Introdução
O sentido da palavra logos varia no Novo Testamento de acordo com o contexto. Em geral todos concordam que no prólogo do Evangelho de João (1,1-18) logos é um título especial para o Filho (vv. 1 [3x], 14). O presente trabalho sustenta que o sentido de logos em Hb 4,12-13 é o mesmo, ou seja, em Hb 4,12-13 a palavra logos indica o Filho de Deus.
Poucos especialistas aceitariam que em Hb 4,12-13 a palavra logos significa o Filho; quase todos os exegetas modernos que expressaram sua opinião acerca deste tema concluem que logos em questão indica “a Palavra”, quer dizer, a Escritura, no versículo 12, e “conta” no v.13, de modo que uma tradução teria o seguinte teor:
12A palavra de Deus é viva, vivificadora e ativa, mais cortante que uma espada de dois gumes, que penetra até a separação de alma e do espírito, juntas e medula, e discerne sentimentos e pensamentos. 13E nenhuma criatura se esconde dela, todas as coisas estão desnudas e patentes aos olhos aos quais prestaremos conta.
A tradução defendida neste trabalho é a seguinte:
12A palavra de Deus é viva, vivificadora e ativa, mais cortante que uma espada de dois gumes, que penetra até a separação de alma e do espírito, juntas e medula, e discerne sentimentos e pensamentos.13Porém nenhuma criatura se esconde dela, e todas as coisas estão desnudas aos olhos daquele com o qual para nosso benefício está a Palavra (o Verbo)
Existem dois argumentos principais que serão utilizados para fundamentar esta interpretação: (1) A coerência interna (os dois usos de logos se referindo ao Filho); e (2) A coerência com o contexto (a estrutura de Hb 3,1 ? 7,28 indica que os dois usos de logos se referem ao Filho).
Contexto Precedente
O contexto precedente de Hb 3,1-7,28 parece estar estruturado do seguinte modo:
Hb 1,1 ? 3,6
A. Hb 1,1-4: Prólogo
B. Hb 1,5 ? 3,7: A identidade do Filho
1. Hb 1,5-14: O Filho é Filho de Deus
Hb 2,1-4: Parênesis
2. Hb 2,5-18: O Filho é Filho do Homem
Hb 3,1-6: Parênesis[1]
Este trabalho prefere encaixar o esquema acima do seguinte modo:
Hb 3,7 ? 6,20: A Palavra como Garantia
A. Hb 3,7 ? 4,7: Sl 95 ? Texto e explicação
1. Hb 3,7-11: Texto
2. Hb 3,12 ? 4,7: Explicação
B. Hb 4,8-16: O Filho como palavra
1. Hb 4,8-11: Introdução: Aquele que circuncida
2. Hb 4,12-13: A Palavra como aquele que circuncida e como Sacerdote
3. Hb 4,14-16: Continuação: Sacerdote
C. Hb 5,1-10: Sl 2,7 e Sl 110,4: Texto e explicação
D. Hb 5,11 ? 6,20: Parênesis
1. Hb 5,11 ? 6,8: Parênesis negativa
2. Hb 6,9-20: Parênesis positiva
Hebreus 3,7 ? 6,20: A Palavra como Garantia
A. Hb 3,7 ? 4,7: Sl 95 ? Texto e explicação
1. Hb 3,7-11: Texto
O texto escriturístico introdutório chave para a passagem de Hb 3,7 é a citação de Sl 95 [94],7-11:
3,7: Consequentemente como diz o Espírito Santo[2]:se hoje escutais a sua voz
3,8: não endureçais o coração como quando o irritaram, no dia da prova no deserto
3,9: quando vossos pais me puseram à prova e me tentaram, embora tivessem visto minhas obras
3,10: durante quarenta anos. Por isso me indignei contra aquela geração, e desse: Sua mente sempre se extravia e não reconhecem seus caminhos
3,11: por isso, irado, jurei: Não entrarão em meu descanso.
O fundamento para a citação deste salmo parece ser seu uso nas peregrinações a Jerusalém, cujo objetivo era o “descanso de Deus”, quer dizer, o Templo[3]. A finalidade do uso deste salmo era provocar nos peregrinos um exame de consciência, se eles haviam vindo com uma obediência plenamente fiel ou com o coração duro inclinado ao erro[4]. É a fé que está realmente em questão[5]. E o castigo pela dureza de coração é o fracasso final[6]: os peregrinos são excluídos da promessa de obtenção da terra[7]. A referência da citação do autor de Hebreus é clara: a geração dos israelitas no deserto é um exemplo aos cristãos a quem está escrevendo. Assim como a geração do deserto, os cristãos também podem propor esta questão: está Deus entre nós[8]?
