Deus Maravilhoso (João Paulo II: 02.02.2001)

Carta Apostólica
POVO ARMÊNIO
por ocasião do 1700ª aniversário do batismo do povo armênio.

1. “Deus, maravilhoso e sempre providente, segundo a Vossa previsão, deste início à salvação dos Arménios”.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, o antigo hino litúrgico, que canta a iniciativa de Deus na evangelização do vosso nobre Povo brota do meu coração repleto de gratidão nesta feliz data, na qual celebrais o XVII centenário do encontro dos vossos antepassados com o cristianismo. Toda a Igreja católica rejubila na recordação da providencial purificação baptismal, graças à qual a vossa nobre e querida Nação começou definitivamente a fazer parte da multidão de povos que acolheram a vida nova em Cristo.

“Pois todos os que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo” (Gl 3, 27). As palavras do Apóstolo Paulo revelam a singular novidade que o cristão adquire pelo facto de ter recebido o Baptismo. De facto, com este sacramento o homem é incorporado em Cristo, de forma que já pode afirmar com confiança: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Este encontro pessoal e irrepetível regenera, santifica e transforma o ser humano, tornando-o perfeito adorador de Deus e templo vivo do Espírito Santo. O Baptismo, ao inserir o discípulo na verdadeira videira que é Cristo, faz dele um ramo capaz de dar fruto. Tornado filho no Filho, ele é herdeiro da felicidade eterna, preparada desde a origem do mundo.

Por conseguinte, cada Baptismo é um acontecimento marcado pelo encontro de amor entre Cristo Senhor e a pessoa humana, no mistério da liberdade e da verdade. É um acontecimento que tem uma dimensão eclesial, como se verifica com qualquer outro sacramento: a incorporação em Cristo significa também a incorporação na Igreja, Esposa do Verbo, Mãe Imaculada e afectuosa. A respeito disto, o Apóstolo Paulo afirma: “Foi num só Espírito que todos nós fomos baptizados, a fim de formarmos um só corpo” (1 Cor 12, 13).

Esta incorporação na Igreja adquire uma visibilidade particular na história de alguns povos, para os quais a conversão foi um facto comunitário, ligado a acontecimentos ou circunstâncias particulares. Quando isto se verifica, fala-se de “Baptismo de um povo”.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs do povo arménio, há dezassete séculos esta conversão comum a Cristo realizou-se para vós. Tratou-se de um acontecimento que marcou profundamente a vossa identidade; não só a identidade pessoal, mas também a comunitária, de forma que se pode com razão falar de “Baptismo” da vossa Nação, mesmo se na realidade a penetração do cristianismo já tinha sido iniciado desde há algum tempo na vossa Terra. A tradição atribui o seu início à pregação e à obra dos próprios santos apóstolos Tadeu e Bartolomeu.

Com o “Baptismo” da comunidade arménia, a começar pelas suas autoridades civis e militares, nasce uma identidade nova do povo, que se tornará parte constitutiva e inseparável do próprio ser arménio. Desde então já não foi mais possível pensar que, entre os componentes dessa identidade, não esteja a fé de Cristo, como elemento essencial. Aliás, a própria cultura arménia receberá do anúncio do Evangelho um impulso de extraordinário vigor: a “armeniedade” dará uma conotação profundamente característica a este anúncio e, ao mesmo tempo, este anúncio será uma força propulsora para um progresso sem precedentes da própria cultura nacional. Também a invenção do alfabeto arménio, facto determinante para a estabilidade e o carácter definitivo da identidade cultural do povo, estará estreitamente ligada ao “Baptismo” da Arménia e será querida e concebida como um verdadeiro e próprio instrumento de evangelização, antes de o ser como um instrumento de comunicação e de conceitos e notícias. Obra de São Mesrop-Masthoc’, em colaboração com o santo Catholicos Sahak, o novo alfabeto permitirá aos Arménios receber as melhores linhas da espiritualidade, da teologia e da cultura de Sírios e Gregos, e de fundir tudo isto de maneira original com a contribuição da especificidade do próprio génio.

