A esquerda costuma “classificar” – segundo o método inventado por Stálin – todo mundo que não é da extrema esquerda como sendo de direita. Isso leva a algumas classificações totalmente absurdas (inclusive as auto-impingidas: o César Maia, que é de centro-esquerda e pendura pôsteres do Stálin nas paredes de seu escritório, se considera de direita). Vejamos, por exemplo, o fascismo: foi um movimento surgido como racha do Partido Socialista; pregava uma sociedade altamente controlada pelo Estado e pelos Sindicatos. A legislação trabalhista fascista foi importada aqui para o Brasil pelo Getúlio, e até hoje os PTs da vida a consideram maravilhosa, “uma grande conquista do trabalhador brasileiro”, etc. Se vc perguntar para um petista se ele acha que o fascismo é direita ou esquerda, ele vai rugir: “extrema direita!”. Se vc, entretanto, descrever o sistema fascista (governo forte, sindicatos fortes, estado de bem-estar social, restrições enormes à livre iniciativa privada (impostos progressivos, enorme quantidade de obrigações trabalhistas…), etc., sem jamais dizer de quem está falando, ele vai dar a resposta certa: “centro-esquerda”.
Aqui no Brasil nós temos uma centro-esquerda que posa de direita (sociais democratas do PSDB, os “coronéis” estatólatras do PFL, os “ruralistas” que só querem saber de subsídios estatais da semi-desaparecida UDR, etc.), uma extrema esquerda que se considera “a esquerda” (PT, PC do B…) e – o que é mais perigoso de tudo isso – um novo fenômeno, a extrema esquerda “evangélica” representada pelo governador do Estado do Rio (que será aliás apoiado pelo PC do B na campanha presidencial). Seu protestantismo serve como resposta pronta a qualquer acusação de comunismo, o que o torna capaz de ir beijar a mão do Fidel Castro e ficar por isso mesmo.
Nós não temos no Brasil uma centro-direita (como o Partido Republicano americano ou o RPR francês), muito menos uma extrema-direita (que prega o Estado mínimo, com tudo o que não seja polícia e tribunais – e olhe lá! – em mãos particulares). O Pinochet, quando conseguiu livrar – de maneira bastante cruenta e feia – o Chile da ameaça marxista (basta ler os livros do Gabeira, que era a favor do Allende, para ver o tamanho da coisa: o instrutor cubano de tiro de bazuca dele se refugiou na mesma embaixada que ele quando os militares acabaram com aquela pouca-vergonha. Ora, um instrutor cubano de tiro de bazuca certamente não estava lá para fazer turismo…), mandou chamar os “Chicago boys”, da escola de economia (liberal) de Chicago, para darem um jeito na economia chilena. As medidas tomadas foram de centro-direita.
Mesmo assim, treinados pavlovianamente pelo pensamento marxista que hoje grassa por toda parte, os brasileiros tendem a considerar Pinochet como extrema direita. Ora, um sujeito que manteve um Estado tão presente na vida nacional quanto ele, com tantas regulamentações, presença de militares nas grandes empresas, etc., não é extrema-direita por nada desse mundo. Extrema direita não tem Estado grande.
A Doutrina Social da Igreja prega o chamado princípio da subsidariedade. O que quer dizer isso? Que cada coisa deve ser feita no menor âmbito possível. A família deve fazer tudo o que puder. O que a família não puder fazer, o bairro faz. O que o bairro não puder fazer, o município faz. O que o município não puder fazer, o estado faz. O que o estado não puder fazer, a União faz. E por aí vai.
Ora, o princípio de operação da esquerda é o oposto: centralismo é a palavra-chave. A extrema esquerda prega o centralismo completo; o Estado faz tudo, cuida de tudo, é o único dono dos meios de produção.
A centro-esquerda prega o centralismo em tudo o que é grande, deixando uma certa margem de manobra para a livre iniciativa privada, auxiliada e controlada indiretamente, porém, pelo Estado. Assim a centro-esquerda gosta de SUDENEs e SUDAMs, sindicatos fortes, legislação trabalhista pesada, estado de bem-estar social, etc. A coisa vem de cima para baixo, sempre, mas é dada uma certa margem de manobra nas instâncias inferiores (ou seja, vc pode escolher a sua marca favorita de arroz, mas o produtor de arroz não pode negociar livremente seus preços, os salários que paga, etc.).
