O número da Biblical Archeology Review, revista especializada em arqueologia bíblica, correspondente ao mês de novembro de 2002, tornou pública a descoberta, em Jerusalém, de uma urna de pedra calcárea, seguramente do primeiro século da nossa Era, em que figura uma inscrição em aramaico com o seguinte texto:
“Tiago, filho de José, irmão de Jesus”
A notícia correu o globo e foi veiculada pelos principais meios de comunicação de todo o mundo. [Mas realmente] encontrou-se uma peça arqueológica relativa a São Tiago, o irmão do Senhor? A principício, aceitou-se a autenticidade deste ossário; porém, em junho de 2003, a Direção de Antigüidades de Israel anunciou o resultado das suas investigações, concluindo que o ossário não era autêntico.
Tratava-se de uma inscrição feita numa urna de pedra calcárea, datada aproximadamente do ano 63 depois de Cristo, encontrada em junho de 2002, em Jerusalém. A caixa – um ossário – vazia, mede 50 centímetros de largura por uns 27,5 de comprimento; mostra em uma das suas faces o seguinte texto em aramaico, escrito em letras cursivas, usadas – segundo os especialistas – apenas entre os anos 10 e 70 do século I:
‘Ya’akov bar Yosef akhui di Yeshua’
(‘Tiago, filho de José, irmão de Jesus’).
A inscrição faria referência – além de Jesus de Nazaré – a José, esposo de Maria e pai putativo de Jesus, e a Tiago, citado como irmão de Jesus em algumas passagens do Novo Testamento. A caixa teria contido, pois, os ossos do discípulo até a retirada dos seus restos mortais.
São diversas as referências a Tiago, o irmão do Senhor, que se encontram no Novo Testamento. A ele se refere São Paulo na carta aos Gálatas (1,18-19), quando diz: “Não vi nenhum outro apóstolo, exceto Tiago, o irmão do Senhor”. Este Tiago seria o mesmo a quem se refere Lucas no capítulo 15, versículo 13 dos Atos dos Apóstolos. E Tiago é um dos irmãos de Jesus que se cita no Evangelho de Mateus (13,55-56).
A Tiago, irmão de Jesus, se referiu também o historiador judeu Flávio Josefo em suas “Antigüidades Judaicas”:
“Assim pois, tendo refletido sobre este tipo de gente, Anano, que dispunha de uma ocasião favorável, pois Festo havia morrido e Albino estava à caminho, convocou uma reunião de juízes e levou até ele o irmão de Jesus, chamado Messias, de nome Tiago, além de alguns outros. Os acusou de terem transgredido a Lei e os entregou para que fossem apedrejados”.
Tiago, o irmão de Jesus, que seria líder da comunidade judaico-cristã de Jerusalém, deve ter sido executado no ano 63 da nossa era, aproximadamente.
Segundo o paleógrafo André Lemaire, da Universidade de Sorbona – que foi quem anunciou a descoberta – o ossário seria datado do ano 63 d.C., tratando-se assim de uma nova evidência histórica da existência de Jesus de Nazaré.
Os nomes José, Tiago e Jesus eram muito comuns na Jerusalém do século I. Seria como se atualmente nos referíssemos a uma pessoa como “José, filho de João, irmão de Pedro”. É óbvio que haveria muitas pessoas que se enquadrariam nessa identificação, muito mais se se tratasse de um “Cipriano, irmão de Saturnino, irmão de Ciríaco”.
Lemaire assinalou que este ossário, que se encontrou vazio e seria de propriedade de um colecionador que vive em Israel, “proporciona a mais sólida menção à época do Novo Testamento, à figura central da Cristandade, sendo a primeira descoberta arqueológica que corrobora as referências bíblicas a Jesus”. O especialista apontou que no século I da nossa Era não era comum escrever vários nomes nessas caixas fúnebres. Das dezenas de ossários encontrados até agora, somente dois fazem referências ao irmão do finado. Em razão disso, o especialista francês interpretou que a palavra “Jesus”, que aparece no ossário em tela, se deve ao fato de que ele era uma pessoa muito popular ou chegou a representar um papel de certa importância na sua época.
André Lemaire reconheceu que dos 40 mil habitantes que tinha Jerusalém naquela época, os nomes de Tiago, José e Jesus eram muito comuns e, a partir do ponto de vista estatístico, poderia haver cerca de vinte pessoas que se chamassem “Tiago” e, ainda, fossem filhos de “José” e irmãos de “Jesus”. No entanto, contra esta objeção estatística, Lemaire afirmou que “é muito duvidoso que houvesse um Tiago que tivesse um irmão merecedor da honra de ser mencionado em sua tumba”.