3. A conversão da Arménia, que se realizou no alvorecer do século IV e tradicionalmente situada no ano 301, deu aos vossos antepassados a consciência de ser o primeiro povo oficialmente cristão, muito antes que o cristianismo fosse reconhecido como religião própria do império romano.

É sobretudo o histórico Agatângelo que, numa narração rica de simbolismo, se detém a narrar pormenorizadamente os factos que a tradição coloca na origem dessa maciça conversão do vosso povo. A narração inspira-se no encontro providencial e dramático dos dois heróis que estão na base dos acontecimentos: Gregório, filho do Parto Anak, que cresceu em Cesareia de Capadócia, e o rei arménio Tiridate III. Na realidade, no início foi um confronto: Gregório, tendo-lhe sido pedido o seu sacrifício para a deusa Anahit, opôs-se com uma decidida recusa, explicando ao soberano que um só é o criador do céu e da terra, o Pai do Senhor Jesus Cristo. Tendo sido por isso submetido a cruéis tormentos, Gregório, assistido pelo poder de Deus, não se sujeitou. Considerando esta sua irredutível constância na confissão cristã, o rei mandou lançá-lo num poço profundo, um lugar incómodo e escuro infestado de serpentes, onde ninguém anteriormente tinha sobrevivido. Mas Gregório, alimentado pela Providência através da mão piedosa de uma viúva, permaneceu longos anos naquele poço sem sucumbir.

A narração prossegue contando as tentativas realizadas entretanto pelo imperador romano Diocleciano para seduzir a santa virgem Hrip’sime, a qual, a fim de se subtrair ao perigo, fugiu de Roma com um grupo de companheiras, procurando refúgio na Arménia. A beleza da jovem chamou a atenção do rei Tiridate, que se apaixonou por ela e quis fazê-la sua. Perante a obstinada recusa de Hrip’sime, o rei enfureceu-se e mandou matá-la, assim como as suas companheiras com torturas cruéis. Segundo a tradição, como pena pelo horrendo delito, Tiridate foi transformado num javali, e não pôde recuperar a aparência humana enquanto não obedeceu a uma indicação do Céu, libertando Gregório do poço no qual tinha permanecido durante treze longos anos. Tendo obtido o prodígio da recuperação do semblante humano pelas orações do Santo, Tiridate compreendeu que o Deus verdadeiro era o de Gregório e decidiu converter-se, juntamente com a sua família e com o exército e empenhar-se na evangelização de todo o País. Desta forma os Arménios foram baptizados e o cristianismo impôs-se como religião oficial da Nação. Gregório, que entretanto tinha recebido em Cesareia a ordenação episcopal, e Tiridate percorreram o País, destruindo os lugares de culto dos ídolos e construiram templos cristãos.

Depois de uma visão do Unigénito Filho de Deus encarnado, foi construída uma igreja em Vagharshpat, que do prodigioso acontecimento tomou o nome de Etchmiadzin, o que significa o lugar onde “o Unigénito desceu”. Os sacerdotes pagãos foram instruídos na nova religião e tornaram-se os ministros do novo culto, enquanto os seus filhos constituíram o nervo do clero e do subsequente monaquismo.

Gregório retirou-se muito cedo para a vida eremita no deserto, e o filho mais jovem Aristakes foi ordenado Bispo e constituído chefe da Igreja arménia. Nesta qualidade participou no Concílio de Niceia. O historiador arménio conhecido com nome de Moisés de Corene define Gregório “o nosso progenitor e pai segundo o Evangelho” (1) e, para mostrar a continuidade entre a evangelização apostólica e a do Iluminador, refere a tradição segundo a qual Gregório teria tido o privilégio de ser concebido ao lado da sagrada memória do apóstolo Tadeu.

