Comentários às leituras do 3º domingo do advento – ano c

3º DOMINGO DO ADVENTO
ANO C
Cor: Roxa ou Rosa

“Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito: alegrai-vos!” (Filipenses 4,4)

1ª LEITURA: SOFONIAS 3,14-18

14. Canta de alegria, cidade de Sião; rejubila, povo de Israel! Alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém!
15. O Senhor revogou a sentença contra ti, afastou teus inimigos; o rei de Israel é o Senhor, Ele está no meio de ti, nunca mais temerás o mal.
16. Naquele dia se dirá a Jerusalém: “Não temas, Sião, não te deixes levar pelo desânimo!
17. O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva; Ele exultará de alegria por ti, movido por amor; exultará por ti, entre louvores,
18. como nos dias de festa”.
– Palavra do Senhor.

O profeta Sofonias, que precede em alguns anos o profeta Jeremias, interpreta com estas palavras o desejo de renascimento da cidade de Jerusalém durante o período de Manassés, rei idólatra e violento. Trata-se de um renascimento espiritual e civil. A destinatária dessas palavras é a “filha de Sião” ou “filha de Jerusalém”, que de ambos os modos designa a mesma cidade de Jerusalém, porém que talvez também faça alusão a algo novo que o Senhor fará.

No texto profético há o cruzamento de diversos temas, todos eles se repetindo pelo menos duas vezes; tal repetição sublinha a urgência da exortação em confiar-se nesta palavra de esperança. O convite à alegria dá o tom fundamental. O profeta recorre a todos os vocábulos possíveis para manifestá-lo: gozo, alegria, regozijo, festa, dança… É esse gozo interior que se manifesta exteriormente pela participação de toda a comunidade. Contudo, o aspecto mais interessante deste sentimento é que não se trata apenas de um gozo humano, mas também de Deus (versículo 17: “exultará por ti, entre louvores”). O fragmento é aberto com o gozo do povo e é encerrado com o gozo de Deus.

O motivo do gozo é a vinda de Deus, pois cancelada toda condenação, habita agora em meio a cidade, como salvador: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti” (versículos 15 e 17). A salvação, por sua vez, é realizada como uma renovação no amor: “Ele exultará de alegria por ti, movido por amor” (versículo 17). Para Sofonias, a salvação está na reafirmação do amor orinal de Deus, em tornar a encontrar o amor perdido; é um amor que expulsa o temor porque já não há motivo para temer quando Deus manifesta o Seu amor. É precisamente este texto que inspira Lucas na cena da Anunciação: “Alegra-te… O Senhor está contigo… Não temas…”.

* * *

SALMO RESPONSORIAL (ISAÍAS 12)

R.: Exultai, cantando alegres, habitantes de Sião,
porque é grande em vosso meio o Deus santo de Israel!

1. Eis o Deus, meu Salvador; eu confio e nada temo;
o Senhor é minha força, meu louvor e salvação.
Com alegria bebereis no manacial da salvação
e direis naquele dia: “Dai louvores ao Senhor! – R.

2. Invocai seu santo Nome, anunciai suas maravilhas,
entre os povos proclamai que seu nome é o mais sublime! – R.

3. Louvai, cantando, ao nosso Deus, que fez prodígios e portentos,
publicai em toda terra suas grandes maravilhas!
Exultai, cantando alegres, habitantes de Sião,
porque é grande em vosso meio o Deus santo de Israel! – R.

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2ª LEITURA: FILIPENSES 4,4-7

Irmãos,
4. alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito: alegrai-vos!
5. Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens! O Senhor está próximo!
6. Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças.
7. E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamento em Cristo Jesus.
– Palavra do Senhor.

O convite à alegria, como a recomendação para não temer (versículo 6: “Não vos inquieteis com coisa alguma”), encontram, para Paulo, seu fundamento no seguinte fato: “O Senhor está próximo”. “Senhor”, aqui, indica não apenas a Deus, mas também a Jesus, porque n’Ele Deus se aproxima da humanidade. A Carta aos Filipenses mostra como a esperança do cristão é diferente da esperança daquele que quer ser otimista a todo custo. Essa [esperança] não se baseia em um sentimento de vontade pessoal, em uma disposição interior ao otimismo, mas sim na pessoa de Jesus, que é garantia da espera para o futuro. Três palavras resumem os aspectos pessoais e comunitários da esperança: gozo, confiança e paz.

Gozo: Brota do fato de viver em comunhão com Jesus e os demais irmãos. Quem afirma isto não é um “folgado”, mas um Apóstolo que sofre, prisioneiro; ainda assim, convida reiteradamente os filipenses à alegria.

