Sócrates, Sozomen e Gelásio afirmam que o Sínodo de Nicéia, bem como o de Elvira (cân. 33), quiseram decretar uma lei com respeito ao celibato. Essa lei proibiria todos os bispos, padres e diáconos (Sozomen acrescenta os subdiáconos) que estavam casados ao tempo de sua ordenação, de continuarem a viver com suas esposas. Mas, dizem esses historiadores, à lei se opôs, pública e decididamente, Pafúncio, bispo da cidade de Tebas Superior, no Egito, um homem de alta reputação, que tinha perdido um olho durante a perseguição de Maximino. Ele era célebre, também, por seus milagres e mereceu um grande respeito do Imperador, o qual freqüentemente beijava a órbita vazia do olho perdido. Pafúncio declarou com alta voz que “não devia ser imposto ao Clero um jugo demasiado pesado, porque o casamento e as relações matrimoniais eram em si mesmas honráveis e puras, porque a Igreja não devia ser prejudicada por uma severidade extrema, porque nem todos podiam viver em absoluta continência. Dessa maneira, não proibindo as relações matrimoniais, a virtude da esposa seria muito mais preservada, certamente. Ou seja, porque a esposa de um clérigo poderia ser levada ao mal em algum outro lugar, se seu marido deixasse de ter seu relacionamento matrimonial. A relação de um homem com sua mulher legal pode ser também uma relação casta. Seria suficiente, pois, de acordo com a antiga tradição da Igreja, que aqueles que são ordenados sem estarem casados, fossem proibidos de no futuro se casarem, mas aqueles clérigos que se casaram somente uma vez, ainda leigos, não deviam ser separados de suas esposas” (Gelásio acrescenta ainda: “ou que fosse leitor ou cantor”).
O discurso de Pafúncio fez enorme impressão porque ele nunca fora casado e não tinha tido relações conjugais. Pafúncio, de fato, tinha vindo de um mosteiro, e sua grande pureza de modos o tinha tornado especialmente notável. O Concílio, portanto, tomou em consideração as sérias palavras do bispo egípcio, suspendeu toda a discussão sobre a lei, e deixou a cada clérigo a responsabilidade de decidir o assunto como quisesse.
Se tal fato foi verdadeiro, podemos concluir que uma lei fora proposta ao Concílio de Nicéia, a mesma que fora posta em questão 20 anos antes, em Elvira, Espanha. Esta coincidência leva-nos a crer que foi Hosius, o espanhol, que propôs a lei relativa ao celibato, em Nicéia. O discurso dado como de Pafúncio e a conseqüente decisão do Sínodo concorda exatamente com o texto das Constituições Apostólicas, e com toda a prática da Igreja Grega relativa ao celibato. A Igreja Grega, bem como a Latina, aceitou o princípio de que quem quer que tivesse recebido as santas ordens antes de casar, não deveria casar-se depois. Na Igreja Latina, bispos, padres, diáconos, e mesmo subdiáconos, eram considerados sujeitos a essa lei, esses últimos porque primitivamente eram classificados entre os mais altos servos da Igreja. Isso não era o caso na Igreja Grega. A Igreja Grega foi a tal ponto que permitiu os diáconos casarem-se após a ordenação, se antes da ordenação tivessem obtido do Bispo, expressamente, permissão para fazê-lo. O Concílio de Ancira afirma o mesmo (cân. 10). Vemos, portanto, que a Igreja Grega deseja que o bispo seja livre para decidir sobre a matéria. Mas, em referência aos padres, também é-lhes proibido casarem-se após a ordenação.
Portanto, enquanto a Igreja Latina exigia aos que se apresentavam para ordenação, mesmo os subdiáconos, que não continuassem a viver com suas esposas se fossem casados, a Igreja Grega não fez tal proibição. No entanto, se a esposa do clérigo ordenado morria, a Igreja Grega não permitia um segundo casamento. As Constituições Apostólicas decidiram do mesmo modo. Aos padres gregos era, também, proibido deixar suas esposas sob um pretexto de piedade.
O Sínodo de Gangra tomou a defesa dos padres casados contra os Eustaquianos. Eustáquio, contudo, não esteve sozinho entre os gregos a opor-se ao casamento de todos os clérigos, e a desejar introduzir na Igreja Grega a Disciplina Latina a esse respeito. Santo Epifânio também se inclinou para esse ponto de vista. A Igreja Grega não adotou, contudo, esse rigor em referência aos padres, diáconos e subdiáconos, mas, progressivamente, chegou a exigir dos bispos e, em geral, da mais alta ordem do Clero, que eles vivessem em celibato.
