Comentários às leituras do 30º domingo do tempo comum – ano b

30º DOMINGO DO TEMPO COMUM
25.10.2009: ANO B
Cor: Verde

“Que os olhos do vosso coração sejam iluminados” (Efésios 1,18).

1ª LEITURA: JEREMIAS 31,7-9

7. Isto diz o Senhor: “Exultai de alegria por Jacó, aclamai a primeira das nações; tocai, cantai e dizei: ‘Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel’.
8. Eis que eu os trarei do país do Norte e os reunirei desde as extremidades da terra; entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes: são uma grande multidão os que retornam.
9. Eles chegarão entre lágrimas e eu os receberei entre preces; eu os conduzirei por torrentes d’água, por um caminho reto onde não tropeçarão, pois tornei-me um pai para Israel e Efraim é o meu primogênito”.
– Palavra do Senhor.

Este oráculo da salvação encontra-se no chamado “Livro das Consolações” (capítulos 30 a 33) de Jeremias, no qual o Profeta dá voz à palavra de consolo que o Senhor dirige ao povo, dilacerado pela divisão em dois reinos e ferido pelo sofrimento do exílio. YHWH promete a cura, a restauração, um novo momento e o envio de um Príncipe que será verdadeiro mediador e garante da aliança (30,17-22).

A passagem de hoje marca o ápice da promessa. A boa nova da repatriação dos exilados prorrompe como um hino de exultação, ao qual são convidadas a se unir todas as nações, visto que o Senhor quer que todo o mundo conheça a sua obra de salvação em favor do povo eleito e participe da sua alegria.

Surge aqui o tema do “resto de Israel”, que nos Profetas é, ao mesmo tempo, sinal de esperança e advertência: haverá sempre no povo uma parte que se manterá fiel ao Senhor ou tornará a Ele através da conversão, e por isso poderá suportar todas as tribulações da História (cf. Isaías 7,3).

Agora o Senhor vem reunir todo este “resto” da terra do exílio e de toda dispersão, para conduzi-lo novamente à sua terra. Sua Palavra abre o olhar do coração à visão do retorno de uma multidão de pessoas não aptas para o caminho (versículo 8b): há pessoas que não têm olhos para enxergar o caminho e pessoas que não têm pernas para percorrê-lo, mas YHWH renovará os prodígios do êxodo (cf. Êxodo 17,1-7; Isaías 43,19), para que não lhe padeçam a fé pelo cansaço, pelos obstáculos do caminho. Sua afetuosa presença de apoio e consolo é o verdadeiro consolo daqueles que tinham partido “entre lágrimas”, já que não cessa de abraçar Israel com amor de predileção.

O povo de Deus, confiando neste afeto imutável, não tropeçará jamais no caminho da vida, apesar das suas fraquezas.

* * *

SALMO RESPONSORIAL 125 (126)

R.: Maravilhas fez conosco o Senhor,
exultemos de alegria!

1. Quando o Senhor reconduziu nossos cativos,
parecíamos sonhar;
encheu-se de sorriso nossa boca,
nossos lábios, de canções. – R.

2. Entre os gentios se dizia:
“Maravilhas fez com eles o Senhor!”
Sim, maravilhas fez conosco o Senhor,
exultemos de alegria! – R.

3. Mudai a nossa sorte, ó Senhor,
como torrentes no deserto.
Os que lançam as sementes entre lágrimas
ceifarão com alegria. – R.

4. Chorando de tristeza sairão,
espalhando suas sementes;
cantando de alegria voltarão,
carrengando os seus feixes! – R.

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2ª LEITURA: HEBREUS 5,1-6

1. Todo sumo sacerdote é tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados.
2. Sabe ter compaixão dos que estão na ignorância e no erro, porque ele mesmo está cercado de fraqueza.
3. Por isso, deve oferecer sacrifícios tanto pelos pecados do povo quanto pelos seus próprios.
4. Ninguém deve atribuir-se essa honra, senão o que foi chamado por Deus, como Aarão.
5. Desse modo, também Cristo não se atribuiu a si mesmo a honra de ser sumo sacerdote, mas foi Aquele que lhe disse: “Tu és o meu Filho; eu hoje te gerei”.
6. Como diz em outra passagem: “Tu és sacerdote para sempre, na ordem de Melquisedec”.
– Palavra do Senhor.

