É possível ao católico ser favorável ao divórcio?

– “Sou a favor do divórcio e queria saber se é possível ser divorcista e católica” (Eva – Rio de Janeiro-RJ).

Em absoluto, não é possível a alguém ser católico e divorcista. Não se creia que esta afirmação seja ditada por maneira de pensar antiquada, estando, portanto, sujeita a reforma. Não! O divórcio contradiz diretamente ao conceito do matrimônio, que tanto a sã razão como a fé cristã incutem.

Consideremos isto sucintamente:

O casamento é função da natureza, destinada à conservação e propagação da espécie; função paralela à de alimentar-se, que visa a conservação do indivíduo. Disto se segue que as leis do matrimônio não são ditadas apenas pelo bem-estar pessoal dos cônjuges, mas pelas exigências do bem comum (como a função de comer não é simplesmente regida pelo deleite que o homem experimenta ao exercê-la).

Consoante este modo de ver, indicam-se classicamente três finalidades ou três bens que dão estrutura característica ao matrimônio:

1) O homem pode ser considerado em seu aspecto ínfimo, enquanto é simplesmente um vivente, como os irracionais e as plantas são viventes; neste caso, o matrimônio é orientado à prole ou à geração e educação de filhos. É este o bem fundamental, fim primário de qualquer casamento;

2) O homem pode ser visto não apenas como vivente, mas qual vivente racional, tipicamente humano; neste caso, o matrimônio se destina a proporcionar auxilio mútuo corporal e espiritual aos cônjuges;

3) O homem ainda pode ser considerado como filho de Deus, cristão. Neste caso, o matrimônio visa o bem do “sacramento”, que quer dizer: torna-se mistério pequeno dentro de um Mistério Grande, que lhe comunica nova dignidade (cf. Efésios 5,31-32).

Ora, os dois bens visados pelo matrimônio no plano natural e o terceiro, característico do casamento cristão, exigem, com rigor ascendente, indissolubilidade do vínculo. É o que se depreende de ligeira reflexão:

a) Não basta que os genitores gerem a prole para que preencham suas respectivas funções; toca-lhes, outrossim, o dever de educar. Sem este complemento (que só os pais podem exercer adequadamente), a função biológica de gerar poderia tornar-se nociva. Eis, porém, que o cumprimento de tal missão pede a estabilidade da família, a colaboração da autoridade e da energia paternas com a delicadeza e a dedicação maternas.

b) A felicidade dos cônjuges, por paradoxal que isto pareça, exige igualmente a indissolubilidade. O homem, por sua própria natureza, é impelido a amar e a doar-se totalmente ao objeto amado. Ora, após o Criador, Alfa e Omega de todas as criaturas, qual o objeto ao qual mais se deva dedicar a criatura humana do que a sua consorte, lugar-tenente de Deus, com a qual o indivíduo se completa física e psiquicamente numa intimidade só ultrapassada pela intimidade com o Senhor? Isto não quer dizer que o homem, amando, deva necessariamente encontrar deleite natural; geralmente, o amor nobre conhece as suas horas de sacrifício; às vezes tem de verificar que ele dá mais do que recebe. Em qualquer caso, porém, sabe que “há mais felicidade em dar do que em receber” (Atos 20,35); só o sacrifício dilata o ânimo, arrancando-o ao egoísmo.

Ora, a possibilidade de divórcio legal equivale a um golpe desferido sobre a heroicidade dos cônjuges: em primeiro lugar, favorece a leviandade na escolha do consorte; a seguir, no decorrer da vida conjugal, faz que qualquer dissabor possa assumir proporções desarrazoadas, pois se entrevê a perspectiva de largar a luta. O estado de ânimos, talvez inconscientemente debilitados, que o divórcio assim produz, certamente não contribui para diminuir as infelicidades conjugais.

Mas dir-se-á: embora se reconheçam os males fomentados pelo divórcio, concedamo-lo em casos raros, excepcionalmente dolorosos… Replica-se: a concessão em tais casos ainda acarreta maior mal do que bem. Quem saberia traçar a linha de demarcação entre os casos “excepcionalmente dolorosos” e os “não excepcionalmente dolorosos”? Desde que o divórcio seja de algum modo legalizado, exerce a sua influencia destruidora:

– “A ideia do divórcio cria a matéria divorciável… No seio dos lares introduz não sei quê de precário, provisório e hipotético, que impede a família de realizar suas finalidades fisiológicas, psíquicas e morais” (L. Franca, “O divórcio”, Rio de Janeiro, 1952, p.62).

É pois, em nome do bem comum que se denega o divórcio mesmo aos casos excepcionais (casos que se multiplicariam de tal modo que deixariam de ser exceção). Toda lei, visando proteger os interesses da coletividade, impõe necessariamente privações particulares.

c) As razões antidivorcistas acima são corroboradas pelas exigências do matrimônio “sacramento cristão”. O matrimônio modelo, para o cristão, é a união de Cristo com a Igreja, união que visa gerar filhos de Deus adotivos. Pois bem: o esposo cristão participa do papel e da dignidade de Cristo; a esposa cristã toma parte na nobreza e nas funções da Igreja; assim entre eles se realiza como que uma miniatura do Grande Mistério ou do Sacramento primordial (cf. Efésios 5,31-32). Isto faz que o matrimônio cristão apresente as propriedades da união de Cristo com a Igreja; entre estas, aponta-se a totalidade irrevogável da doação: Cristo se deu até a morte à sua Igreja e jamais a abandonará; por sua vez, a Igreja será sempre a guarda inviolável da doutrina e da vida do Senhor a ser transmitida aos homens. Por conseguinte, o matrimônio sacramental será também indissolúvel. É esta, à luz da fé, a mais intransigente das razões antidivorcistas.

O discípulo de Cristo, mais do que qualquer outro homem, sabe que casar-se está longe de ser concessão feita à natureza em vista de gozo; é, ao contrário, missão, a qual, além de alegrias, implica sacrifício, exercício de uma função sacerdotal; os esposos cristãos têm consciência de que foram chamados a se santificar um ao outro, e ambos à prole e à sociedade. Por isto, também não os surpreende nem atemoriza a perspectiva da indissolubilidade do matrimônio; sabem que possuem a graça de estado, auxílio especial do Senhor para cumprir a sua tarefa.

Quanto à fórmula que visa conceder o divórcio aos cônjuges não-católicos, vedando-o aos católicos, a Igreja não a pode aceitar, pois o divórcio contradiz às exigências da natureza humana como tal; e o Cristianismo é guarda das leis naturais, pois também exprimem o plano sábio do Criador. Ademais, percebe-se a que graves abusos daria lugar tal concessão; equivaleria a uma armadilha continuamente preparada para a consciência de cristãos e não-cristãos, estimulando a ambiguidade e a hipocrisia na sociedade.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 7:1957 – nov/1957
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