“Divinae consortium naturae” (Paulo VI: 15.08.1971)

Constituição Apostólica
DIVINAE CONSORTIUM NATURAE
sobre o sacramento da Confirmação.

A participação na natureza divina, que os homens recebem como dom, mediante a graça de Cristo, revela certa analogia com a origem, o desenvolvimento e crescimento da vida natural. De fato os féis, renascidos no santo batismo, são corroborados pelo sacramento da confirmação e, então, são nutridos com o alimento da vida eterna na eucaristia, de modo que, por efeito desses sacramentos da iniciação cristã, estão aptos a experimentar sempre mais e sempre melhor os tesouros da vida divina e progredir até alcançar a perfeição da caridade. Muito acertadamente foram escritas a propósito estas palavras: “A carne é lavada, para que a alma seja liberta de toda mancha; a carne é ungida, para que a alma seja consagrada; a carne é assinalada, para que a alma seja revigorada; a carne acolhe a imposição das mãos, para que também a alma seja iluminada pelo Espírito; a carne sacia-se do corpo e do sangue de Cristo, para que a alma seja nutrida abundantemente de Deus”(1).

O Concílio Ecumênico Vaticano II, ciente de suas finalidades pastorais, tratou com particular cuidado desses sacramentos da iniciação, prescrevendo que os relativos ritos fossem submetidos a oportuna revisão, para que estivessem mais ao alcance da capacidade de compreensão dos fiéis. Visto que o rito do batismo das crianças já passou a fazer parte do uso litúrgico, na nova forma preparada pela disposição do mesmo Concílio Ecumênico e publicada pela nossa autoridade, parece conveniente publicar o rito da confirmação, a fim de pôr na devida luz a unidade da iniciação cristâ.

Na verdade, na revisão da modalidade da celebração deste sacramento foi dedicado, no curso dos anos, um grande e acurado trabalho; a intenção era, obviamente, aquela de procurar “que mais claramente aparecesse a íntima conexão deste sacramento com a globalidade do ciclo da iniciação cristã” (2). Agora o nexo, que liga a confirmação com os outros sacramentos do mesmo ciclo, não apenas resulta abertamente do fato que os ritos são mais bem coordenados entre si, mas surge também dos gestos e das palavras, empregados para administrar a confirmação. Resulta, afinal, que os ritos e as palavras deste sacramento “exprimem mais claramente a realidade santa por eles significada, e o povo cristão, o quanto possível, consiga compreender facilmente o sentido e participar com uma celebração plena, ativa e comunitária” (3).

Com tal finalidade quisemos que, neste trabalho de revisão, fossem inseridos também aqueles elementos que se referem à essência mesma do rito da confirmação, no qual os fiéis recebem como dom o Espírito Santo.

O Novo Testamento esclarece bem de que modo o Espírito Santo assistia o Cristo no preenchimento de sua função messiânica. Jesus, afinal, após ter recebido o batismo de João, viu descer sobre si o Espírito Santo (cf. Mc 1,10), o qual permaneceu sobre ele (cf. Jo 1,32). Por esse mesmo Espírito ele foi impulsionado a dar início publicamente ao ministério de Messias, fortificado por sua presença e auxílio. Quando Jesus pronunciava seus vivificadores ensinamentos ao povo de Nazaré, fez compreender com suas palavras que o oráculo de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim” (cf. Lc 4,17-21) referia-se a ele.

Em seguida prometeu aos seus discípulos que o Espírito Santo ajudaria também a eles, infundindo neles a coragem para testemunhar a fé também diante dos perseguidores (cf. Lc 12,12). Na vigília de sua paixão, assegurou que enviaria a seus apóstolos, da parte do Pai, o Espírito de verdade (cf. Jo 15,26), que permaneceria com eles “eternamente” (cf. Jo 14,16) e os ajudaria a testemunhá-lo (cf. Jo 15,26). Enfim, após sua ressurreição, Cristo prometeu a iminente descida do Espírito Santo: “Recebereis a virtude do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas” (At 1,8; cf. Lc 24,49).

Em realidade, no dia da festa de Pentecostes, o Espírito Santo desceu de forma extraordinária sobre os apóstolos reunidos com Maria, mãe de Jesus, e com o grupo dos discípulos: esses, então, “ficaram repletos” (At 2,4) a tal ponto que, inflamados do sopro divino, começaram a anunciar as “maravilhas de Deus”. Pedro, em seguida, deduz que o Espírito descido daquele modo sobre os apóstolos fosse o dom da era messiânica (cf. At 2,17-18). Então foram batizados os que acreditaram no anúncio dos apóstolos, e também esses receberam “o dom do Espírito Santo” (At 2,38).