Após ter apresentado Cristo como misercordioso Sumo Sacerdote (4,14-16), o autor da Carta aos Hebreus esclarece agora o significado e a legitimidade de tal sacerdócio no marco das instituições judaicas.

O serviço sacerdotal é tributado a Deus, com efeito, por um homem, “em favor dos homens”, isto é, para interceder pelo perdão dos pecados mediante a oferta de “dons e sacrifícios” (versículo 1). Por outro lado, o sumo sacerdote deve ser misericordioso porque a consciência das suas próprias fraquezas ensina-lhe uma justa compaixão pela debilidade e cegueira espiritual – “ignorância” e “erro” – daqueles que se equivocam (versículos 2 e seguintes). A importância desta função mediadora é de tal espécie que não pode ser fruto de uma livre iniciativa pessoal: é resposta a uma precisa chamada de Deus (versículo 4).

Depois de ter enumerado as condições exigidas para ser sacerdote, o autor sagrado demonstra como Cristo responde perfeitamente a esses requisitos. Já falara da sua real humanidade (4,15 e ainda depois nos versículos 7 e seguintes): Jesus conhece bem as nossas fraquezas, visto que “experimentou todas, exceto o pecado”. Pois bem. Já que está livre dele, pode compreender toda a sua gravidade e oferecer-se a si mesmo para nos libertar, nós pecadores (9,13 e seguintes).

Mais difícil é provar aos judeus a legitimidade do sacerdócio de Cristo, uma vez que não pertencia à estirpe de Aarão; no entanto, as Escrituras atestam também outra modalidade diversa de serviço sacerdotal agradável a Deus: aquele realizado por Melquisedec, rei de Salém. Fazendo referência a este exemplo, o autor da Carta cita o Salmo 109,4, onde o Messias prometido é declarado por Deus não apenas seu Filho, mas ainda sacerdote para sempre, tal como fora o rei Melquisedec. Consequentemente, Jesus é o Rei-Messias (=”Cristo” em grego) e simultaneamente Sacerdote, exercendo por isso, com toda justiça, a mediação entre Deus e os homens que estas duas funções implicavam.

Como Mediador de uma nova e eterna Aliança (9,15), pode nos redimir dos pecados mediante a oferta do seu próprio Sangue, conduzindo-nos assim à salvação e à glória, conforme a vontade do Pai (2,10).

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EVANGELHO: MARCOS 10,46-52

Naquele tempo,
46. Jesus saiu de Jericó junto com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho.
47. Quando ouviu dizer que Jesus, o nazareno, estava passando, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!”
48. Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!”
49. Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!”
50. O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus.
51. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!”
52. Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.
– Palavra da Salvação

Quem é Jesus? E, por consequência, quem é o Discípulo? Estas perguntas constituem o eixo do Evangelho de Marcos. Os diversos episódios do caminho em direção a Jerusalém permitem intuir a resposta de uma maneira cada vez mais clara e a perícope de hoje – que precede o relato da entrada de Jesus na Cidade Santa – nos oferece importantes indicações.

Bartimeu é um cego que está sentado no caminho, mendigando nas margens da vida. A notícia da passagem de Jesus faz renascer nele a esperança e passa a gritar para atrair a atenção do Rabi, invocando-o com o título messiânico de “Filho de Davi”. Deste modo, professa a sua crença de que o Messias está presente e pode salvá-lo. Confia-se totalmente a Ele, mendigando Sua misericórdia: “Tem piedade de mim!” As reprovações que muitos lhe dirigem não servem para fazê-lo calar: Bartimeu sabe que se deixar passar esta oportunidade única não lhe restará outra coisa senão recair na obscuridade definitiva de uma simples sobrevivência.