Entre os anos 1 e 70 da nossa Era, considera-se freqüente o uso dos ossários. Transcorrido pelo menos 1 (um) ano da morte de uma pessoa, os familiares recolhiam seus restos para encerrá-los num ossário. Seguramente os restos do “Tiago” deste ossário foram retirados da caixa por seus familiares pouco antes da destruição de Jerusalém, no ano 70.
A caixa fazia parte de uma coleção particular de antigüidades em Israel e o nome do seu proprietário não foi revelado [no início]. Segundo algumas fontes, tratava-se de um colecionador judeu que teria pago pela peça em um antiquário, há 15 anos, entre 200 e 700 dólares. Não é também conhecido o anterior histórico da urna.
Análises de laboratório realizadas pelo Serviço Geológico de Israel teriam confirmado que a pedra calcárea de que é feita a urna provinha da região de Jerusalém. A pátina que recobria a urna seria, segundo o mesmo exame, própria de um objeto que permaneceu longo tempo enterrado.
John Meier, professor da Universidade de Notre Dame, apoiou a hipótese de Lemaire e disse que “pela primeira vez se pôde colocar as mãos em algo próximo de Jesus”.
A revista “Biblical Archaeology Review” reconheceu, no entanto, que se iria produzir um debate [científico] sobre estas conclusões. Seguramente, o debate que se iniciaria em relação a esta peça permitiria que se pudesse determinar, o quanto antes, se realmente se tratava de um resto arqueológico autêntico ou de uma sofisticada falsificação.
O ossário foi exibido no Museu Real de Ontario de Toronto (Canadá) em novembro de 2002.
De todo modo, este achado não alterava o estado da questão em relação [à existência] dos irmãos de Jesus, visto que, como se disse, o Novo Testamento já falava de Tiago, irmão do Senhor. A inscrição existente neste ossário não alterava a questão de qual seria o alcance exato do termo “irmão”.
Ademais, dever-se-ia também recordar que este não era o único achado arqueológico que confirmaria o caráter histórico de personagens protagonistas dos Evangelhos. Com efeito, na Cesaréia Marítima se encontrou, há alguns anos, uma inscrição em que se menciona expressamente o procurador Pôncio Pilatos.
E, no ano de 1990, ocorreu uma descoberta ainda mais espetacular: em Jerusalém, durante a construção de um parque, encontrou-se uma cova funerária para depósito de ossos de pessoas falecidas. Um dos cofres funerários continha a inscrição “José, filho de Caifás”. Segundo os especialistas, tratava-se do cofre funerário [do filho] do sumo sacerdote Caifás.
Contudo, em junho de 2003, a autenticidade do ossário [de Tiago] foi colocada seriamente em xeque. Isto porque a Direção de Antigüidades de Israel anunciou que “o suposto ossário dos restos do apóstolo Tiado, lapidado no ano 62 d.C., é falso”. O diretor da Direção de Antigüidades de Israel, Shuka Dorfman, afirmou estar tornando público os resultados do estudo: “O ossário é verdadeiro. Porém a inscrição é falsa. Isto significa que alguém colheu uma caixa real e efetuou a inscrição nela, provavelmente para dar-lhe uma importância religiosa”. Gideon Avni, presidente do Comitê de arqueólogos que investigou o ossário, disse aos jornalistas que a conclusão era unânime. O Comitê também descobriu que a pedra em que foi talhada o ossário era mais típica do Chipre e do norte da Síria que do antigo Israel.
——————–APÊNDICE
A INSCRIÇÃO DO OSSÁRIO DO SUPOSTO “IRMÃO” DE JESUS É FALSA!