Os antigos calendários da Igreja ainda não dividida celebram-no, no Oriente e no Ocidente, no mesmo dia como apóstolo incansável de verdade e de santidade. Pai na fé de todo o povo arménio, São Gregório ainda hoje intercede do Céu, a fim de que todos os filhos da vossa grande Nação possam finalmente encontrar-se de novo à volta da única Mesa posta por Cristo, divino Pastor do único rebanho.

4. Esta narração tradicional encerra em si, paralelamente aos aspectos legendários, elementos de grande significado espiritual e moral. A pregação da Boa Nova e a conversão da Arménia, estão antes de mais fundadas no sangue das testemunhas da fé. Os sofrimentos de Gregório e o martírio de Hrip’sime e das suas companheiras mostram como o primeiro Baptismo da Arménia é precisamente o do sangue.

A componente do martírio constitui um elemento constante na história do vosso povo. A sua fé permanece indissoluvelmente ligada ao testemunho do sangue derramado por Cristo e pelo Evangelho. Toda a cultura e a própria espiritualidade dos Arménios estão invadidos do orgulho pelo sinal supremo do dom da vida no martírio. Sentem-se nelas os ecos dos gemidos devido ao sofrimento suportado em comunhão com o Cordeiro imolado para a salvação do mundo. Disto é símbolo o sacrifício de Vardan Mamikonian e dos seus companheiros que, na batalha de Avarayr (a. 451) contra a dinastia de Iazdegerd II que queria impor ao povo a religião mazdeísta, deram a vida para permanecer fiéis a Cristo e defender a fé da Nação. Na vigília do conflito, como narra o histórico Eliseu, os soldados foram exortados a defender a fé com estas palavras: “Quem pensava que o cristianismo fosse para nós como roupa, agora sabe que não no-lo pode tirar, como não nos pode tirar a côr da pele” (2). Trata-se de um testemunho eloquente da coragem que animava estes crentes: morrer por Cristo significava para eles participar na sua paixão, afirmando os direitos da consciência. Era preciso não permitir que fosse renegada a fé cristã, sentida pelo povo como um bem supremo.

A partir de então repetiram-se muitas vezes vicissitudes análogas, até aos massacres suportados pelos Arménios nos anos entre os séculos XIX e XX, que culminaram nos trágicos acontecimentos de 1915, quando o povo arménio teve de sofrer violências indizíveis, cujas consequências dolorosas ainda são visíveis na diáspora, à qual foram obrigados muitos dos seus filhos. É uma memória que não se pode perder. Várias vezes, no decurso do século que há pouco terminou, os meus Predecessores quiseram prestar homenagem aos cristãos da Arménia, que perderam a vida por mãos violentas (3). Eu próprio quis recordar os sofrimentos suportados pelo vosso povo: são os sofrimentos dos membros do Corpo místico de Cristo (4).

Os acontecimentos sanguinolentos, além de marcarem profundamente a alma do vosso povo, mudaram várias vezes a sua geografia humana, obrigando-o a contínuas migrações em todo o mundo. Merece ser realçado o facto de que, onde quer que os arménios tenham chegado, levaram a riqueza dos próprios valores morais e das próprias estruturas culturais, indissoluvelmente ligadas às eclesiásticas. Guiados pela confiante consciência do apoio divino, os cristãos arménios souberam manter firme nos seus lábios a oração de São Gregório de Narek: “Se fixar os olhos a observar o espectáculo do duplo risco no dia da miséria, que eu veja a tua salvação, ó providente Esperança! Se voltar o olhar para o alto em direção do caminho aterrador que tudo envolve, que venha ao meu encontro docemente o anjo da paz!” (5). De facto, a fé cristã, também nos momentos mais trágicos da história arménia, foi a mola propulsora que assinalou o início do renascimento do um povo cansado.