2. Hb 3,12 ? 4,7: Explicação
A citação do Sl 95 introduz toda a citação até 6,20. Mas em particular introduz os comentários que se estendem de 3,12 a 4,7. Posto que a citação do salmo é parenética em sua natureza, a exposição midráshica do salmo toma a condição de uma parênesis
12Cuidado irmãos: nenhum de vós tenha o coração perverso e incrédulo, desertor do Deus vivo. 13Ao contrário, animai-vos uns aos outros cada dia, enquanto soa este hoje, para que ninguém se endureça, seduzido pelo pecado. 14Porque, se mantemos firme até o fim nossa posição inicial, somos companheiros do Messias. 15Quando diz: ‘Se hoje escutais sua voz, não endureçais o coração como quando o irritaram‘, 16quem, apesar de tê-lo ouvido, o irritou? Claro, todos os que saíram do Egito guiados por Moisés. 17Com quem se indignou durante quarenta anos? Claro, com os pecadores, cujos cadáveres caíram no deserto. 18A quem jurou que não entrariam no seu descanso? Aos rebeldes, 19e assim vemos que por sua incredulidade não puderam entrar. 4,1Enquanto vigora a promessa de entrar no seu descanso, sejamos prudentes para que ninguém de vós se atrase;2pois nos anunciaram a boa nova, como a eles. Mas a mensagem que ouviram não lhes aproveitou, porque não se compenetraram pela fé para com os que tinham ouvido. 3No descanso entramos todos nós que cremos, como está dito: ‘Jurei, irado, que não entrarão em meu descanso’. As obras, sem dúvida, foram concluídas com a criação do mundo, 4como se diz num texto sobre o sétimo dia: ‘no sétimo dia Deus descansou de todas as suas obras’; 5e neste outro: ‘Não entrarão no meu descanso’ . 6Ora, visto que alguns ficam sem entrar nele, e os que receberam por primeiro a boa notícia não entraram por sua rebeldia, 7indica outro dia, outro hoje, pronunciando muito depois, por meio de Davi, o texto anteriormente citado: ‘Se hoje escutais a sua voz, não endureçais o coração.
A passagem está marcada pelas palavras shmeron ean thv fwnhv autou akoushte mh sklhrunhte tav kardiav umwn no início da citação do Sl 95 em 3,7-8, e as palavras shmeron en dabid legwn meta tosouton cronon kaywv eirhtai shmeron ean thv fwnhv autou akoushte mh sklhrunhte tav kardiav umwn em 4,7. A partir destas palavras-chave fica claro que a dureza de coração é central sobre a qual o autor de Hebreus quer insistir.
Porém a advertência contra a dureza de coração do cristão deve ser entendida com relação à incapacidade de entrar no descanso cristão. Este é definido por uma gezerah shawah[9] no centro da exposição do Sl 95. Inclui uma citação do Sl 95 em 4,3, de Gn 2,2 em 4,4 e novamente uma citação do Sl 95,11 em 4,5[10]. O elemento comum nas citações são palavras que significam “descanso” (katapausij, katapauw). O objetivo da gezerah shawah é mostrar que o descanso que se fala no Sl 95 é realmente o descanso de Gn 2,2, ou seja, algo próprio de Deus e não somente à terra de Canaã. O fato das duas citações do Sl 95,11 sejam usadas para demarcar a citação de Gn 2,2 manifesta que a ênfase reside neste último[11]. Assim, a dureza de coração que adverte o salmo é aquilo que faz correr o risco de perder o caminho do próprio descanso de Deus. A passagem presume o imediatismo dos destinos diretos: o salmo fala diretamente aos destinatários sem intermediários hermenêuticos[12].
A “promessa” da qual fala Hb 4,1 é a primeira referência explícita a este tema principal da epístola. Porém as referências implícitas começam já em 1,2 com a menção do Filho como “herdeiro” (klhronomon). E na interpretação que tem sido dada aqui aparece de modo importante porém implícito em 2,5-18. A referência às “promessas” têm suas raízes nas promessas feitas por Deus mediante um juramento em Gn 22 e citadas em Hb 6,14[13].
