tantas coisas que eu não tenho como fazer ou não sei como fazer!

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