Dúvida sobre Atos 16,31, jogos de azar e temor a Deus

Olá irmãos, a Paz de Cristo!
Tenho algumas dúvidas:
1- O que realmente São Paulo quiS dizer em Atos 16,31 – Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e tua famÍlia. O que a Igreja diz a respeito? Um parente meu que não seja católico pode se salvar por minha fé em Cristo? Esta afirmação de Paula tem haver com a passagem de Raabe (a prostituta no VT)?
2- O que de fato a Igreja diz sobre jogos de azar? Um católico pode jogar na mega-sena, no jogo do bicho? Já li no livro do prof. Felipe Aquino (O Catecismo de A a Z) que a Igreja não proíbe desde que não seja algo compulsivo. Todavia já li em outra matéria do Veritatis que um católico não pode jogar em jogos de azar.
3- Não entendi o texto em que Jesus diz nos Evangelhos – “Não tenha medo daquele que pode matar o corpo mas não a alma. Tenha medo porém daquele que além de matar o corpo, pode destruir a alma no inferno”. Se a Igreja nos ensina que não devemos ter medo de Deus, aqui me parece que Jesus nos ensina o contrário. como posso entender esta passagem?
Obrigado pela atenção de todos. Que o Senhor os Abençoe e iluminem cada vez mais. Um grande abraço! (José)

Prezado José,

A paz de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!

Agradecemos pela confiança em nos escrever.

O versículo aludido (At 16,31) não deve ser lido isoladamente, ao contrário, há que se levar em conta o seu contexto. Essa, aliás, é uma regra fundamental para uma correta compreensão da Escritura Sagrada (sem esquecermos que a Bíblia precisa ser lida à luz da Tradição e do Magistério, obviamente). Na passagem em questão, podemos perceber que, pela sua fé, o carcereiro salvaria a sua família na medida em que o seu compromisso com Cristo haveria de atingir também os seus familiares. Com efeito, quando nos entregamos a Cristo, naturalmente iremos querer que não só os nossos familiares, mas também nossos amigos e todos aqueles que conhecemos tenham a mesma experiência. Foi o que Paulo e Silas provavelmente quiseram dizer com a frase “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua família”. De fato, com a conversão do carcereiro, não só ele se fez batizar, mas toda a sua família (At 16,33), o que muito provavelmente incluiu as crianças pequenas, tanto que essa passagem é usada no Catecismo da Igreja Católica (CIC) como referência bíblica para o batismo infantil (§§ 1250 a 1252), prática que, ademais, remonta aos primórdios da Igreja. Em suma, a passagem em tela nos ensina a importância do nosso testemunho dentro da nossa família e do nosso compromisso com as almas dos nossos entes queridos.

Com relação a essa mesma passagem, vale a pena lermos também os parágrafos 1655 a 1658 do CIC:

“VI. A Igreja doméstica

1655. Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e de Maria. A Igreja outra coisa não é senão a «família de Deus». Desde as suas origens, o núcleo aglutinante da Igreja era, muitas vezes, constituído por aqueles que, «com toda a sua casa», se tinham tornado crentes» (179). Quando se convertiam, desejavam que também «toda a sua casa» fosse salva (180). Estas famílias, que passaram a ser crentes, eram pequenas ilhas de vida cristã no meio dum mundo descrente.

1656. Nos nossos dias, num mundo muitas vezes estranho e até hostil à fé, as famílias crentes são de primordial importância, como focos de fé viva e irradiante. É por isso que o II Concílio do Vaticano chama à família, segundo uma antiga expressão, «Ecclesia domestica – Igreja doméstica» (181). É no seio da família que os pais são, «pela palavra e pelo exemplo […], os primeiros arautos da fé para os seus filhos, ao serviço da vocação própria de cada um e muito especialmente da vocação consagrada» (182).

1657. É aqui que se exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio baptismal do pai de família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, «na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade efectiva» (183). O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e «uma escola de enriquecimento humano» (184). É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generos

o e sempre renovado, e, sobretudo, o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida. 1658. Não podem esquecer-se, também, certas pessoas que estão, em virtude das condições concretas em que têm de viver, muitas vezes sem assim o terem querido, particularmente próximas do coração de Cristo, e que merecem, portanto, a estima e a solicitude atenta da Igreja, particularmente dos pastores: o grande número de pessoas celibatárias. Muitas delas ficam sem família humana, frequentemente devido a condições de pobreza. Algumas vivem a sua situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo exemplar. Mas a todas é necessário abrir as portas dos lares, «igrejas domésticas», e da grande família que é a Igreja. «Ninguém se sinta privado de família neste mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para quantos estão “cansados e oprimidos” (Mt 11, 28)» (185).”