Desde então os apóstolos, completando o que Cristo havia pedido, comunicavam aos neófitos, através da imposição das mãos, os dons do Espírito, destinados a completar a graça do batismo (cf. At 8,15-17; 19,5ss). Isso explica por que na epístola aos hebreus vem recordada, entre os primeiros elementos da formação cristã, a doutrina do batismo e também a imposição das mãos (cf. Hb 6,2). É exatamente essa imposição das mãos que é considerada pela tradição católica como a primeira origem do sacramento da confirmação, o qual torna, de algum modo, perene na Igreja a graça do Pentecostes.

Por tudo isso fica evidente a especial importância da confirmação aos fins da iniciação sacramental, pela qual os féis “como membros do Cristo vivente, a ele são incorporados e assimilados pelo batismo, bem como pela confirmação e eucaristia”(4). No batismo os neófitos recebem o perdão dos pecados, a adoção de filhos de Deus, bem como também o caráter de Cristo, pelo qual são incorporados à Igreja e se tornam, inicialmente, participantes do sacerdócio de seu Salvador (cf.1Pd 2,5.9). Com o sacramento da confirmação, os que renasceram no batismo, recebem o dom inefável, o próprio Espírito Santo, pelo qual são “enriquecidos de força especial” (5), e, marcados com o caráter do mesmo sacramento, “são coligados mais perfeitamente à Igreja”(6) enquanto “são mais estreitamente obrigados a difundir e a defender, com a palavra e com as obras, sua fé, como autênticas testemunhas de Cristo”(7). Enfim a confirmação é de tal modo coligada à sagrada eucaristia (8) que os fiéis, já marcados pelo santo batismo e pela confirmação, são inseridos de modo pleno no corpo de Cristo mediante a participação na eucaristia(9).

O ato de conferir o dom do Espírito Santo, desde os tempos antigos, deu-se na Igreja segundo ritos diferentes. Tais ritos, no Oriente e no Ocidente, passaram por múltiplas transformações, mas sempre de tal modo que mantiveram intacto o significado de comunicação do Espírito Santo.

Em muitos ritos do Oriente parece que, desde tempos remotos, era mais freqüente, no comunicar o Espírito Santo, o rito de crismar, que não era ainda claramente distinto do batismo(10). Tal rito, ainda hoje, está em vigor na maior parte das Igrejas orientais.

No Ocidente tem-se testemunhos muito antigos, relativos àquela parte da iniciação cristã, na qual foi depois distinguido o sacramento da confirmação. De fato, após a ablução batismal e antes da recepção do alimento eucarístico, são indicados muitos gestos rituais a cumprir, como a unção, a imposição das mãos e a consignatio (11), que estão contidos seja nos documentos litúrgicos (12), seja nos múltiplos testemunhos dos Padres. Desde então, ao longo do curso dos séculos, surgiram discussões e dúvidas a respeito dos ritos da confirmação. É oportuno, portanto, recordar ao menos alguns desses testemunhos, que desde o século XIII muito contribuíram nos Concílios Ecumênicos e nos documentos dos sumos pontífices para iluminar a importância do ato de crismar, de modo, porém que não se faça esquecer da imposição das mãos.

Inocêncio III, nosso predecessor, assim escreveu: “Com o ato de crismar sobre a fronte é estendida sobre a fronte a imposição das mãos que, com outro vocábulo, se diz confirmação, uma vez que, por meio dela, é dado o Espírito Santo para o crescimento e a robustez” (13). Outro nosso predecessor, Inocêncio IV, recorda que os apóstolos comunicavam o Espírito Santo com “a imposição das mãos, representada pela confimação ou pelo ato de crismar sobre a fronte” (14). Na profissão de fé do imperador Miguel Paleólogo, lida no II Concílio de Lião, faz-se menção do sacramento da confirmação, que “os bispos conferem mediante a imposição das mãos, ungindo com o crisma os batizados”(15). O decreto para os armênios, emanado do Concílio de Florença, afirma que a matéria do sacramento da confirmação é o “crisma obtido com óleo… e bálsamo” (16) e, citadas as palavras dos Atos dos Apóstolos a respeito de Pedro e João, os quais conferiram o Espírito Santo com a imposição das mãos (cf. At 8,17), acrescenta: “no lugar daquela imposição das mãos, na Igreja é concedida a confirmação”(17). O Concílio de Trento, embora não tencione definir o rito essencial da confirmação, designa-o no entanto apenas com o nome de sagrado crisma da confirmação (18). Bento XIV assim declarou: “Portanto aquilo que está fora de discussão deve ser afirmado, isto é, que na Igreja latina se confere o sacramento da confirmação usando o sagrado crisma, ou seja, óleo de oliva misturado com bálsamo e bento pelo bispo, enquanto o ministro traça o sinal da cruz sobre a fronte do crismando e pronuncia as palavras da fórmula”(19).