Assim a Igreja, seguindo os seus filhos peregrinos no mundo à procura de paz e de serenidade, constituiu a sua verdadeira força moral, tornando-se, em muitos casos, a única instância que eles puderam ter como ponto de referência, o único centro autorizado que apoiou os seus esforços e inspirou o seu pensamento.

5. Um segundo elemento de grande valor na vossa história atormentada, queridos Irmãos e Irmãs arménios, é constituído pela relação entre evangelização e cultura. A palavra “Iluminador”, com a qual é designado São Gregório, realça muito bem a sua dupla função na história da conversão do vosso povo. De facto, “iluminação” é a palavra tradicional na linguagem cristã para indicar que, mediante o Baptismo, o discípulo, chamado por Deus das trevas para a sua admirável luz (cf. 1 Pd 2, 9), é inundado pelo esplendor de Cristo “luz do mundo” (Jo 8, 12). N’Ele, o cristão encontra o profundo significado da sua vocação e da sua missão no mundo.

Mas a palavra “iluminação”, na acepção arménia, enriquece-se de um ulterior significado, porque também indica a difusão da cultura através do ensinamento, confiado em particular aos monges-mestres, continuadores da pregação evangélica de São Gregório. Como evidencia o historiador Koriun, a evangelização da Arménia levou consigo a vitória sobre a ignorância (6).

Com o espalhar da alfabetização e do conhecimento das normas e dos preceitos da Sagrada Escritura, foi permitido finalmente ao povo construir uma sociedade regida de maneira sábia e prudente. Também Agatângelo não deixa de anotar como a conversão da Arménia tenha implicado a emancipação dos cultos pagãos, que não só escondiam ao povo a verdade da fé, mas mantinham-no de igual modo numa condição de ignorância (7).

Por este motivo a Igreja arménia considerou sempre parte integrante do seu mandato a promoção da cultura e da consciência nacional e empenhou-se sempre para que esta síntese permanecesse viva e fecunda.

6. A narração tradicional dos factos relacionados com a conversão dos Arménios oferece motivos para uma reflexão. Em São Gregório o Iluminador e nas santas Virgens resplandece a força poderosa da fé, que leva a não se deter perante as tentações do poder do mundo, e torna capazes de resistir aos sofrimentos mais atrozes bem como às lisonjas mais aliciantes. No rei Tiridate podem ver-se as consequências provocadas pelo afastamento de Deus: o homem perde a própria dignidade degradando-se, de maneira a permanecer prisioneiro dos próprios desejos. De toda esta narração emerge uma verdade importante: não existe uma sacralidade absoluta do poder, e não significa que ele possa ser sempre justificado em tudo o que realiza. Ao contrário, deve-se reconhecer a responsabilidade pessoal das próprias escolhas: se elas são erradas, permanecem assim, mesmo que seja um rei quem as realiza. A humanidade reconstitui-se totalmente quando a fé desmascara o pecado, o iníquo se converte e encontra Deus e a sua justiça.

Nos edifícios cristãos, construídos no lugar onde se veneravam os ídolos, transparece a verdadeira identidade do cristianismo: isso encerra o que nele existe de verdadeiramente válido em sentido religioso da humanidade e sabe, ao mesmo tempo, propor a novidade de uma fé que não admite outros compromissos. Desta forma, edificando o povo santo de Deus, contribui também para o aparecimento de uma nova civilização na qual são sublimados os valores mais autênticos do homem.

7. Enquanto se desenvolvem as celebrações do XVII centenário da conversão da Arménia, o meu pensamento eleva-se ao Senhor do céu e da terra, ao qual desejo exprimir a gratidão de toda a Igreja por ter suscitado no povo arménio uma fé tão firme e corajosa e por ter apoiado o testemunho.

