É preciso redescobrirmos o nosso radicalismo

Nos conturbados tempos em que vivemos, a cada dia surgem notícias que nos permitem dimensionar a crise na Igreja e que deixam claro qual é a sua causa mais profunda, bem como os caminhos a serem seguidos no afã de superá-la.

Cito, de passagem, duas delas apenas para exemplificar o que se dirá abaixo.

Na diocese de Massachusetts, uma Igreja Católica foi vendida a muçulmanos que, claro, a transformarão em uma mesquita. O padre responsável pela Igreja em questão disse “sentir-se emocionado” por que (pasmem!) o prédio continuará sendo um local de “adoração”.

O simples fato de que, no país em que se encontra a quarta maior comunidade católica do mundo, sendo ela mesma a religião mais seguida pelos americanos, se tenha que vender um templo católico já é um algo que deveria gerar no padre um sentimento um tanto quanto diverso de uma simples “emoção”. Por si só isto revela a gravidade da crise deixando claro que a luta primeira da Igreja, nestes dias, é a luta por sua própria sobrevivência.

Além disto, o fato de que a Igreja tenha sido vendida para muçulmanos já, em si mesmo, revelaria a natureza desta mesma crise, pois, para um católico, é inconcebível que um local em que, por diversas vezes, tornou-se presente o sacrifício do Calvário passe para mãos de infiéis inimigos da Cruz de Cristo.

Por fim, a alegação do padre de que o local seguirá sendo um recinto de “adoração” demonstra o pensamento irenista que hoje nos circunda. Esqueceu-se o pobre padre que nem toda adoração é agradável a Deus. Aliás, esqueceu-se que somente a adoração verdadeiramente cristã (ou seja: a católica) pode agradar-Lhe.

Esqueceu-se, inclusive, que, aos pés do Sinai, o povo hebreu adorou um bezerro de ouro e inflamou a cólera do Altíssimo, pois o pecado contido nesta adoração era por demais ofensivo ao Senhor.

O pé do Sinai foi um local de adoração. De um bezerro de ouro. De um falso deus. Mas, ainda assim, um local de, tanto quanto o será a mesquita em que a Igreja se transformará.

A outra notícia é ainda mais estarrecedora, pois refere-se a um bispo.

Creiam-me ou não, o bispo de Verona  (repito: o bispo!), D. Flavio Roberto Carraro, está decidido a entregar (repito: entregar!) a Igreja de São Pedro, Mártir, a um grupo de luteranos (repito: de luteranos!). E nas barbas de Bento XVI!

Fico imaginando qual seria a reação de Pio XII a este despautério. Com uma boa dose de probabilidade, este bispo já teria recebido uma carta do Papa tranferindo-o para uma diocese longínqua. De preferência, tão longínqua que, nela, não houvesse Igrejas a serem entregues nem luteranos para quem as entregar. Aliás, onde não existam católicos cuja vida espiritual possa ser arruinada por este senhor que recebeu a ordenação episcopal.

As duas notícias acima (pinçadas em meio a tantas outras de idêntico teor) demonstram o quanto se perdeu do radicalismo católico, radicalismo este que é, em suma, a essência da nossa fé. Ora, uma Igreja somente é “Católica” (ou seja, universal) se excluir todas as outras. Se nossa fé se destina a tingir todos os povos, sendo necessária à salvação de todos, então, todas as demais crenças são, em maior ou menor grau, um obstáculo à salvação.

Tanto não seria católica a Igreja que estes senhores alegremente incentivam maometanos e luteranos a prosseguirem em seus erros, certos de que tais erros não põe em risco a salvação eterna de suas almas.

Nesta perspectiva, não existe uma religião verdadeiramente “católica”. Existem isto sim, inúmeros credos, todos relativamente válidos, todos úteis para a salvação, todos agradáveis a Deus, pelo que radicalismos religiosos nada mais são do que uma idiossincrasia de tempos passados, fruto da ignorância e (por que não?) da perversão humana.

Ocorre que é precisamente o radicalismo católico que sustentou, por 20 séculos, a vida católica. Ele é, precisamente, a premissa que permitiu à Igreja sobreviver como a mais poderosa e influente religião de toda a história. É o radicalismo que justificou as cruzadas, a Inquisição, os debates teológicos e a o testemunho da fé em grau heróico de tantos e tantos santos.

Sem radicalismo católico, não há vida católica.

Pensemos bem. As exigências de nossa moral superam às de qualquer outro credo. Se todas as religiões salvam, por que cargas d’água alguém escolheria ser, justamente, um católico? O catolicismo não suporta a pornografia, o controle de natalidade, o aborto, o divórcio, o homossexualismo, a masturbação, e tantos outros pontos para os quais diversas outras religiões estão, digamos, “abertas”. Se todas as religiões podem salvar, a escolha do catolicismo como a fé pessoal de alguém exigiria uma elavadíssima dose de estupidez.

Não é de estranhar, portanto, que, com o abandono do “discurso radical”, a Igreja acabou por perder, nas últimas décadas, dezenas de milhões de adeptos que, simplesmente, optaram por uma religião que se adequasse melhor às suas personalidades.

Não é de estranhar que, com o abandono do discurso radical, muitos dos que permaneceram nominalmente católicos tenham deixado de praticar o catolicismo, vivendo suas vidas como apraz às suas conveniências.

Não é de estranhar que, mesmo entre os católicos praticantes, sejam poucos os que verdadeiramente pratiquem o catolicismo. A maioria dos que ainda vão à Igreja tomam, em suas vidas privadas, decisões flagrantemente contrárias à doutrina católica, justamente por entendê-la muito… radical!

Não é de estranhar que, despidos de nosso radicalismo, tenhamos tanta vergonha de nossa história. Poucos católicos (mesmo entre os praticantes) têm coragem de defender em público, por exemplo, a Inquisição e as Cruzadas. Poucos católicos conseguem entender o porque de tantos e de tão violentos debates teológicos que acabaram por gerar tantas divisões. Poucos católicos conseguem verdadeiramente acreditar que o único interesse da Igreja no Novo Mundo tenha sido o de catequizar os índios para salvar suas almas.

Assim como a vida católica, a história da Igreja somente faz sentido tendo-se por pano de fundo o radicalismo católico de que os católicos sempre estiveram imbuídos.

Sem radicalismo católico, não só não se tem motivo algum para ser católico como se perde toda e qualquer justifcativa para todos os atos praticados pela Igreja no período em que ela era radical (ou seja, em toda a sua história).

A perda do radicalismo é a fonte primária da crise que nos cerca. Ou o retomamos ou a Igreja se encolherá mais e mais, até que passe ao ostracismo histórico.

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