Muitos teólogos, tendo em conta essas declarações e tradições, sustentaram a necessidade, para a válida administração da confirmação, apenas da unção com o crisma, feita sobre a fronte com a imposição das mãos; todavia, nos ritos da Igreja latina era sempre prescrita a imposição das mãos antes da unção dos crismandos.

No que se refere às palavras do rito com as quais se comunica o Espírito Santo, é preciso ter presente isto: já na Igreja nascente Pedro e João, em cumprimento da iniciação dos batizados na Samaria, pediram para que estes recebessem o Espírito Santo e impuseram suas mãos sobre eles (cf. At 8,15-17). No Oriente, nos séculos IV e V, apareceram, no rito da crisma, os primeiros indícios das palavras “sinal do dom do Espírito Santo”(20). Tais palavras foram acolhidas pela Igreja de Constantinopla desde o início e são usadas até hoje pelas Igrejas de rito bizantino.

No Ocidente, ao invés, as palavras desse rito que completa o batismo, até os séculos XII e XIII não foram claramente fixadas. No Pontifical Romano do século XII, no entanto, recorre-se pela primeira vez à fórmula, que depois se torna comum: “Eu te assinalo com o sinal da cruz e te confirmo com o crisma da salvação. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (21).

Disso que recordamos fica claro que a administração da confirmação no Oriente e no Ocidente, ainda que de modo diferente, concedeu primazia ao ato de crismar, mediante a imposição das mãos usada pelos apóstolos. Uma vez que a unção com o crisma convenientemente significa a unção espiritual do Espírito Santo, que vem dado aos fiéis, entendemos por bem confirmar a sua exigência e importância.

A respeito das palavras que se pronunciam no ato da crisma, consideramos, segundo seu justo valor, a dignidade da veneranda fórmula que se usa na Igreja latina; a essa, no entanto, consideramos que seja de preferir a antiquíssima fórmula própria do rito bizantino, com a qual se exprime o dom do Espírito Santo e se recorda a efusão do Espírito que ocorreu no dia de Pentecostes (cf. At 2,1-4.38). Adotamos, portanto, essa fórmula, transpondo-a quase literalmente.

Para que, então, a revisão do rito da confirmação compreenda oportunamente também a essência mesma do rito sacramental, com nossa suprema autoridade apostólica decretamos e estabelecemos que no futuro seja observado na Igreja latina o que segue:

O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO CONFERE-SE MEDIANTE A UNÇÃO DO CRISMA SOBRE A FRONTE, QUE É FEITA COM A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS, E MEDIANTE AS PALAVRAS: “RECEBA O SINAL DO DOM DO ESPÍRITO SANTO”.

Todavia, a imposição das mãos sobre os eleitos, que se cumpre com a oração prescrita antes da crisma, mesmo não pertencendo à essência do rito sacramental, é de ter-se em grande consideração, pois serve para maior integração do rito mesmo e para favorecer uma melhor compreensão do sacramento. É claro que essa imposição das mãos, que precede a crisma, difere da imposição das mãos com a qual se cumpre função crismal sobre a fronte*.

Depois de ter estabelecido e declarado todos esses elementos relativos ao rito essencial do sacramento da confirmação, aprovamos com nossa autoridade apostólica também o rito do mesmo sacramento, revisto pela sagrada congregação para o culto divino, em consonância com a sagrada congregação para a doutrina da fé, para a disciplina dos sacramentos e a evangelização dos povos, no que se refere à matéria de sua competência.

A edição latina do rito, que contém a nova forma, entrará em vigor tão logo seja publicada; enquanto as edições vulgares, preparadas pelas conferências episcopais e aprovadas pela Santa Sé, entrarão em vigor no dia que será decidido pelas mesmas singulares conferências; o antigo rito poderá ser usado até o anal de 1972. Todavia, a partir de 1° de janeiro de 1973, todos os interessados deverão fazer uso apenas do novo rito.

Tudo o que aqui estabelecemos e prescrevemos, queremos que tenha, agora e no futuro, plena eficácia na Igreja latina, não obstante – o quanto seja necessário – as constituições apostólicas, emanadas pelos nossos predecessores, e as outras disposições, também sejam dignas de especial menção.

Roma, S. Pedro, 15 de agosto de 1971, solenidade da anunciação da bem-aventurada virgem Maria, ano nono de nosso pontificado.

Paulo VI Papa

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