Correta celebração da Missa (Parte 2)

O que é a Santa Missa?

 

A Santa Missa é o mesmo, único e suficiente sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, oferecido de uma vez por todas, ao Pai, na Cruz do Calvário, pelo perdão de nossos pecados, tornado real e novamente presente, ainda que de outro modo, incruento, no altar da igreja pelas mãos do sacerdote validamente ordenado.

 

Mesmo, único e suficiente: a Missa não é necessário um novo sacrifício para saldar nossa dívida para com Deus. Oferecido de uma vez por todas, ao Pai, na Cruz do Calvário: a Missa é o mesmo sacrifício da Cruz, não um outro. Pelo perdão de nossos pecados: como a Cruz foi a causa de nosso perdão, merecendo-nos a graça de Deus, assim também é a Missa. Tornado real e novamente presente: a mesma Cruz é tornada presente diante de nós, pois para Deus não há limite de espaço ou tempo. Ainda que de outro modo, incruento: na Cruz, Cristo derramou Seu Preciosíssimo Sangue; na Santa Missa, a Cruz é tornada novamente presente, mas de outro modo, sem derramamento de Sangue ? não é, repetimos, uma nova morte de Cristo, mas a mesma e única, porém de modo incruento. No altar da igreja: todo sacrifício precisa de um altar; a Cruz foi o altar onde Cristo ofereceu o sacrifício de Seu Corpo Santíssimo; na Missa não há uma Cruz física onde Cristo deva morrer, mas um altar onde é celebrado o sacrifício e os dons são oferecidos. Pelas mãos do sacerdote: num sacrifício, além do altar, é preciso uma vítima e um sacerdote, i.e., um sacrificador; quando o altar foi a Cruz, Jesus Cristo foi a Vítima, mas também o Sacerdote, pois ninguém O matou, antes Ele mesmo Se entregou à morte por nós; na Santa Missa, se o altar é o da igreja, e a vítima é Cristo, eis que o sacrifício é o mesmo, também há identidade quanto ao sacerdote, o sacrificador. Validamente ordenado: Jesus mandou que os Apóstolos realizassem o sacrifício feito na Cruz e antecipado na última Ceia, e eles passaram o mandato a seus sucessores e aos colaboradores destes; os sucessores dos Apóstolos são os Bispos, e os colaboradores os padres, unidos a Cristo pelo sacramento da Ordem.

 

 

Então, não são dois sacrifícios, o da Cruz e o da Missa, mas um só, o da Cruz, tornado presente na Missa?

 

Isso mesmo! É o que afirmamos na resposta à última pergunta. Acompanhemos o que escreveu o Papa João Paulo II na Encíclica Ecclesia de Eucharistia:

 

“Este aspecto de caridade universal do sacramento eucarístico está fundado nas próprias palavras do Salvador. Ao instituí-lo, não Se limitou a dizer ‘isto é o meu corpo’, ‘ isto é o meu sangue’, mas acrescenta: ‘entregue por vós (…) derramado por vós’ (Lc 22, 19-20). Não se limitou a afirmar que o que lhes dava a comer e a beber era o seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrifical, tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas depois realizaria na cruz pela salvação de todos. ‘A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrifical em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor’.

 

A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto atual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, ‘o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício‘. Já o afirmava em palavras expressivas S. João Crisóstomo: ‘Nós oferecemos sempre o mesmo Cordeiro, e não um hoje e amanhã outro, mas sempre o mesmo. Por este motivo, o sacrifício é sempre um só. […] Também agora estamos a oferecer a mesma vítima que então foi oferecida e que jamais se exaurirá’.

 

A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica. O que se repete é a celebração memorial, a ‘exposição memorial’ (memorialis demonstratio), de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se atualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrifical do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indireta ao sacrifício do Calvário.” (Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 12)

 

 

De que forma os padres e Bispos estão unidos a Cristo?