O princípio de operação da direita é o oposto: tudo vem de baixo para cima. Nisso ele está de acordo com a Doutrina Social da Igreja. Há, porém, um problema: como qualquer teoria que veja o homem como ser econômico, e só, a direita tende a deixar de lado a importância da caridade (a esquerda força a redistribuição, e a direita acha que ela vai acontecer por conta própria. Na verdade nem um nem outro acontecem, a não ser que haja forte formação moral da população). Assim, a extrema direita, ao pregar a desregulamentação mais completa (o chamado capitalismo laissez-faire) acaba fazendo com que seja possível uma monopolização do mercado que impede, na prática, que haja livre negociação. Se uma só fábrica produz um produto, ou bem compramos desta fábrica ou não compramos e ficamos sem. Se uma só grande indústria emprega trabalhadores, ou aceitamos receber o que eles propõem ou ficamos desempregados. E por aí vai. A direita retruca dizendo que a “mão invisível do Mercado” vai resolver a situação, mas essa mão invisível costuma é matar de fome os aleijadinhos, impedir a pesquisa pura…
A centro-direita, ao aceitar que haja freios aos monopólios, que haja um certo “engessamento” da economia, procura acertar um pouco as circunstâncias que podem gerar injustiças. O problema é que este “engessamento” sempre tende a aumentar, e sua ênfase na iniciativa individual acaba tornando difícil a ação grupal, a formação de instâncias intermediárias de poder, etc.
Todas estas teses, por verem o homem apenas como animal econômico, são falhas e, em última instância, contrárias à Doutrina Social da Igreja. Algumas, porém, são frontalmente contrárias: as da extrema esquerda e da extrema direita. O Estado-Leviatã hobbesiano que na prática a extrema esquerda prega, assim como o anarco-capitalismo da extrema-direita, são frontalmente contrários à necessidade de justiça (que não significa igualdade! os homens não são iguais!) social.
A centro-esquerda pode ser apoiada em questões específicas, pois apesar de ter um raciocínio errado (ao querer fazer tudo “ao contrário”, de cima para baixo) acaba tendo por vezes maneiras inteligentes de lidar com as situações. A centro-direita também pode ser apoiada em questões específicas, quando suas (raras) intervenções estatais no mercado têm por objetivo corrigir injustiças. Notem que a centro-direita é a menos distanciada, dentre todas estas formas, da Doutrina Social da Igreja. Ela não é, porém, igual a esta Doutrina. Ela nega de facto a dignidade essencial do homem, ao vê-lo apenas como agente econômico. Ela nega de facto a obrigação do Estado de combater o erro, ao pregar a mais ampla liberdade e igualdade religiosa. E por aí vai.
A Igreja já condenou formalmente e em bloco as teses da extrema esquerda, que são frontalmente contrárias à Revelação. Uma pessoa que venha a aderir a um partido ou movimento de extrema esquerda (PT, MST, PC do B, etc.) está excomungada por prestar adesão a uma ideologia inimiga da Igreja. As teses da extrema direita, talvez por ser ela um animal muito mais raro, não foram condenadas em bloco monoliticamente, mas são, ponto a ponto, condenadas. Assim, um católico até pode pertencer a um movimento de extrema direita desde que não aceite o que já foi condenado (ele não pode aceitar a “livre competição” religiosa, não pode negar a dignidade intrínseca do ser humano, etc.). Depende de como foram formuladas as teses da organização na papelada que ele teve que assinar para filiar-se, e de como é pregada a ideologia da organização. Mesmo assim, não é uma boa idéia.
A participação dos católicos na política, portanto, pode ser feita sem maiores problemas em organizações de centro-esquerda e de centro-direita, desde que elas não preguem teses condenadas pela Igreja (por exemplo, que o poder dos governantes vem do povo). O problema é achá-las…
Uma forma de participação, porém, que é plenamente de acordo com a Doutrina Social da Igreja é a participação em entidades comunitárias (associações de moradores, etc.) que busquem trazer para instâncias inferiores a solução de problemas que a elas, pela Doutrina da Igreja, competem resolver. Do mesmo modo, organizações não governamentais que lutem contra ou a favor de medidas respectivamente contrárias ou conformes à Doutrina da Igreja devem ser apoiadas. É papel do leigo unir-se a estas organizações e lutar, por exemplo, contra leis abortistas, a favor de leis que facilitem o porte de armas, a favor de leis que dêem à Igreja preponderância na sociedade, a favor de leis que permitam e incentivem a tomada de decisões pelas instâncias inferiores da sociedade (educação em casa, facilidade para estabelecimento de negócios sem muita burocracia), etc.
- Fonte: A Hora de São Jerônimo