Confiança: “Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças” (versículo 6). Abandonar-se a Deus não é indigno do homem, não é um refugiar em um mundo irreal, mas faz parte da verdadeira sabedoria porque “o Senhor protege o caminho dos justos” (1Samuel 2,9).

Paz: É o resultado dos anteriores. Das poucas palavras de Paulo, deduzimos que a paz não é a ausência de preocupações, mas fruto do poder de Deus, que protege o coração e os pensamentos dos fiéis em Cristo Jesus (versículo 7), o que é bem diferente de “não pensar”. A verdadeira paz não é superficial, mas se afiança no homem que decide por si mesmo, na sua mente e no seu coração; deste modo, também suas ações e relações serão ações e relações de paz.

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EVANGELHO: LUCAS 3,10-18

Naquele tempo,
10. as multidões perguntavam a João: “Que devemos fazer?”
11. João respondia: “Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo!”
12. Foram também para o batismo cobradores de impostos e perguntaram a João: “Mestre, que devemos fazer?”
13. João respondeu: “Não cobreis mais do que foi estabelecido”.
14. Havia também soldados que perguntavam: “E nós, que devemos fazer?” João respondia: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com o vosso salário!”
15. O povo estava na expectativa e todos se perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias.
16. Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo.
17. Ele virá com a pá na mão: vai limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha Ele a queimará no fogo que não se apaga”.
18. E ainda de muitos outros modos João anunciava ao povo a boa nova.
– Palavra da Salvação

Após o episódio em que João Batista anuncia a salvação (Lucas 3,2), Lucas passa a relatar os temas éticos da pregação de João em que mostra, com precisão, os caminhos que devem ser seguidos e ajustados conforme os caminhos de Deus.

Vários tipos de pessoas se apresentam a João Batista. Por três vezes (versículos 10, 12 e 14) as pessoas perguntam a João: “Que devemos fazer?” Em resposta, João não pede coisas difíceis, mas recomenda modos de atenção para com o próximo, respeito para com todos conforme a justiça. João Batista, homem do deserto, a quem são dirigidas perguntas sobre o que se deve fazer, não pede para que imitem a sua vida eremítica ou ascética no deserto. Ao contrário, oferece-lhes respostas [práticas] para que possam concretizá-las, cada um em sua vida normal, já que é precisamente aí que todos nós devemos trilhar os caminhos de Deus.

A alguns de seus interlocutores sugere-lhes o compromisso de repartir: “Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem” (versículo 11). A seguir, aproximam-se cobradores de impostos e soldados, duas categorias “suspeitas”; entretanto, também podem se abrir à salvação, vivendo uma vida honesta e renunciando às fraudes. Quando Jesus vier, precisamente os cobradores de impostos e os soldados (v. o centurião) serão testemunhas de uma salvação que lhes é oferecida sem quaisquer condições prévias: uma salvação que é recebida gratuitamente, capaz de mudar a vida.

Por fim, o Evangelista informa que “o povo estava na expectativa” (versículo 15) e perguntavam entre si se João Batista não seria o Cristo. Da pergunta “o que fazer” passa-se para “o Messias”, ou seja, “Quem poderá nos salvar?” João aponta para “Aquele que virá”: o único que poderá transformar a velha vida, queimando a palha e ofertando o Espírito.

* * *

HOMILIA PATRÍSTICA: “SEJAMOS UM EDIFÍCIO SÓLIDO, QUE NENHUMA TEMPESTADE CONSIGA DESTRUIR”

O Batismo de Jesus é um batismo no Espírito Santo e no fogo. Se és santo, serás batizado no Espírito; se és pecador, serás submerso no fogo. Um mesmo e idêntico batismo se converterá, para os indignos e pecadores, em fogo de condenação; para os santos, aos que com fé íntegra se convertem ao Senhor, se lhes será outorgada a graça do Espírito Santo e a salvação.

Pois bem. Aquele de quem se afirma que batiza com o Espírito Santo e o fogo tem em sua mão a pá para limpar sua eira [pelo vento] e reunir o seu trigo no celeiro e queimar a palha em uma fogueira inextinguível.

Gostaria de descobrir a razão pela qual Nosso Senhor tem a pá e que vento é esse que, ao soprar, dispersa por toda parte a palha leve, enquanto que o grão de trigo cai, por seu próprio peso, em um único lugar. De fato, sem o vento não é possível separar o trigo da palha.