Com relação aos jogos de azar, convém consultarmos, como sempre, o CIC (uso aqui a edição brasileira, enquanto que acima foi utilizado o Catecismo disponível no site do Vaticano, em português de Portugal):

“Os jogos de azar (jogos de cartas etc.), ou as apostas, em si não são contrárias à justiça. Tornam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é necessário para suprir suas necessidades e as dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se transformar em uma dependência grave. Apostar injustamente ou trapacear nos jogos constitui matéria grave, a menos que o dano infligido seja tão pequeno que aquele que o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo.” (§ 2413)

O ensino da Igreja é claro: o jogo, em si, não constitui pecado, a não ser que traga prejuízos para quem joga ou para pessoas que vivam às expensas do jogador. Há que se evitar também, obviamente, a desonestidade e a trapaça. No mais, a questão pode ser sintetizada numa palavra: moderação.

Finalmente, quanto à sua terceira pergunta, devemos compreender o temor não no sentido de medo, mas sim de profundo respeito e reverência diante de Deus. Com relação a isso, veja o que nos ensina o Catecismo (edição brasileira):

“2144. A deferência para com o nome de Deus exprime a deferência devida ao mistério do próprio Deus e a toda a realidade sagrada que ele evoca. O sentido do sagrado faz parte do âmbito da religião:

Os sentimentos de temor e do sagrado são ou não sentimentos cristãos? Ninguém pode em são razão duvidar disso. São sentimentos que teríamos, em grau intenso, se tivéssemos a visão do Deus soberano. São os sentimentos que teríamos se nos apercebêssemos claramente da sua presença. Na medida em que cremos que ele está presente, devemos tê-los. Não tê-los é não perceber, não crer que ele está presente.”

Veja também o que diz o parágrafo 1972 do Catecismo:

“A Nova Lei é denominada também lei de amor porque ela leva a agir pelo amor infundido pelo Espírito Santo e não pelo temor (…)”

Não devemos ter “medo” de Deus, como se Ele fosse um tirano implacável. São João já escrevera: “No amor não há temor. Antes, o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor envolve castigo, e quem teme não é perfeito no amor.” (I Jo 4,18). Por outro lado, nosso amor a Deus deve nos levar a nos esforçamos para não O ofender por pensamentos, palavras, atos e omissões. Quando amamos de fato uma pessoa, a última coisa que desejaríamos seria ofendê-la. O mesmo se aplica ao nosso relacionamento com Deus. Devemos nos esforçar para não ofendê-lO, não por medo, mas por amor. Ademais, sabemos que, se pecarmos, Ele estará sempre pronto a nos perdoar, sempre que nos arrependermos sinceramente, buscarmos o Seu perdão (recorrendo sempre que possível ao sacramento da Reconciliação, sobretudo nos casos de pecados mortais) e desejarmos não mais pecar.

Gostaria de concluir dando-lhe uma dica: consulte sempre o Catecismo da Igreja Católica. Tenha-o sempre à mão. Nele você encontrará tudo que precisa para ser um bom católico. Além disso, no final do Catecismo (co-edição brasileira das editoras Vozes e Loyola) há um índice temático, onde podemos encontrar o que o Catecismo ensina sobre diversos temas. Há também, na mesma edição brasileira, um índice muito útil chamado Índice das Citações, pelo qual podemos encontrar todos os parágrafos do Catecismo nos quais uma determinada passagem bíblica é citada. Só para citar um exemplo: a passagem de Gênesis 2,18 é citada nos parágrafos 371 e 1652. Então basta consultarmos esses parágrafos para vermos o que o Catecismo fala a respeito desse versículo e/ou em que sentido ele é citado. Essa forma de pesquisa pode nos ajudar bastante quando desejamos entender melhor uma determinada passagem bíblica.

Na esperança de ter respondido satisfatoriamente às suas questões, despeço-me com um abraço fraterno.

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