 

O sacrifício da Missa é o mesmo da Cruz. Deve, portanto, haver identidade entre eles e seus elementos, que são o altar, a vítima e o sacerdote. O altar, vimos, é a Cruz, que, na Missa, apresenta-se como aquele em forma de mesa na igreja. A vítima é Cristo, morto na Cruz, e oferecido na Santa Missa sob as aparências de pão e vinho. O sacerdote é também Jesus Cristo, que Se ofereceu a Si mesmo na Cruz, e que, na Missa, age pelas mãos, gestos e palavras dos padres e Bispos. Os padres e Bispos são sacerdotes na medida em que se unem ao único e supremo sacerdócio de Cristo. Os sacerdotes atuais são como que a extensão de Jesus Cristo, Eterno Sacerdote.

 

O sacrifício é o mesmo, mas de outro modo oferecido. O altar é o mesmo, mas de outro modo é construído. A vítima é a mesma, mas de outro modo se apresenta. O sacerdote é o mesmo, mas de outro modo age. É Cristo Sacerdote quem age pelo sacerdote ? padre ou Bispo.

 

Estão os padres e Bispos unidos a Cristo essencialmente. Diferem-se dos simples fiéis não por grau, mas em essência. E tal união se dá pela graça de Deus, que age através dos sacramentos, sinais e canais da mesma. O sacramento que confere a graça necessária para tornar os homens sacerdotes de Cristo, para uni-los ao Seu único, supremo e eterno sacerdócio, é chamado de Ordem. Pela Ordem, os Bispos são sucessores dos Apóstolos e os padres seus colaboradores, intimamente ligados a Jesus Cristo. Pela Ordem, não agem os sacerdotes apenas ?em nome de Cristo?, senão ?na Pessoa de Cristo?, ?in Persona Christi?. Durante a Santa Missa, não é o padre ou Bispo quem a celebra, oferecendo o sacrifício, porém o próprio Jesus Cristo é quem a celebra, através daqueles.

 

O diácono também recebe o sacramento da Ordem, participando, assim, de um certo modo, da Pessoa de Cristo, ainda que não em Seu ministério sacerdotal, mas em Seu ministério de serviço (diaconal). Por isso, o diácono não oferece a Santa Missa, mas a auxilia em virtude de sua ordenação. Somente o padre, ordenado no grau de presbítero, e o Bispo, que tem a plenitude do sacramento da Ordem, é que participam do sacerdócio.

 

 

Na Santa Missa, como na Cruz, a Vítima é Jesus Cristo. De que modo?

 

“Trata-se realmente de uma única e mesma vítima, que o próprio Jesus oferece pelo ministério dos sacerdotes, Ele que um dia Se ofereceu a Si mesmo na cruz; somente o modo de oferecer-Se é que é diverso” (Concílio Ecumênico de Trento, Sess. XXII, Doutrina do Santíssimo Sacrifício da Missa, cap. 2: DS 1743)

 

O sacrifício de Cristo, oferecido na Cruz do Calvário, antecipado na Última Ceia, e renovado na Santa Missa, é a doação de Seu Corpo e de Sangue entregues ao Pai pela remissão de nossas faltas, e também a nós como alimento espiritual, sob as aparências de pão e de vinho: ??Eu sou o pão da vida. Vossos pais no deserto, comeram o maná e morreram. Este é o pão que desceu do céu, para que não morra todo aquele que dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo.? A essas palavras, os judeus começaram a discutir, dizendo: ?Como pode este homem dar-nos de comer a sua carne?? Então Jesus lhes disse: ?Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.?? (Jo 6,48-56)

 

O pão, durante a Missa, é mudado no Corpo de Cristo. O vinho, durante a Missa, é mudado no Sangue de Cristo. Não se trata de meros símbolos do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo. O Corpo e o Sangue são reais. As aparências continuam de pão e de vinho, com gosto de pão e de vinho, cheio de pão e de vinho. A realidade, todavia, é bem outra. Ainda que os sentidos acusem a presença de pão e de vinho, eles foram mudados em sua substância no Santíssimo Corpo e no Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por causa dessa alteração de substância, de essência, chamamos tal conversão, tal mudança, de transubstanciação.

