Como estudar a Sagrada Escritura e obter proveito

Frequentemente vemos católicos achando que ter um conhecimento bíblico é “coisa de protestante” e pior: por não terem noção da doutrina católica acerca da Escritura, são levados por todo e qualquer vento de doutrina como diz São Paulo (Ef 4,14).

Nos EUA, após o filme O Código Da Vinci, cerca de 60% das pessoas afirmaram que Cristo teve uma relação com Maria Madalena. Percebe-se aí que as pessoas deram todo o crédito ao filme, sem ter efetivamente um conhecimento da Sagrada Escritura a respeito. Nós, católicos, devemos ser um exemplo no conhecimento das Escrituras, até para podermos ensinar as pessoas. E isso não é invenção minha ou de qualquer um. Antes é doutrina católica reafirmada por vários papas, como veremos.

Temos que ter em mente que a Sagrada Escritura tem duas características:

1.     Ela é de inspiração divina.

2.     A legítima interpretação da Escritura foi confiada à Igreja.

Quanto ao ponto 1, o papa Leão XIII definiu bem a questão:

“A Igreja os considera sagrados e canônicos não porque redigidos pela ciência humana e depois aprovados pela autoridade da referida Igreja; não apenas porque eles contém a verdade sem erro, mas porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor”. (Leão XIII, Encíclica Providentíssimus Deus)

Ele ainda persiste:

“Ele mesmo [obs.: o Espírito Santo], por sua virtude, os levou a escrever; Ele mesmo os assistiu enquanto escreviam, de tal modo que concebiam exatamente o que queriam contar e que expressavam com verdade infalível tudo e tão somente o que Ele lhes ordenava escrever. De outra forma Ele não seria o autor de toda a Sagrada Escritura”. (Leão XIII, Encíclica Providentíssimus Deus)

Ou seja: a inerrância das Escrituras foi dada muito antes de 1978 em Chicago, de onde saiu uma declaração de inerrância das Escrituras aceita pelos protestantes tradicionais. Muito antes disso, o Magistério da Igreja na pessoa do papa Leão XIII já havia definido tal doutrina.

Com relação ao ponto 2, temos que ter em mente que – ao contrário dos protestantes – sabemos que a livre interpretação não nos levará a lugar algum. A Escritura tem, sim, pontos difíceis de entender, como afirmou S. Pedro com relação aos escritos de São Paulo. Ele alerta, antes de tudo, que “nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação” (2 Pe 1,20) e depois fala que nas cartas de São Paulo há pontos “difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras” (2 Pe 3,16).

Aliado ao que S. Pedro já nos alertou, o papa Leão XIII (ainda ele!) diz:

“É a doutrina de Santo Irineu e de outros Padres, que o Concílio do Vaticano adotou quando, renovando um decreto do Concílio de Trento sobre a interpretação da palavra divina escrita, decidiu que, nas coisas de fé e de moral que servem para a fixação da doutrina cristã, deve-se tomar como sentido exato da Sagrada Escritura aquele que tomou e toma nossa Santa Madre Igreja, a quem cabe julgar o sentido e a interpretação dos Livros Sagrados. Não é permitido a ninguém explicar a Escritura de um modo contrário a esta significação ou ao consenso unânime dos Padres”. (Leão XIII, Encíclica Providentíssimus Deus)

Quem interpreta a Escritura, eliminando as aparentes ambigüidades é a Igreja, assim como quem interpreta a Tradição é – igualmente – o Magistério da Igreja. As possíveis aparentes ambigüidades são esclarecidas pelo Magistério. Devemos, portanto, ter isso em mente ao estudar a Sagrada Escritura. Jamais devemos tomar uma passagem da Escritura e dar-lhe “a nossa visão”. Não temos esse direito e tampouco temos luz de Deus para tal. Quem tem iluminação para isso é a Igreja nos seus pastores.

A leitura da Escritura deve nos levar a um maior amor a Deus e ao próximo. Devemos fazer tal estudo dos Evangelhos com oração, nos colocando na cena como um personagem a mais e vendo assim a vontade de Deus para a nossa vida. A Lectio Divina tem sido muito recomendada pelo papa Bento XVI. É uma leitura orante da Escritura. Deixemos Deus falar conosco pelo silêncio também. Ao lermos a Escritura, convém nos aquietarmos para ouvir a voz de Deus.

S. Josemaria Escrivá fala-nos disso magistralmente:

“Quando amamos uma pessoa, desejamos conhecer até os menores detalhes da sua existência, do seu caráter, para assim nos identificarmos com ela. É por isso que temos que meditar na história de Cristo, desde o seu nascimento num presépio até à sua morte e sua ressurreição.(…) Porque não se trata apenas de pensar em Jesus, de imaginar as cenas que lemos. Temos que intervir plenamente nelas, ser protagonistas. Seguir Cristo tão de perto quanto Santa Maria, sua Mãe; quanto os primeiros Doze, as santas mulheres e aquelas multidões que se comprimiam ao seu redor.(…) Se queremos levar até o Senhor os outros homens, temos que abrir o Evangelho e contemplar o amor de Cristo.” (É Cristo que Passa, 107)

Essa leitura não precisa ser algo extenso. Poucos versículos bastam para essa leitura orante. Ela deve ser feita à parte de da leitura espiritual que fazemos. Devemos sempre tirar um propósito para a nossa vida cotidiana nessa meditação. Sempre devemos entender as questões atuais à luz do Evangelho e não querer que a Escritura se adapte aos dias atuais, pois seria um contra-senso.

O Concílio Vaticano II estimulou esse conhecimento bíblico da parte dos fiéis:

“O sagrado Concilio encoraja os filhos da Igreja que cultivam as ciências bíblicas para que continuem a realizar com todo o empenho, segundo o sentir da Igreja, a empresa felizmente começada, renovando constantemente as suas forças” (Dei Verbum, 23)

“É necessário, por isso, que todos os clérigos e sobretudo os sacerdotes de Cristo e outros que, como os diáconos e os catequistas, se consagram legìtimamente ao ministério da palavra, mantenham um contacto íntimo com as Escrituras, mediante a leitura assídua e o estudo aturado, a fim de que nenhum deles se torne «pregador vão e superficial da palavra de DeusDebrucem-se, pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos pastores da Igreja” (Dei Verbum, 25)

Para fazermos esse estudo que o Concílio recomenda, além da Lectio Divina e meditação, podemos – e devemos – lançar mão de recursos adicionais: o Catecismo da Igreja, os escritos dos Santos Padres e dos santos a respeito do assunto em questão, além de outros auxílios para que possamos compreender melhor o texto bíblico e seu contexto histórico.

Vemos, então, que Sagrada Escritura e Tradição estão inseparavelmente unidas: uma explica a outra e ambas são as colunas nas quais se apóia o Magistério da Igreja para nos ensinar.

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