D. Eugênio Salles analisa a encíclica papal sobre a Eucaristia

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

13/6/2003

A Eucaristia

Ocupa lugar de destaque entre as celebrações litúrgicas a festa de Corpus Christi, “Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo” sempre realizada na quinta-feira após o Domingo da Santíssima Trindade. Em 1241 teve início em Liège, na Bélgica, uma festividade eucarística denominada ?Solenidade de Deus?. Foi ela incluída no calendário da Igreja pelo Papa Urbano IV, em 1264, para recordar não tanto a instituição da Eucaristia, que é feita na Quinta-feira Santa, mas a presença real de Cristo sob as aparências de pão e vinho, no Santíssimo Sacramento. Como dia santo, além da missa solene, há uma procissão, entre as mais participadas e piedosas. O texto litúrgico foi escrito pelo próprio Santo Tomás de Aquino e é considerado um dos mais belos da Liturgia das Horas, o Breviário.

Para o festivo dia, este ano, 19 de junho, como preparação espiritual será de grande utilidade aprofundar o conteúdo da recente Carta Encíclica de João Paulo II, datada de 17 de abril, Quinta-feira Santa, sobre ?Eucaristia na sua relação com a Igreja?. É a 14ª Carta Encíclica deste Pontífice e faz parte das comemorações do 25º aniversário do seu Pontificado, até hoje, o quarto mais longo e extraordinariamente profícuo.

O título da Encíclica, que como de costume teve origem nas primeiras palavras do texto, é: ?Ecclesia de Eucharistia?, na versão portuguesa: ?A Igreja vive da Eucaristia?. O Papa conclui a introdução referindo-se às luzes sobre o assunto, fruto do Concílio Vaticano II e, com tristeza, se reporta aos desvios: ?existem abusos que contribuem para obscurecer a fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento?. Encerra este primeiro segmento com esperança: ?Espero que esta minha Carta Encíclica possa contribuir eficazmente para dissipar as sombras de doutrinas e práticas não aceitáveis? (nº 10).

O Capítulo I aborda o ?Mistério da Fé? e recorda o que o Catecismo da Igreja Católica (nº 1382) ensina: ?A missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrifical e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor?.

A estrutura transcendental da Eucaristia é um estímulo à nossa vida terrena e ao cumprimento diário de nossos deveres, como cidadãos deste mundo. Diz João Paulo II: ?Os cristãos se sintam ainda mais decididos a não descurar dos seus deveres de cidadãos terrenos? (nº 20).

O Capítulo II tem por título ?A Eucaristia edifica a Igreja?. Este Sacrifício e Sacramento são caracterizados como ?a força geradora da unidade? (nº 24) em contraposição ao influxo desagregador do pecado. O culto eucarístico, inclusive fora da Missa, é exaltado como valiosa força na vida eclesial. O Papa insiste na importância do culto ao Santíssimo Sacramento: ?Compete aos Pastores, inclusive pelo testemunho pessoal, estimular o culto eucarístico, de modo particular as exposições do Santíssimo Sacramento e também as visitas de adoração a Cristo presente sob as espécies eucarísticas? (nº 25). Paulo VI, na Encíclica ?Mysterium Fidei? datada de 3 de setembro de 1965, já recordava e reagia a um retrocesso no assunto: ?Os fiéis não deixem de visitar o Santíssimo Sacramento (…) (como) prova de gratidão, sinal de amor e dever de adoração? (nº 68). Devemo-nos convencer de que ninguém cresce na vida religiosa ou faz progredir a comunidade que está confiada a seu zelo, sem o fortalecimento da devoção eucarística?.

?A Apostolicidade da Eucaristia e da Igreja? é matéria tratada no capítulo III. O vínculo entre o mistério eucarístico e o Colégio Apostólico primitivo e o atual deve ser cuidadosamente preservado contra a tentação de inovações litúrgicas ilegais. Assim, ?seja unicamente o sacerdote a recitar a Oração Eucarística, enquanto o povo se lhe associa, com fé e em silêncio? (nº 28); a celebração da Eucaristia ?é um dom que supera radicalmente o poder da assembléia? (nº 29); ?o sacerdote ponha em prática a recomendação conciliar de celebrar diariamente a Eucaristia, porque, mesmo que não possa ter a presença dos fiéis, é ato de Cristo e da Igreja? (nº 31).

?A Eucaristia e a comunhão eclesial? é abordada no capítulo IV e no seguinte. O Santo Padre faz ?um veemente apelo para que as normas litúrgicas sejam observadas com grande fidelidade (…) atualmente também deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas? (nº 52).

O Santo Padre, ao tratar da necessidade de uma prévia confissão para receber a comunhão, após ter cometido pecado grave, pois caso contrário seria um sacrilégio,  cita uma frase de São João Crisóstomo: ?Nunca poderá chamar-se comunhão (…) mas condenação, tormento e redobrados castigos? (nº 36).

O Santo Padre, de modo admirável, trata do decoro na celebração eucarística, da música sacra, a construção e o adorno dos edifícios sagrados, a sã e necessária inculturação? em estreita relação com a Santa Sé? (nº 51). Ao referir-se à responsabilidade que têm, sobretudo os sacerdotes, na celebração eucarística, lamenta que, ?infelizmente, (…) por um ambíguo sentido de criatividade e adaptação não faltaram abusos (…) e foram introduzidas inovações não autorizadas e, muitas vezes, completamente impróprias? (nº 52).

Assim termina este capítulo: ?A ninguém é permitido aviltar este mistério (…) tratá-lo a seu livre arbítrio, não respeitando o seu caráter sagrado nem a sua dimensão universal? (nº 52).

Diversos episcopados logo manifestaram decidido apoio à Carta Encíclica ?Ecclesia de Eucharistia? como fez, por exemplo, o Presidente da Conferência Episcopal Alemã, Cardeal Karl Lehmann.

Sem dúvida, a ?Ecclesia de Eucharistia? se destaca entre as mais belas e oportunas encíclicas do atual Pontífice. A leitura integral do texto constitui válido esforço para uma celebração mais proveitosa da próxima festa de ?Corpus Christi?.

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