 

“Pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica chama, de modo conveniente e apropriado, transubstanciação.” (Concílio Ecumênico de Trento. Sess. XIII, Decreto sobre a Santíssima Eucaristia, cap. 4: DS 1642)

 

É o mesmo ensino do Papa Gregório VII:

 

“Creio de coração e confesso de palavra que o pão e o vinho, colocados sobre o altar, se convertem substancialmente, pelo mistério da oração sagrada e das palavras do nosso Redentor, na verdadeira, própria e vivificante Carne e no Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo; e que, depois de consagrados, são o verdadeiro Corpo de Cristo, que nascido da Virgem e oferecido pela salvação do mundo, esteve suspendido na Cruz e agora está assentado à direita do Pai; como também o verdadeiro Sangue de Cristo, que saiu do seu peito. Não está Cristo somente como figura e virtude do Sacramento, mas também na propriedade da natureza e na realidade da substância”. (Mansi, Sacr. Concil. nova et ampliss. collectio, XX, 524D)

 

Aquilo que aparenta ser pão e vinho é o Corpo e o Sangue de Jesus, o mesmo que foi oferecido na Cruz do Calvário. Na Missa, verdadeiro sacrifício que é, a Vítima, Cristo, precisa ser sacrificada. E esse sacrifício é consumado pela comunhão, i.e., pelo ato do sacerdote celebrante consumir o Corpo e o Sangue, comer o Corpo e beber o Sangue, de acordo com o ensino do próprio Senhor.

 

Ensina o Santo Padre, o Papa João Paulo II, em sua Encíclica Mysterium Fidei:

 

“São João Crisóstomo, que, como sabeis, tratou com tanta elevação de linguagem e tão iluminada piedade o Mistério Eucarístico, exprimiu-se nos seguintes termos precisos, ao ensinar aos seus féis esta verdade: ‘Inclinemo-nos sempre diante de Deus sem o contradizermos, embora o que Ele diz possa parecer contrário à nossa razão e à nossa inteligência; sobre a nossa razão e a nossa inteligência, prevaleça a sua palavra. Assim nos comportemos também diante do Mistério (Eucarístico), não considerando só o que nos pode vir dos nossos sentidos, mas conservando-nos fiéis às suas palavras. Uma palavra sua não pode enganar’.

 

Idênticas afirmações encontramos freqüentemente nos Doutores Escolásticos. Estar presente neste Sacramento o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue de Cristo, ‘não é coisa que se possa descobrir com os sentidos, diz Santo Tomás, mas só com a fé, baseada na autoridade de Deus. Por isso, comentando a passagem de São Lucas, 22,19: Isto é o meu corpo que será entregue por vós, diz São Cirilo: Não ponhas em dúvida se é ou não verdade, mas aceita com fé as palavras do Salvador; sendo Ele a Verdade, não mente’.

 

Repetindo a expressão do mesmo Doutor Angélico, assim canta o povo cristão: ‘Enganam-se em ti a vista, o tato e o gosto. Com segurança só no ouvido cremos: creio tudo o que disse o Filho de Deus. Nada é mais verdadeiro do que esta palavra de verdade’.