Uno-me de boa vontade a esta feliz comemoração, para contemplar juntamente convosco, caríssimos Irmãos e Irmãs, a inumerável multidão de Santos que teve a origem nesta terra abençoada e agora resplandece na glória do Pai. Trata-se de figuras que constituem um rico tesouro para a Igreja: são mártires, confessores da fé, monges e monjas, filhos e filhas que nasceram de novo da fecundidade da Palavra de Deus. Entre as figuras ilustres, quero recordar aqui São Gregório de Narek, que sondou as profundezas tenebrosas do desespero humano e entreviu a luz resplendente da graça que também nela brilhou para o crente, e São Nerses Shnorhali, o Catholicos que conjugou um extraordinário amor pelo seu povo e pela sua tradição cum uma clarividente abertura às outras Igrejas, num esforço exemplar de busca da comunhão na plena unidade.

Desejo dizer ao povo arménio, antes de mais, o meu obrigado pela sua longa história de fidelidade a Cristo, fidelidade que conheceu a perseguição e o martírio. Os filhos da Arménia cristã derramaram o seu sangue pelo Senhor, mas toda a Igreja cresceu e se consolidou em virtude do seu sacrifício. Se hoje o Ocidente pode livremente professar a própria fé, isto é devido também a quantos se imolaram, fazendo do seu corpo uma defesa para o mundo cristão, nas suas extremas ramificações. A sua morte foi o preço da nossa segurança: agora eles resplandecem envolvidos em cândidas vestes e cantam ao Cordeiro o hino de louvor na bem-aventurança do Céu (cf. Ap 7, 9-12).

O património de fé e de cultura do povo arménio enriqueceu a humanidade de tesouros de arte e de talento, que agora se encontram espalhados em todo o mundo. Mil e setecentos anos de evangelização fazem desta Terra um dos berços da civilização cristã, para a qual se dirige com um olhar de admiração a veneração de todos os discípulos do Mestre divino.

Embaixadores de paz e de laboriosidade, os Arménios percorreram o mundo e, com o árduo trabalho das suas mãos, ofereceram um precioso contributo para o transformar e tornar mais próximo do projecto de amor do Pai. O povo cristão sente-se feliz pela sua presença generosa e fiel e deseja que eles possam encontrar sempre simpatia e compreensão em todas as partes do mundo.

8. Desejo dirigir, ainda, um pensamento particular a todos os que se empenham para que a Arménia supere os sofrimentos de tantos anos de regime totalitário. O povo espera sinais concretos de esperança e solidariedade, e estou certo de que a recordação grata das próprias origens cristãs é para cada Arménio motivo de conforto e de estímulo. Faço votos para que a memória viva dos prodígios realizados por Deus entre vós, caríssimos fiéis arménios, vos ajude a redescobrir em plenitude a dignidade do homem, de cada homem, de qualquer condição, e vos estimule a apoiar em bases espirituais e morais a reconstrução do País.

Formulo fervorosos votos para que os fiéis continuem com coragem o seu empenho e os seus já notáveis esforços, de forma que a Arménia de amanhã refloresça nos valores humanos e cristãos da justiça, da solidariedade, da igualdade, do respeito, da honestidade e da hospitalidade, que estão na base da convivência humana. Se isto se verificar, o Jubileu do povo arménio dará plenamente o seu fruto.

Estou certo de que a data dezassete vezes centenária do Baptismo da vossa querida Nação será um momento significativo e particular para continuar com vigor o caminho do diálogo ecuménico.

As cordiais relações já existentes entre a Igreja Apostólica Arménia e a Igreja Católica tiveram, nos últimos decénios, um impulso decisivo também através dos encontros das mais altas Autoridades daquela Igreja com o Papa. Como esquecer, neste contexto, as memoráveis visitas ao Bispo e à comunidade cristã de Roma de Sua Santidade Varken I em 1970, do inesquecível Karekin I em 1996, e a recente visita de Karekin II? Depois, a entrega a Sua Santidade Karekin II, na presença do Patriarca armenio-católico, da relíquia do Pai da Arménia cristã, que eu próprio tive a alegria de realizar recentemente, para a nova catedral de Yerevan, constitui uma ulterior confirmação do vínculo profundo que une a Igreja de Roma a todos os filhos de São Gregório o Iluminador.