(Este apêndice não se encontra no artigo original em espanhol. Foi aqui acrescentado pelo Tradutor apenas para demonstrar como a notícia que informava ser falsa a inscrição do “ossário de Tiago” foi veiculada aqui no Brasil. Com efeito, quem se baseava na “veracidade” desta inscrição para duvidar da virgindade perpétua de Maria Santíssima deverá agora providenciar uma nova descoberta…)
Agência Globonews, 18.06.2003 [11:08 h]:
“ARQUEÓLOGOS ISRAELENSES DIZEM QUE INSCRIÇÃO NO ‘OSSÁRIO DE TIAGO’ É FALSA”
JERUSALÉM – Arqueólogos israelenses disseram nesta quarta-feira que a inscrição em uma antiga caixa de pedra sugerindo que ali foram guardados os ossos de Tiago, irmão de Jesus, é uma falsificação. A conclusão entra em choque com conclusões tiradas pela Pesquisa Arqueológica de Israel, que participou do estudo, que levou à apresentação do ossário como sendo, muito provavelmente, a mais antiga referência histórica a Jesus, fora do Novo Testamento. […] Mas o diretor da Autoridade de Antiguidades de Israel, Shuka Dorfman, disse que não passou de um boato. “O ossário é real. Mas a inscrição é falsa. Isso significa que alguém pegou uma caixa realmente antiga e forjou a inscrição nela, provavelmente para dar ao objeto um significado religioso” – disse Dorfman. […] O arqueólogo Gideon Avni, que chefiou um comitê de especialistas que vem investigando a descoberta desde março, disse a repórteres que a conclusão foi unânime. O comitê concluiu que, “ainda que o ossário seja autêntico, não há razão para presumir que os ossos do irmão de Jesus estiveram ali” e que a caixa de pedra era mais típica de Chipre e do Norte da Síria do que de Israel. O relatório do comitê sobre a inscrição do “ossário de Tiago” diz que a inscrição atravessou a pátina da pedra, uma camada desgastada natural, e parecia estar em um texto moderno, escrito por alguém que tentou reproduzir fontes bíblicas antigas. […]
Jornal da Tarde, 19.06.2003:
“‘OSSÁRIO DE TIAGO’ É FALSO”
Arqueólogos de Israel afirmaram ontem que a inscrição descoberta em 2002, num antigo ossário supostamente do século 1 da era cristã, contendo o que seria a primeira evidência física de Jesus Cristo, é uma falsificação. “O ossário é real, mas a inscrição é uma falsificação”, garantiu o cientista israelense Shuka Dorfman. […] O Evangelho menciona Tiago – que morreu apedrejado, 62 anos após a morte de Cristo – como irmão de Jesus. Os católicos, que defendem a virgindade de Maria, a mãe de Jesus Cristo, afirmam que Tiago foi primo do fundador do cristianismo. Embora não coloque em dúvida a veracidade do ossário, em uma entrevista coletiva à imprensa, em Jerusalém, Dorfman levantou a hipótese de que a inscrição na urna funerária tenha sido feita “por alguém que pretendia dar a ela uma importância religiosa, pois trata-se de um texto moderno”. O cientista não se arriscou a dizer em que época foi feita a inscrição. […] De acordo com o cientista Gideon Avni, que investiga o ossário, a pedra com a qual ele foi talhado é originária de Chipre ou do norte da Síria: “Ambos os estilos se diferenciam dos ossários usados em Jerusalém.” […]
Terra Notícias, 18.06.2003 [09:37 h]:
“INSCRIÇÃO EM OSSUÁRIO COM NOME DE JESUS É FALSA”
Arqueólogos israelenses disseram hoje que a inscrição em aramaico em uma antiga urna de pedra que conteria os ossos de Tiago, irmão de Jesus, não é autêntica. O ossuário, que apresenta a inscrição em aramaico “Tiago, filho de José, irmão de Jesus”, foi caracterizado como a mais antiga prova arqueológica da existência de Jesus Cristo fora do Novo Testamento. O Diretor da Autoridade de Antiguidades de Israel, Shuka Dorfman, disse que a inscrição é uma mentira. “O osuário é real, mas a inscrição é falsa. Isso significa que alguém pegou a urna verdadeira e forjou a inscrição, provavelmente para dar um significado religioso a ela”, disse Dorfman. Gideon Avni, que comandou o comissão montada para estudar a urna, disse que a conclusão é unânime. A comissão também descobriu que a pedra com a qual foi feita a urna é mais típica do Chipre e do norte da Síria do que do antigo Israel. […]
Folha Online, 18.06.2003 [11:19 h]:
“NOME DE JESUS FOI FORJADO EM OSSUÁRIO, DIZEM ESPECIALISTAS”
Poderia ser a primeira evidência arqueológica de sua existência fora da Bíblia. Mas especialistas dizem que a inscrição do nome de Jesus em uma urna funerária encontrada em Israel foi forjada. […] Segundo o diretor da Autoridade Israelita das Antiguidades, Shuka Dorfman, a inscrição é um trote. “O ossuário é real. Mas a inscrição é falsa. O que significa que alguém pegou uma urna verdadeira e forjou a inscrição, provavelmente para dar a ela significado religioso”, disse. Tiago, cuja morte por apedrejamento teria ocorrido supostamente em 62 D.C., é mencionado no novo testamento como irmão de Jesus. Judeus e protestantes aceitam essa teoria, mas os católicos –que acreditam na virgindade de Maria, a mãe de Jesus– dizem que Tiago era primo de Jesus. O arqueólogo Gideon Avni presidiu o comitê de especialistas que investigou o caso desde março. Ele afirma que a conclusão da equipe foi unânime: “mesmo que o ossuário seja autêntico, não há razão para assumir que os ossos do irmão de Jesus tivessem estado nele”. Além disso, a equipe concluiu que a pedra com que a urna foi construída era mais comum no Chipre e no norte da Síria do que em Israel. O relatório diz ainda que a inscrição no ossuário rompeu a camada de “oxidação” –ou envelhecimento natural– da pedra, além de parecer caracteres modernos, escritos por alguém que tentou reproduzir o antigo aramaico. Por outro lado, a pesquisa não conseguiu descobrir a data exata em que a inscrição foi feita.