 

Mais ainda: é São Boaventura quem afirma: ‘Estar Cristo no Sacramento como num sinal, nenhuma dificuldade tem; estar no Sacramento verdadeiramente, como no céu, tem a maior das dificuldades: é pois sumamente meritório acreditá-lo.'” (Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Mysterium Fidei, 17-19)

 

Ensina, outrossim, o grande Santo Agostinho, sobre a presença real de Cristo na Hóstia consagrada, e também sobre nossas disposições ao comungarmos: “A mesma carne, com que andou (o Senhor) na terra, essa mesma nos deu a comer para nossa salvação; ninguém come aquela Carne sem primeiro a adorar…; não só não pecamos adorando-a, mas pecaríamos se a não adorássemos” (Santo Agostinho. In Ps., 98,9; PL 37,1264)

 

 

Sabemos que, por ser Seu sacrifício, Cristo, Deus Filho, está presente na Santa Missa. E quanto a Deus Pai, também se faz presente na Missa? De que maneira?

 

Se o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz do Calvário é a ponte que une a terra ao céu, o homem pecador a Deus santo, temos que a Santa Missa, por ser o mesmo e único sacrifício tornado real e novamente presente, também é comunicação entre essas duas realidades. Na Missa, portanto, o céu desce à terra e esta sobre àquele, não de maneira simbólica, senão de forma verdadeira!

 

O Pai é o destinatário do sacrifício de Jesus. Ele foi o ofendido pelo pecado do homem, e recebe, portanto, o pagamento da dívida por nós contraída. Logo, se a Missa é sacrifício, deve estar presente Deus Pai, destinatário do mesmo, o que recebe todo louvor e toda a glória. Aliás, é o que expressa a oração a seguir, colhida da Missa romana: ?Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória, agora e para sempre.? (Missal Romano; Ordinário da Missa; Doxologia Final da Oração Eucarística) A Missa é toda dirigida, porque é sacrifício, ao Pai. Por Cristo ao Pai. Vemos isso nas várias orações da Missa, em todas as formas nas quais ela é celebrada: a maioria delas se dirige ao Pai, em nome de Jesus Cristo, o Filho, e na unidade do Espírito Santo, que está presente como veremos na questão seguinte.

 

Outrossim, também a presença de Deus Pai é ressonância do ensino de Nosso Senhor: ?… tu, Pai, estás em mim e eu em ti…? (Jo 17,21)

 

 

E Deus Espírito Santo também está presente na Santa Missa?

 

Sim, pois a entrega de Cristo na Cruz ao Pai, renovado, tornado presente na Santa Missa, é um ato de amor. Primeiro, do Filho que se sacrifica para fazer cumprir a vontade do Pai, provando, dessa maneira, Seu amor por Ele. Depois, do Pai para com o Filho, pois o sacrifício de Cristo é agradável aos Seus olhos. O reatamento da amizade entre Deus e a humanidade é conseqüência do sacrifício de Jesus, prova de amor do Pai ao Filho e do Filho ao Pai.

 

Ora, o amor entre o Pai e o Filho é justamente o Espírito Santo. O Filho é a Imagem do Pai que, olhando-Se e contemplando-Se eternamente, a gera. O Espírito Santo, pois, é o Amor do Pai e do Filho, pois o Pai, vendo Sua Imagem, a ama, e o Filho, porque está no Pai, ama Aquele que O contempla. Se está presente na Missa o Filho amando o Pai, e o Pai amando o Filho, está também o Espírito Santo, pois é o Amor entre o Pai e o Filho.

 

Por outro lado, a Santíssima Trindade compartilha, sem dividir, a mesma substância, a mesma essência divina, de modo que onde está o Pai, aí está o Filho e o Espírito Santo, e onde está o Filho, aí está o Pai e o Espírito Santo, e, finalmente, onde está o Espírito Santo, aí está o Pai e o Filho.

 

 

A Santa Missa foi sempre celebrada? E da mesma forma?

 

Pela obediência ao mandamento de Jesus Cristo, os Apóstolos fizeram o que Ele ordenara e celebraram sem cessar o sacrifício da Missa. A Bíblia, em numerosas passagens, o atesta. Entretanto, a forma exterior da celebração nem sempre foi a mesma.