Contudo, isso não aconteceu senão após a compilação dos Cânones Apostólicos (cân. 5) e das Constituições, porque nesses documentos foi feita menção a bispos vivendo em matrimônio, e a História da Igreja menciona que havia bispos casados, por exemplo, Sinésio, no séc. V. Mas deve-se observar, em relação a Sinésio, que ele fez da autorização de continuar sua vida de casado, uma condição expressa para aceitar sua eleição ao Episcopado. Thomassinus acredita que Sinésio não solicitou esta condição seriamente, em sua eleição para o episcopado, mas, somente falou assim para escapar do ministério episcopal. Portanto, isso implica dizer que em seu tempo os bispos gregos já tinham começado a viver no celibato.
No Sínodo de Trullan, a Igreja Grega finalmente estabeleceu a questão do casamento dos padres. Barônio, Valésio e outros historiadores consideraram apócrifo o discurso de Pafúncio. Barônio diz que como o Concílio de Nicéia em seu Cânon III propôs uma lei sobre o celibato, é totalmente impossível admitir que alterasse essa lei por causa de Pafúncio. Mas Barônio cai em erro, vendo uma lei sobre o celibato no Cânon III. Ele pensou que assim fosse porque, quando menciona as mulheres que podiam viver na casa dos clérigos – sua mãe, irmã, etc – o Cânon nada diz sobre esposa. Não era ocasião para mencioná-la. O Cânon estava se referindo a, em grego “suneisaktoi”, e essa palavra e esposa nada têm em comum.
Alexandre Natal conta esta história sobre Pafúncio porque desejava refutar a Belarmino, que a considerava uma inverdade e uma invenção de Sócrates para agradar aos Novacianos. Alexandre Natal freqüentemente mantinha opiniões erradas e na presente questão não merece confiança. Se, como Santo Epifânio relata, os Novacianos sustentavam que o clérigo podia ser casado exatamente como o leigo, ele não disse que Sócrates partilhava dessa opinião por fazer Pafúncio dizer que, de acordo com a tradição antiga, aqueles não casados ao tempo da ordenação, não poderiam fazê-lo subseqüentemente. Mais ainda, se foi dito que Sócrates tinha uma pequena simpatia pelos Novacianos, ele certamente não fazia parte dos Novacianos, ainda menos podia ser acusado de falsificar uma história a favor deles. Alexandre Natal podia, algumas vezes, propor opiniões erradas, mas havia grande diferença entre este fato e a invenção de toda uma história. Valésio, especialmente, faz uso do argumento do silêncio contra Sócrates. Primeiramente, Rufino, diz ele, deu muitos particulares sobre Pafúncio em sua História da Igreja. Menciona seu martírio, seus milagres e a reverência do Imperador por ele, mas não diz uma só palavra sobre o assunto do celibato. Em segundo lugar, o nome de Pafúncio não está na lista dos bispos egípcios presente ao Sínodo. Estes dois argumentos de Valésio são fracos. O segundo tem a autoridade de Rufino contra ele, que expressamente diz que o bispo Pafúncio estava presente ao Concílio de Nicéia. Se Valésio quer dizer por lista somente as assinaturas ao final das atas do Concílio, não prova nada, porque essas listas são muito imperfeitas, e é notório que muitos bispos cujos nomes não estão entre essas assinaturas, estiveram presentes em Nicéia. O argumento do silêncio é, evidentemente, insuficiente para provar que a história sobre Pafúncio deva ser rejeitada como falsa, observando-se que há perfeita harmonia com a prática da antiga Igreja, e especialmente da Igreja Grega, sobre o assunto do casamento dos clérigos. Por outro lado, Thomassinus pretende dizer que não havia tal prática e esforça-se para provar, por citações de Santo Epifânio, São Jerônimo, Eusébio, e São João Crisóstomo, que, mesmo no Oriente os padres que estavam casados ao tempo de sua ordenação eram proibidos de continuar a viver com suas esposas. Os textos citados por Thomassinus provam somente que os Gregos deram especial honra aos padres que viviam em perfeita continência, mas não que essa continência era um dever que recaia sobre todos os padres, e, muito menos, que houvesse o universal costume na Igreja Grega nesse ponto, como os V e XXV Cânones Apostólicos, bem como o IV Cânon de Gangra e o XIII do Sínodo de Turrona, demonstram tão claramente. De acordo com eles, o bispo egípcio não estava se referindo a um modo geral, mas simplesmente desejava que a lei em questão não incluísse os subdiáconos. Mas esta explanação não concorda com os extratos citados por Sócrates, Sozomen e Gelásio, que acreditam que Pafúncio tinha em vista, também, os diáconos e padres.