iG/Último Segundo/The New York Times, 18.06.2003 [23:01 h]:
“OSSUÁRIO DE IRMÃO DE JESUS É UMA FARSA, DIZEM ARQUEÓLOGOS”
[por Greg Myre] Jerusalém – Os arqueólogos de Israel declararam na quarta-feira que uma antiga arca de enterros de pedra calcária, que contém uma inscrição sugerindo que conteria o irmão de Jesus, Jacó, é uma falsificação moderna.
Quando a existência do ossuário foi anunciada em outubro, causou grande excitamento por ser potencialmente o mais recente artefato histórico ligado a Jesus. Mas a autoridade de antiguidades de Israel disse ter encontrado provas incontestáveis de que a inscrição na caixa era uma falsificação produzida nos tempos modernos. “O ponto fundamental é que cada estudioso que examinou a caixa chegou à conclusão de que a inscrição não é autêntica”, disse Gideon Avni, diretor de escavações e pesquisas para a autoridade de antiguidades. “Foi feita recentemente por um artista muito habilidoso”. A autoridade também disse que uma pequena tábua de pedra, que supostamente seria do século 9 a.C. e que continha instruções em hebraico para manter o primeiro templo judaico em Jerusalém, também é falsa. A tábua tinha erros lingüísticos e palavras hebraicas de origem moderna que não poderia ter sido usadas na época, dizem autoridades. Um colecionador israelense, Oded Golan, possuiu os dois itens, e tentou vender a tábua por US$2 milhões, segundo Shuka Dorfman, chefe da autoridade de antiguidades. A polícia vem investigando o caso com a ajuda da autoridade de antiguidades, mas nenhuma prisão foi feita. O ossuário de 50 centímetros, comum em cerimônias de enterro judaicas nos primeiros séculos a.C. e d.C., tem uma inscrição que diz: “Jacó, filho de José, irmão de Jesus”. O Novo Testamento diz em muitas passagens que Jesus tinha um irmão chamado Jacó, que tornou-se líder de um grupo cristão em Jerusalém, após a crucificação de Jesus. Jacó foi apedrejado até a morte em 63 d.C., segundo o historiador judeu do primeiro século Flavius Josephus. Os estudiosos concluíram que o ossuário era um original, datado de 2 mil anos atrás, mas a inscrição nela era muito mais recente, apesar de não ter sido possível definir a data. A inscrição foi em parte feita com sujeira, carbono e pequenos grãos de ouro, em uma tentativa de fazê-la parecer mais antiga, disseram oficiais. Além disso, a segunda parte da inscrição, que se refere a Jesus, está em um estilo diferente de escrita, disseram a autoridade de antiguidades. Os estudiosos têm debatido a autenticidade desde que o ossuário foi divulgado no último outubro, e alguns especialistas disseram acreditar que ela era genuína. Andre Lemaire, um especialista francês em textos bíblicos, inspecionou o ossuário e escreveu no último outono na Biblical Archaeology Review que “parece muito provável que esse seja o ossuário de Jacó no Novo Testamento”. Mas algumas autoridades israelenses expressaram suas suspeitas desde o começo, baseados nos caminhos obscuros pelos quais o ossuário e a tábua chegaram ao conhecimento do público. Golan, que tem pouco mais de 50 anos, inicialmente tentou esconder sua identidade e conexão com os artefatos. Quando questionado pelas autoridades, ele disse que havia comprado os artefatos de um comerciante de antiguidades na cidade antiga de Jerusalém no meio da década de 70 mas não sabia o nome do vendedor e nem do lugar onde ele teria sido excavado.