Penso que aqui o vento designa as tentações que, no confuso acervo dos fiéis, demonstram quem são a palha e quem são o grão, pois quando a tua alma tiver sucumbido a uma tentação, não é que a tentação te tenha convertido em palha, mas que, como já eras palha – ou seja, leviano e incrédulo – a tentação colocou a descoberto o teu verdadeiro ser. Ao contrário, quando valentemente suportas as tentações, não é que a tentação te tornou fiel e paciente, mas que essas virtudes, a paciência e a fortaleza, que abrigavas em teu interior, externaram para brilhar com a provação. Assim, disse o Senhor: “Pensas que, ao falar-te assim, tinha Eu outra finalidade senão a de manifestar a tua justiça?”. E, em outro lugar: “Te fiz passar fome para afligir-te, para colocar-te à prova e conhecer as tuas intenções”.

Da mesma forma, a tempestade não permite que mantenha em pé um edifício construído sobre a areia; portanto, se queres construir, constrói sobre a rocha. A tempestade desencadeada não conseguirá derrubar o que se edificou sobre a rocha; porém, o que se edificou sobre a areia balança, demonstrando assim que não foi bem edificado. Consequentemente, antes que se desencadeie a tempestade, antes que soprem as ventanias e os rios transbordem os leitos, enquanto tudo está calmo, dediquemos toda a nossa atenção aos fundamentos da construção: edifiquemos a nossa casa com as diversas e sólidas colunas dos preceitos divinos, de forma que, quando cessar a perseguição e a tempestade que se abate sobre os cristãos, possamos demonstrar que o nosso edifício encontra-se construído sobre a rocha, que é Jesus Cristo.

E se alguém chegar a negá-Lo – que Deus não permita! -, que tal pessoa saiba que não negou a Cristo no momento em que externou a negação, mas que já carregava em si o gérmen e as raízes da negação: no momento da negação tornou-se patente a sua realidade interior, externando-a publicamente.

Portanto, oremos ao Senhor para que sejamos um edifício sólido, que nenhuma tempestade consiga derrubar, edificado sobre a rocha, isto é, sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem cabem a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém.

(Orígenes de Alexandria; Homilia 26,3-5, sobre o Evangelho de São Lucas [SC 87,341-343]).
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MEDITAÇÃO

A Palavra de Deus nos convida à alegria como característica de nosso testemunho cristão. “Alegrar-se no Senhor”: na linguagem atual nunca dizemos: “Alegrar-se em certa pessoa”, mas: “Alegrar-se com certa pessoa” ou: “por alguma pessoa”. No entanto, a Escritura nos diz: “Alegrar-se no Senhor”… Somos chamados a esta singular alegria: podemos nos alegrar enquanto vivemos unidos a uma outra Pessoa: o Senhor. Nossa verdadeira alegria apenas brotará de uma experiência de relacionamento, de comunhão com o Senhor Jesus.

A alegria arraigada na esperança da vida de Jesus se expressa na afabilidade com o próximo, na mansidão das relações com os nossos irmãos, no procurar sempre o que convém, adaptando-o a cada situação, no esforço por conseguir obter a justa medida com cada irmão que encontramos.

Nossa alegria deve se manifestar ainda nas obras de justiça, nas obras de uma “vida salva”. Para encontrarmos hoje a paz, o Evangelho não nos deixa solitários com a pergunta: “Que devemos fazer?” Ademais, quer nos ajudar a fazer uma pergunta mais profunda: “A quem devemos dar o nosso coração? Quem pode nos dizer uma palavra verdadeira que suscite e reforce em nós a querer o bem?” João Batista, mestre da moral e da justiça, nos exorta a não abandonarmos essas perguntas e nos indica também uma resposta, ou seja: aponta-nos ao Único a quem vale a pena olhar, para apostar por Ele todo o sentido da nossa existência.

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ORAÇÃO

Olhamos para ti, Senhor Jesus, a quem João Batisma chama “mais forte”: Tu o és porque fazes presente e operante o poder de Deus Pai, para a nossa salvação; o és também porque sabes vencer todas as nossas fraquezas, todas as nossas resistências; o és porque nos livras do mal e trazes paz ao nosso coração.

Olhamos para ti, Senhor Jesus, que batizas no Espírito Santo: Tu nos submerges na própria vida de Deus, nos comunicas o Espírito que habita em ti, o Espírito cujo fruto é a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a benevolência, a bondade, a fidelidade, a mansidão, o autodomínio.

Olhamos para ti, Senhor Jesus, que vens julgar o mundo: Age também hoje com “fogo”, dá-nos a conhecer a santidade de Deus, Seu amor exigente que nos purifica e que é insustentável para nós que temos a fragilidade da palha. Enquanto reunidos com a multidão do Jordão, reconhecemos o nosso pecado e as nossas falhas: aproxima-Te de nós e dá-nos força para voltarmos a Deus.

Olhamos para ti, Senhor Jesus: enquanto procuramos a alegria em outro lugar, Tu te aproximas de nós e nos repetes: “Teu Deus se alegra e exulta por ti”.

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