É um caminho que deve continuar com confiança e coragem, a fim de que todos possam ser cada vez mais fiéis ao mandamento de Cristo: ut unum sint! Nesta perspectiva, a Igreja arménio-católica deve oferecer o seu decisivo contributo mediante a “oração, o exemplo da vida, a escrupulosa fidelidade às antigas tradições orientais, o mútuo e mais profundo conhecimento, a colaboração e a fraterna estima de coisas e pessoas” (8).

Com os Arménios e para os Arménios presidirei daqui a poucos dias a uma solene Eucaristia de louvor para agradecer a Deus o dom da fé dele recebido, rezando para que o Senhor “reúna em unidade todos os povos na sua santa Igreja, que surgiu sobre os fundamentos dos Apóstolos e dos Profetas, e a conserve imaculada até ao dia em que Ele voltar” (9). Naquela celebração estarão presentes na única Mesa do Pão de vida os Irmãos e as Irmãs que já vivem a comunhão plena com a Sé de Pedro e, desta forma, enriquecem a Igreja Católica com o próprio contributo insubstituível. Mas o meu profundo desejo é que aquela sagrada Acção de graças abrace idealmente todos os Arménios, onde quer que se encontrem, para exprimir com uma única voz o reconhecimento de cada um a Deus pelo dom da fé, no sagrado ósculo da paz.

9. O meu pensamento dirige-se para a “Mãe da Luz, Maria, a Virgem santa que gerou segundo a carne a Luz que provém do Pai, e se tornou o alvorecer do Sol de justiça” (10). Venerada com profundo afecto com o título de Astvazazin (Mãe de Deus), ela está presente em todos os momentos da atormentada história daquele povo. São principalmente os textos litúrgicos e homiléticos que escancaram os tesouros da devoção mariana que, ao longo dos séculos, assinalou a afeição filial dos Arménios à Escrava do grande mistério da salvação. Além de a recordar quotidianamente na Divina Liturgia e em todas as horas do Ofício divino, a oração da Igreja prevê festas ao longo do ano que recordam a sua vida e os mistérios de mais relevo. A ela se dirigem os fiéis com confiança, para solicitar que a sua intercessão junto do Filho: “Templo da Luz sem manchas, tálamo inefável do Verbo, tu, que destruíste a triste maldição da mãe Eva, implora ao teu Filho Unigénito, que nos reconciliou com o Pai, para que nos prive de qualquer perturbação e conceda a paz às nossas almas” (11)! Virgem do Socorro, Maria é venerada como a rainha da Arménia.

Luminosa glória, na multidão dos Santos arménios cantores da Mãe de Deus, é sem dúvida São Gregório de Narek, o grande Vardapet (doutor) mariano da Igreja Arménia, que também eu quis recordar na Encíclica Redemptoris Mater (12). Ele saúda a Virgem Santa como “Sede predilecta da vontade da Divindade encarnada” (13). Com as suas palavras, se eleve a súplica da Igreja em festa, para que este Jubileu do Baptismo da Arménia seja motivo de renascimento e de alegria:

“Aceita o cântico de bênção dos nossos lábios e digna-te conceder a esta Igreja os dons e as graças de Sião e de Belém, para que possamos ser dignos de participar na salvação no dia da grande manifestação da glória indestrutível do imortal salvador e teu Filho, o Unigénito” (14).

Sobre todo o povo arménio e sobre as próximas celebrações, invoco a plenitude das bênçãos divinas, fazendo minhas as palavras do histórico Agatângelo: “Eles, dirigindo estas palavras ao Criador, digam: “Senhor, Vós sois o nosso Deus”, e Ele lhe diga: “Vós sois o Meu povo” (15), para glória da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Amen.

Vaticano, 2 de Fevereiro de 2001.

João Paulo II Papa

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