Então “Jesus parou” (versículo 49): Ele é alguém que pode compreender até o mais profundo sofrimento humano e a solidão que o acompanha; conhece o vislumbre da fé que já ilumina o coração daquele cego e lhe concede a plena luz. “Chamai-o”. O entusiasmo do pobrezinho é comovedor: dá um pulo, esquecendo-se de toda prudência. Tal como aos filhos de Zebedeu, [Jesus] lhe dirige também a mesma pergunta: “O que queres que eu te faça?” (versículo 51; cfr. versículo 36). Com efeito, Jesus pode atender o anseio mais profundo do coração do homem; o discípulo, no diálogo que mantém com Ele, deve ter consciência do que realmente quer e assumir a sua responsabilidade. Ante a súplica do cego, ocorre o milagre, visto que Jesus reconhece essa fé que constitui o âmbito no qual se manifesta o seu poder divino. E a fé leva à visão aquele que antes acreditara sem ver, e depois, uma vez corroborado pela experiência viva do encontro com Jesus, torna-se seu discípulo, decidindo seguí-Lo no caminho que O conduzirá à Paixão e à glória (versículo 52).

* * *

HOMILIA PATRÍSTICA: “ACOLHAMOS A LUZ E FAÇAMO-NOS DISCÍPULOS DO SENHOR”

A ordem do Senhor é límpida e concede luz aos olhos: Recebe a Cristo, recebe a faculdade de enxergar, recebe a luz para que conheças a fundo a Deus e o homem. O Verbo, pelo qual temos sido iluminados, é mais precioso que o ouro, mais que o fino ouro; mais doce que o mel de um favo que é destilado. E como não será desejável Aquele que iluminou a mente envolta nas trevas e aguçou os olhos da alma portadores de luz?

Da mesma maneira que sem o sol os demais astros deixam o mundo perdido na noite, assim também, se não tivéssemos conhecido o Verbo e não tivéssemos sido iluminados por Ele, em nada nos diferenciaríamos dos seres voláteis, que são criados na escuridão e destinados ao abate. Acolhamos, portanto, a Luz, para podermos também dar acolhida a Deus. Acolhamos a Luz e façamo-nos discípulos do Senhor, pois Ele fez esta promessa ao Pai: “Falarei da tua fama aos meus irmãos; em meio à assembleia te louvarei. Louvai-o, por favor, e conta-me a fama do teu Pai. Tuas palavras me trazem a saúde. Teu cântico me instruirá. Até hoje tenho andado a deriva em minha busca por Deus; porém, se sois tu, Senhor, aquele que me ilumina e através de ti encontro a Deus e graças a ti recebo o Pai, converto-me em teu co-herdeiro, pois não te envergonhas de me chamar de teu irmão”.

Portanto, coloquemos fim ao esquecimento da verdade; despojemo-nos da ignorância e da escuridâo que, como uma nuvem, ofuscam os nossos olhos, e contemplemos Aquele que é realmente Deus, após ter previamente feito ascender até Ele esta exclamação: “Salve, ó Luz”. Uma luz do céu brilhou diante de nós, que antes vivíamos como que prisioneiros e sepultados nas trevas e sombras da morte; uma luz mais clara que o sol e mais agradável que a própria vida. Esta luz é a vida eterna e os que dela participam têm vida em abundância. A noite foge diante desta luz e, como que se escondesse de medo, acaba cedendo diante do Dia do Senhor. Esta luz ilumina o Universo inteiro e nada nem ninguém pode apagá-la. O ocidente tenebroso crê nesta Luz que vem do oriente.

