A jornalista Adriana Dias Lopes, na edição da revista Veja do dia 15 de agosto passado, a propósito da menina Marcela de Jesus Galante Ferreira, faz desfilar expressões como a menina sem estrela (título da matéria); cruel anomalia congênita; jamais ter sentido o toque das mãos da mãe; resignação própria de católicos fervorosos; Marcela não viverá muito mais; e conclusiva: Casos como o de Marcela certamente seriam incluídos nos protocolos de eutanásia na Holanda, diz o pediatra alemão Roberto Wüsthof. Não faz sentido ser diferente. É como se ela fosse um computador sem processador.
Aí está: É como se fosse um computador, sem processador.
Esta é a frase, matriz eloqüente de setores empresariais, políticos e midiáticos, que querem impor o stablishment mecanicista. O stablishment que reduz a vida humana a algo aferível, coletiva e funcionalmente: não faz sentido ser diferente. Todos nós devemos conformarmo-nos ao padrão ditado pela eficiência, que produz ganho quantificado.
Nessa sociedade, informatizada por tais pilares, o pobre, o deficiente, o velho não contam.
À observação de Cacilda, mãe de Marcela, a dizer: Minha filha é muito carinhosa. As pessoas ficam tão encantadas com ela que não ligam para o formato de sua cabecinha, a jornalista Adriana Dias Lopes sentencia, definitivamente: As reações esporádicas de Marcela aos afagos da mãe, como um meio sorriso que esboça vez por outra, são resultados de reflexos involuntários que não precisam necessariamente passar pelo cérebro.
A vida humana, única e irrepetível, não se mensura em economia de escala, não é linear, de modo que sejamos todos nós, mulheres e homens, embriões, fetos, crianças, velhos, vistos como no traçado imperturbável de uma linha reta.
A vida humana não é assim.
Complexa, surpreendente, imprevisível não permite que seja aprisionada na pura sistematização racionalista.
Complexa, surpreendente, imprevisível traça na história o marco de seu ineditismo.
Foi para a liberdade, que eu vos fiz livres, ou seja, temos todos em nós o chamado à transcendência movimentar-se para o alto -, rompendo com os esquemas traçados pela mentalidade egocêntrica, hoje tão em voga.
Ontem, dia 19 de agosto, brasileiras e brasileiros, irmãs e irmãos das Américas, atletas todos do Parapan, encerraram uma semana de eloqüente demonstração no sentido de que a deficiência, no ser humano, não se constitui em óbice, porque viver é ultrapassar limites: foi para a liberdade, que eu vos fiz livres.
A Marcela, jornalista Adriana Dias Lopes, é mesmo uma menina sem estrela, porque ela, e todos os que são, sob as mais variadas justificativas, ou estão, mutilados, deformados são, todos, ela e eles, estrelas-guia para os que ainda conseguem admirar, conseguem comover-se, conseguem ser livres para a liberdade.