 

No início, o sacrifício tomou parte em uma refeição, durante a qual eram oferecidos o Corpo e o Sangue de Cristo. Contudo, devido a alguns abusos e mal-entendidos originados no seio da comunidade cristã, a refeição foi sendo separada do sacrifício, tendo este último se cercado de ritos próprios, preparatórios para o ato sagrado.

 

Assim, certas cerimônias foram acrescentadas ao sacrifício, para informar os participantes do significado que estava sendo celebrado. Se a Missa é a Cruz, a identidade física, i.e., o modo de ser oferecido o sacrifício é diverso, porém. Quem vê a Cruz no momento histórico em que o sacrifício de Cristo foi realizado, entende logo pela visão o que está acontecendo. Todavia, quem vê a Missa, ainda que seja o mesmo sacrifício da Cruz, não é informado de imediato do que está ocorrendo, necessitando, por isso, de símbolos exteriores que apontem para a realidade do que acontece no altar. A Missa não é um símbolo da Cruz, mas necessita de símbolos para melhor comunicar seu caráter sacrifical.

 

Espalhando-se a Igreja de Jesus pelo mundo inteiro, em cada localidade encontrava formas de celebrar o santo sacrifício da Missa. De acordo com a mentalidade e a cultura próprias de cada povo, os ritos iam adaptando-se, mantendo-se, contudo, a essência. A Missa era a mesma, o sacrifício era o mesmo, mas as maneiras de oferecê-lo eram diferentes, preservando-se sua unidade substancial.

 

Aos poucos, essas diversas formas de celebração foram ganhando uniformidade, algumas desaparecendo, ou absorvendo outras. Foram surgindo livros para ditar as regras para cada maneira de oferecer a Missa, composições dos autores sacros para ornamentar os rituais, calendários para as diferentes festas. Uns ritos sobrepuseram-se aos outros, surgindo verdadeiras famílias litúrgicas, existentes, a maioria delas, até hoje: rito bizantino, originado da forma de celebrar a Missa em Constantinopla (Bizâncio), e mais tarde celebrado também em Antioquia, Alexandria, Jerusalém, Kiev e Moscou, composto em parte por São João Crisóstomo e São Basílio Magno; rito maronita, criado pelos monges libaneses discípulos de São Maron, e que logo tornou-se comum nas Igrejas por eles influenciadas; rito siríaco, usado pelos cristãos de Antioquia que não dependiam diretamente do Império Bizantino; rito copta, dos cristãos da comunidade de Alexandria, no Egito, Igreja fundada por São Marcos Evangelista; rito caldaico, adaptação oriental do rito siríaco; rito armênio, desenvolvido na terra em que primeiro o cristianismo foi abraçado como religião oficial da nação; e outros. No Ocidente, apesar de alguns ritos locais, preponderou o rito romano, em suas duas formas, a tradicional ? usada até a reforma pedida pelo Concílio Vaticano II ? e a renovada.

 

A forma de celebrar a Missa mudou, mas a essência permanece inalterável. Mesmo assim, as formas, quando prescritas pela Igreja, devem ser fielmente observadas.

 

 

Por que razão as regras quanto à celebração da Missa ? normas litúrgicas ? devem ser fielmente observadas?

 

Por quatro razões: simbolizar melhor o que ocorre, remetendo à idéia de sacrifício, e mostrando a identidade entre a Cruz e a Missa; propiciar ambiente de sacralidade, favorecendo a piedade dos participantes; transmitir a riqueza doutrinária da Igreja através de seus ritos seculares; preservar a unidade substancial de cada rito (no nosso caso ocidental, do rito romano).

 

Convém lembrar a orientação da Santa Sé, através da Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, publicada na Instrução Inestimabile Donum: Os fiéis tem direito a uma Liturgia verdadeira, o que significa a Liturgia desejada e estabelecida pela Igreja, a qual de fato, tem indicado adaptações onde podem ser feitas a pedido de requerimentos pastorais em diferentes lugares ou por diferentes grupos de pessoas. Excessivas experimentações, mudanças e certas criatividades, confundem os fiéis. O uso de textos não aprovados significa a perda da necessária conexão entre a lex orandi e a lex credendi.” (Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Instrução Inestimabile Donum, Introdução)

 

 

Onde estão descritas as regras litúrgicas do rito romano?

