Por Alessandro Lima
No último dia 09 de setembro, por volta do meio-dia participei de uma live a convite do Centro Dom Bosco em seu canal no youtube para tratar do sedevacantismo [1].
Dentre os temas abordados, falamos rapidamente sobre a infalibilidade papal e do conceito elástico da infalibilidade que os sedevacantistas possuem. Recomendei a quem estava nos assistindo que lessem a obra “A Verdadeira e a Falsa Infalibilidade” [2] de Dom Joseph Fessler que foi o Secretário Geral do Concílio Vaticano I onde o Dogma da Infalibilidade Papal foi definido. Comentei também que esta obra contava com um BREVE do Papa Pio IX, que definiu o dogma, tornando a obra desta forma autorizadíssima!
Comentei que também na referida obra, Dom Fessler trata sobre a Bula Cum ex Apostolatus Officio [3] de 1559 do Papa Paulo IV; e que afirma de que forma alguma este documento é um documento infalível ex cathedra, pois trata-se de uma Bula disciplinar e os Papas não são infalíveis em tais documentos.
Então um sedevacantista em uma rede social, publica o seguinte texto seguido de uma foto de um trecho de “A Verdadeira e a Falsa Infalibilidade” em inglês:
“Senhor Alessandro Lima leu essa parte do livro ?
“Se, então, como foi sugerido, um homem fosse eleito Papa que puder defender doutrina herética (não supondo que ele poderia declarar tal doutrina para toda a Igreja formalmente como doutrina católica de fide ou prescrever que ela fosse mantida como tal), então teríamos o caso diante de nós para o qual o Papa Paulo IV, na Bula acima mencionada, § 6, prevê, ANULANDO A ELEIÇÃO DE TAL HOMEM AO PAPADO E DECLARANDO-A ‘NULA E SEM EFEITO’ (The true and the false infallibility, pág. 75).” [4]
O que o sedevacantista está tentando fazer aqui? Talvez ele acredite que o trecho recortado dê suporte à sua crença de que a Cum ex Apostolatus Officio definiu infalivelmente que um herege não pode subir ao Trono de Pedro, ou seja, não pode ser eleito papa e que Dom Fessler estaria confirmando isso e que eu não li.
Dom Fessler aborda a Bula de Paulo IV porque, um opositor do Dogma da Infalibilidade Papal, vai justamente utilizar-se desta bula para apresentar uma objeção à definição deste dogma. Iremos reproduzir abaixo a argumentação completa de Dom Fessler contra seu oponenente:
“O Dr. Schulte prossegue com outra Bula do Papa Paulo IV, emitida no ano de 1559, que é corretamente descrita na colação de Bulas Papais sobre o título de ‘Renovação de censuras anteriores e punições contra hereges e cismáticos, com o acréscimo de outras penalidades.’ Ora, o próprio título, que dá um relato verdadeiro de seu conteúdo, é por si só suficiente para mostrar a todos que o lêem, que esse documento papal não é uma definição de fide e, portanto, não pode ser uma declaração ex cathedra. E no entanto, o Dr. Schulte, da maneira mais decidida, afirma que é, dizendo ser dirigido a toda a Igreja, assinado pelos Cardeais na forma mais solene, para que seja certamente aceito como ex cathedra, (Panfleto do Dr. Schulte, pg 34). Nota 57: Deve parecer bastante ridículo para qualquer um que tenha algum conhecimento do assunto ouvir uma pessoa afirmar com ousadia que tal e tal Bula Papal deve ser infalível, porque é dirigida a toda a Igreja e assinada por todos os Cardeais. […] Para nós é inquestionável que esta Bula não é uma definição de fé ou moral, não é uma declaração ex cathedra. É simplesmente um resultado da suprema autoridade papal como legislador e uma instância de seu exercício de seu poder de punir; não é feito no exercício de seu poder como mestre supremo. Eu abusaria da paciência de meus leitores se tentasse provar em detalhes o que é manifesto a toda a humanidade em cada linha da Bula. Quem jamais imaginou antes do Dr. Schulte que o Papa era infalível na província de declarar punições e pena legais?” (grifos meus) [5]
Conforme exposto acima, Dom Fessler nega totalmente que a Bula Cum ex Apostolatus Officio do Papa Paulo IV, seja um documento ex cathedra, logo infalível.