É isto o que nos traz e revela a Nova Criação: o Sol da justiça levanta-se agora sobre todo o Universo; ilumina igualmente todo o gênero humano, fazendo com que o orvalho da verdade desça sobre todos, imitando dessa forma o seu Pai, que faz brilhar o sol sobre todos os homens. Este Sol da justiça movimenta o ocidente tenebroso, levando-o à claridade do oriente; crava a morte na cruz e a converte em vida; tirando o homem da corrupção, o exalta até o céu; Ele converte a corrupção em incorrupção e transforma a terra em céu; Ele, o lavrador de Deus, portador de sinais favoráveis, que incita os povos ao bem e lhes recorda as normas para viver segundo a verdade; Ele nos gratificou com uma herança realmente magnífica, divina, inadmissível; Ele diviniza o homem mediante uma doutrina celestial, dispondo a Sua lei no teu peito, escrevendo-a no teu coração. “De que lei se trata?”, já que todos conhecerão a Deus, desde o pequeno até o maior. Diz [o Senhor] Deus: “Lhes serei propício e não me lembrarei dos teus pecados”.

Recebamos a lei da vida; obedeçamos a exortação de Deus. Aprendamos a conhecê-Lo, para que nos seja propício. Ofereçamos-Lhe – ainda que não necessite – o salário do nosso reconhecimento, da nossa docialidade, como se se tratasse do aluguel que devemos a Deus pela nossa morada aqui na terra.

(Clemente de Alexandria; Exortação aos Pagãos 11 [PG 8, 230-234]).

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MEDITAÇÃO

Quantas vezes a nossa história pessoal ou a consideração das vicissitudes humanas nos produz a angustiosa impressão de uma desorientação de cegos? Rodeados por uma densa névoa de incertezas e contradições, incapazes de enxergar algum sentido naquilo que vemos, acabamos por nos desanimar e nos retiramos para a margem da vida, mendigando algumas migalhas aos mais afortunados, que parecem transitar em um caminho sem obstáculos. Somos, então, esses pobres a quem a Palavra vem erguer novamente, apresentando-lhes a Boa Nova: Jesus atravessa os caminhos do homem, tem compaixão das nossas fraquezas e  compartilha da nossa debilidade (cf. Segunda Leitura). Felizes nós se, tocados pelo Anúncio, somos capazes de gritar seu Nome e invocar sua misericórdia. O amor não decepcionará as nossas expectativas.

Jesus, no entanto, nos interpela, nos pergunta o que queremos de verdade. Curar, “enxergar”, é um compromisso; temos que saber disso. É um compromisso para a nossa fé, que deve crescer para abrir-se ao milagre; e é uma tarefa para o nosso futuro. Com efeito, o Senhor é a luz da vida e resplandece em nossa escuridão para nos tornar seres vivos, para nos erguer do abatimento, da paralisação de quem já se acostumou com limites estreitos. Jesus, que é o Caminho, nos aponta – a nós que estamos exilados na terra estrangeira da infelicidade – o caminho para retornar à terra de origem, à comunhão com o Pai: este é o “caminho reto”; quem nele segue não tropeçará (cf. Primeira Leitura).

Contudo, é certo que devemos passar pela Cruz, morrer para nós mesmos. Queremos enxergar de verdade e, uma vez curados, seguí-Lo? Que o Senhor ilumine os olhos do nosso coração “para que possamos compreender a qual esperança Ele nos chamou” e nos dê a alegria e força para percorrer – seguindo-o – o caminho que conduz a essa esperança.

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ORAÇÃO

Ó Cristo, nós te confessamos “Deus de Deus, Luz da Luz”: vem iluminar nossas trevas. “Para nós, homens, e para a nossa salvação”, tu, Filho eterno de Deus, vieste à terra do exílio de nosso pecado: vem, ainda, abrir-nos o caminho reto do retorno à comunhão com o Pai. Assumiste a frágil carne do homem para poderdes compadecer das nossas fraquezas e oferecê-las a Deus em teu sacrifício de amor: ajuda-nos a acolher a misericórdia que salva. Sabes que nós frequentemente preferimos permanecer sentados, mendigando coisas de pequeno valor, ao invés de esperarmos uma vida em plenitude e diariamente dedicá-la ao compromisso de preenchê-la em te seguir.

Jesus, Filho de Deus, tem piedade de nós! Queremos ser curados de verdade, “ver” e caminhar contigo, aceitando a Cruz e almejando a Casa do Pai, para onde tu nos conduzes com vigor e suavidade.

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