 

Nas rubricas do Missal Romano, que prescrevem os atos que deve fazer o sacerdote. Também na Instrução Geral do Missal Romano, que nos ensina um resumo da teologia da Missa, e dá normas gerais sobre a celebração, estabelecendo o que é permitido e o que não é. Outrossim, em documentos diversos da Santa Sé podemos encontrar alguma ajuda para a celebração da Missa no rito romano.

 

O Missal Romano sofreu várias alterações nos seus elementos acidentais, no decorrer dos séculos. A versão aprovada pelo Papa São Pio V, por ocasião dos decretos do Concílio Trento (por isso, chamado de ?Missal Tridentino? ou ?de São Pio V?) teve sua última edição típica em 1962. Depois desta, houve a reforma do Concílio Vaticano II, resultando no Missal Romano de 1970, que teve sua terceira edição típica publicada em 2002.

 

 

Tais regras podem ser mudadas pelo padre? E pelo Bispo?

 

Nenhum dos dois pode modificar o rito. Compete apenas à Santa Sé estabelecer normas acerca da celebração da Missa, dos sacramentos e de outros atos litúrgicos. Tanto o padre quanto o Bispo devem ser fiéis guardiões do rito, e celebrar a Missa exatamente como manda a Igreja, lendo as orações prescritas, e fazendo os atos que mandam as rubricas, observando, em tudo, o que informa a Instrução Geral do Missal Romano e os documentos da Santa Sé. O Bispo só pode dispor sobre determinados assuntos bastante particulares, segundo o disposto no Código de Direito Canônico.

 

?Portanto, jamais algum outro, ainda que sacerdote, acrescente, tire ou mude por própria conta qualquer coisa à Liturgia.? (Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Sacrosanctum Concilium, 22, § 3)

 

 

O rito romano moderno, também conhecido como ?Novus Ordo Missae?, inaugurado pelo Papa Paulo VI, em 1970, em razão da reforma litúrgica solicitada pelo decreto do Concílio Vaticano II, e atualmente utilizado como normativo pela Santa Sé e pela Igreja Ocidental, substituiu o rito romano tradicional, de São Pio V, impedindo a celebração deste?

 

Ainda que o rito romano tenha sido alterado pela Constituição Apostólica ?Missale Romanum?, de Sua Santidade, o Papa Paulo VI, conforme previsto pela Constituição ?Sacrosanctum Concilium?, do Vaticano II, a forma tradicional de sua celebração não foi proibida. Inovações no rito foram introduzidas pela reforma, acrescentando-se cerimônias, suprimindo-se outras, e reformando o calendário de festas e leituras bíblicas. A modificação do rito romano, de sua forma tradicional à moderna, foi feita de maneira lícita e pela autoridade competente, a ninguém competindo questionar sobre esse sadio desenvolvimento.

 

É certo que a forma moderna, renovada, foi tornada normativa, constituindo-nos no modo ordinário de oferecimento da Santa Missa em rito romano. Todavia, por força da Carta Apostólica ?Ecclesia Dei?, o Papa João Paulo II, concedeu aos sacerdotes que se sentem particularmente ligados à história e tradição do rito romano, a faculdade de celebrar a Santa Missa e outras ações litúrgicas segundo sua forma tradicional, utilizando-se do Missal Romano de 1962, última edição daquele que fora chamado ?Missal Tridentino? ou ?de São Pio V?. Dessa forma, muitos sacerdotes aderiram a essa possibilidade e paróquias foram criadas para a celebração da Santa Missa do modo antigo. De outra sorte, sacerdotes anteriormente unidos a diversos cismas, especialmente o liderado por Monsenhor Marcel Lefebvre, e que lutavam pelo direito de oferecer a Missa como antes, sem usar o Missal Romano de 1970, voltaram à comunhão com a Santa Sé, organizando-se principalmente na Fraternidade Sacerdotal São Pedro e no Instituto Cristo Rei Soberano Sacerdote. Também uma circunscrição eclesiástica foi criada, no Brasil, para atender fiéis e clérigos identificados com o rito romano em sua forma tradicional, a Administração Apostólica São João Maria Vianney, na cidade de Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro.