Agora vamos ao ponto levantado pelo sedevacantista: Dom Fessler na referida obra afirma que a Bula de Paulo IV ilegitima a eleição de um herege ao Papado. Com efeito, a questão é levantada pelo Dr. Schulte; e que é utilizado contra o Dogma:
“[…] O Dr. Schulte acha isso muito ‘muito notável’, ele diz que ‘a eleição de um herege como papa é sem valor desde o início, e aqui é declarada nula e sem efeito.’ Isto é, diz ele, ‘O Papa e os Cardeais assumem a possibilidade de um Papa infalível ser encontrado desviando-se da fé!’”
E sobre isso assim se pronuncia Dom Fessler:
“Para definir este suposto caso em sua devida luz, as seguintes observações podem ser úteis. O Papa Paulo IV, sem dúvida, supõe o caso possível (por mais improvável que seja) que um homem que se apega a uma doutrina herética possa ser escolhido Papa, e também que depois de ter subido ao trono papal, ele ainda possa manter a doutrina herética, ou, mesmo que seja, expressá-la em suas relações com os outros; não, no entanto, que ele iria ensinar toda a Igreja esta doutrina herética em uma declaração de seu supremo ofício de ensino ex cathedra. De fazer tal declaração, o próprio Deus, através de Sua assistência especial, preserva o Papa e a Igreja. Se, então, como foi sugerido, um homem foi eleito papa que pudesse defender uma doutrina herética (não supondo que ele pudesse declarar tal doutrina para a toda a Igreja formalmente como doutrina católica de fide, ou prescrever que fosse mantida como tal), então deveríamos ter o caso diante de nós para o qual o Papa Paulo IV, na Bula acima mencionada, $6, fornece, anulando a eleição de tal homem para o Papado, e declarando-o ‘nula e sem efeito’. […] o Papa expressa a sua convicção de quão perigoso seria se, mesmo em sua vida priva, um Papa admitisse um erro de doutrina, e que triste confusão surgiria se o referido Papa, como particular, fosse culpado de heresia, e ainda tendo de colocar em vigor penas contra hereges, que sendo Papa, não possui juiz superior a si.” [6]
Concedo que o entendimento da Bula seja impedir que um herege possa subir ao Trono de Pedro, contudo as disposições deste documento foram revogadas pelo Código de 1917 [7] quanto à ocupação de cargos eclesiásticos e pelo Papa São Pio X quanto à eleição do Romano Pontífice (Vacante Apostolica Sede [8] de 15/12/1904– nº 29 e 79). A legislação estabelecida por São Pio X e depois confirmada por Pio XII na Vacantis Apostolicae Sedis de 8/12/1945 [9] respectivamente nos números. 34 e 95, irá permitir a chegada ao Trono Pontifício de hereges, apóstatas, excomungados e simoníacos.
É de notar que se o Papa Paulo IV acreditasse numa perda ipso facto do pontificado por um Papa Herege, sua Bula não faria qualquer sentido. Tal circunstância também não merece qualquer menção por Dom Fessler.
Acredito que isso responde ao meu interlocutor sedevacantista se eu li ou não esse trecho da obra, a qual eu acredito que ele não leu…
Notas
[1] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jhzpy1e6Rlw
[2] A obra é publicada pelo Mosteiro da Santa Cruz e traduzida pelo jovem Luigi Falcon.
[3] https://www.veritatis.com.br/cum-ex-apostolatus-officio-paulo-iv-15-02-1554/
[4] Disponível em https://www.facebook.com/yurimaria1958/posts/pfbid02gmPpCKptiXZVfcTCh6BgSPxz5GG7DH9kP9jh7sxzWU6TkhyM8RuSeBncXUJnGxJXl
[5] FESSLER, Dom Joseph. A Verdadeira e a Falsa Infalibilidade. Tradução de Luigi Falcon. Nova Friburgo: Mosteiro da Santa Cruz, 2023. Pg 81-82.
[6] Ibidem, pg 82-83.
[7] O Cânon 5.2 explica: “Aquilo que se refere às penas, às quais não há menção neste Código, sejam elas espirituais ou temporais, corretivas ou, como chamam, punitivas, automáticas ou declaradas por meio de sentença, serão consideradas revogadas.” [8] Disponível online em https://www.documentacatholicaomnia.eu/01p/1904-12-25,SS_Pius_X,_Constitutio’Vacante_Apostolica_Sede’,_LT.pdf. [9] Disponível online em https://www.vatican.va/content/pius-xii/la/apost_constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19451208_vacantis-apostolicae-sedis.html.