 

Temos de atentar para o fato de que a Missa no rito romano, em suas formas moderna e tradicional, apresentam-se como verdadeiro sacrifício de Cristo, e que ambas são válidas e lícitas, devendo ser celebradas como todo o decoro e solenidade. A reforma litúrgica, da qual resultou o rito romano moderno, não pode servir de pretexto para os atuais erros que se operam na celebração da Missa em muitas paróquias. Tais ?bagunças? não encontram guarida na mudança de forma para outra, não se justificando os abusos.

 

Quando no presente texto indicarmos somente a expressão ?rito romano?, estamos nos referindo ao modo normativo, ou seja, à sua forma moderna, renovada.

 

 

Em que língua deve ser celebrada a Santa Missa, no rito romano?

 

A língua oficial para a celebração da Santa Missa e de todos os atos litúrgicos, no rito romano, em ambas as formas, tradicional (tridentina) e moderna (renovada), é o latim. O Concílio Vaticano II, ao contrário do que muitos pensam, não aboliu o uso do idioma latino, antes o incentivou. ?Salvo o direito particular, seja conservado o uso da Língua Latina nos Ritos latinos.? (Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Sacrosanctum Concilium, 36, § 1)

 

Há, isso sim, uma permissão para que a Missa seja oferecida em vernáculo, i.e., nas línguas nacionais dos vários países. Pode-se, além disso, dizer determinadas partes da Missa em latim e outras em vernáculo.

 

Portanto, a regra é que a Santa Missa, em rito romano, deva ser celebrada em latim, permitindo-se que seja oferecida em vernáculo. Para tal, as conferências episcopais devem traduzir os textos litúrgicos do latim ao idioma pátrio e submeter essas versões para aprovação da Santa Sé Romana.

 

 

Para que direção deve estar voltado o sacerdote ao celebrar a Santa Missa, no rito romano?

 

Na forma tradicional de celebração da Santa Missa em rito romano, i.e., segundo o Missal de 1962, não há dúvida: o sacerdote deve estar voltado ad Orientem, ou, como se diz popularmente, ?de costas para o povo?.

 

Muitos pensam que o Missal de 1970, instituindo a nova forma de celebrar a Missa romana, modificou a direção a qual deve estar voltado o sacerdote celebrante. Ledo engano, a posição do ofertante foi mantida a mesma. É o que informa recentes documentos da Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, bem como o próprio Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em entrevista por ocasião do lançamento de seu livro ?O espírito da liturgia?. Também das próprias rubricas do Missal Romano de Paulo VI encontramos as informações que confirmam tal ensino: o sacerdote deve, segundo tais textos, ?voltar-se para o povo?; isto significa que, se deve voltar-se ao povo, é porque antes estava voltado ad Orientem.

 

Mesmo assim, ainda que a norma seja a manutenção da direção do sacerdote ad Orientem, também conhecida como versum Deum foi permitida pela reforma a posição versum populum, i.e., voltado para o povo, atrás do altar, forma, aliás, que se disseminou mundialmente, tornando-se bastante popular.

 

No rito romano tradicional, a Missa é, portanto, celebrada somente ad Orientem, enquanto em sua forma moderna, costumeira em nossas paróquias, pode ser tanto ad Orientem quanto versum populum.

 

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