A frase “palavra ouvida” (o logov thj avkohj) parece ser particularmente significativa. Por trás dela está a expressão hebraica hwmvh rbd (“a palavra da escuta”), na qual “escuta” pode referir-se a algo comunicado sem intenção alguma de provocar a fé (como em Mt 4,24; Mc 1,28) ou a algo comunicado oralmente com a intenção de produzir a fé (1 Ts 2,13; Rm 10,17). Na segunda variante, o uso da palavra logov indica que se trata de alguma tradição oral ou ensino tradicional. Esta poderia ser a situação de 1 Ts 2,13, onde o contraste é entre a tradição humana e a divina[14] e tal parece ser a situação em Hb 4,2[15]. O autor está falando acerca da Tradição de se entrar na terra prometida, uma Tradição ouvida pelo povo do deserto (de quem se diz explicitamente que “ouviram a Tradição”) e pelos destinatários (de quem também se diz explicitamente que “têm ouvido a Tradição”).
No começo de seu êxodo, a geração do deserto “havia crido” (avkousantej ? 3,16), porém logo haviam se “rebelado” (parepikranan ? 3,16), ?pecaram? (toij amarthsasin – 3,17), e desobedeçeram (toij avpeiqhsasin – 3,18). A “palavra ouvida”, quer dizer, a Tradição acerca da entrada, não lhes foi proveitosa porque não estavam unidos na fé com aqueles que “havia crido” (toij avkousasin – 4,2). O particípio avkousantej em 3,16 e o particípio avkousantej em 4,2 se referem ambos a pessoas que “escutaram” no sentido de “creram”, porém em 3,16 aqueles que creram foram a geração do deserto no começo de seus êxodo, enquanto que aqueles que creram em 4,2 eram os destinatários de sua epístola[16]. Na visão do autor de Hebreus os heróis da Antiga Aliança foram aperfeiçoados pela sua semelhança com os cristãos (11,40)[17].
Para o autor de Hebreus, portanto, a geração do deserto foi incapaz de entrar no descanso. Por seus objetivos teológicos, deixa de lado casos como Josué e Caleb. Esta visão de fracasso comunitário da geração do deserto para entrar no descanso de Deus devido sua incredulidade contrasta com sua visão dos destinatários para quem o fracasso se indica em fins individuais, expressado pelo uso do pronome tij: en tini umwn (3,12), tij evx umwn (3,13), tij evx umwn (4,1), tij (4,11). A conseqüência é que para os destinatários o êxito em entrar no descanso de Deus está assegurado para o grupo como um todo[18]. Este conceito do grupo repousa sobre a expressão toij avkousasin de 4,2. A razão para o êxito do grupo como um todo ainda espera ser demonstrada.
B. Hb 4,8-16: O Filho como palavra
A passagem 4,8-16 está centrada nos vv. 12-13 com sua famosa passagem sobre o logov tou qeou. Hb 4,8-11, portanto, conduz a esta passagem de importância central.
1. Hb 4,8-11: Introdução: Aquele que circuncida
8Se Josué lhes tivesse dado o descanso, depois não se falaria de outro dia.9Portanto resta um descanso sabático para o povo de Deus.10Alguém que entrou em seu descanso, descansa de suas obras, da mesma forma que Deus das suas.11Portanto, esforcemo-nos por entrar naquele descanso, para que ninguém caia, conforme o exemplo daquela rebeldia.
Esta pequena seção de parênesis começa onde acaba o tratamento midráshico do Sl 95, porém o supõe: cf. o uso de gar no v. 8 e de katapauw / katapausij nos vv. 8, 10, 11[19]. O v.8 começa imediatamente após a repetição do Sl 95,7 -8 em 4,7, que juntamente com 3,7 serve como um marco entre 3,7 e 4,7. Porém um novo elemento se introduz com a menção do nome de Josué, cujo nome na LXX é Ihsouj[20]. Pelo fato de Josué não ter conseguido fazer o povo entrar na terra celestialmente prometida, a promessa permanece vigente. Esta promessa tem a ver com a gezerah shawah em 4,3-5 já mostrado, e não com a terra prometida, terrena, mas com a terra celeste, o próprio descanso de Deus[21]. O v.11 pede que os destinatários se “esforcem” (spoudazw[22]) em entrar no seu descanso, de modo que nenhum deles possa ser deixado como parte da desobediência mencionada no Sl 95. A idéia de “repouso” demarca os versículos 8-11 por razões das palavras katapauw no v. 8 e a palavra katapausij no v.11.
2. Hb 4,12-13: A Palavra como aquele que circuncida e como Sacerdote
Esta é uma das passagens mais citadas da epístola. Isto contribui em tornar dificultosa qualquer nova visão, porque o costume generalizado de tomar a palavra logos como uma referência à Palavra de Deus na Escritura tende a excluir a possibilidade de um sentido diferente.
12Pois o logos de Deus é viva, vivificadora e ativa, mais cortante que uma espada de dois gumes, que penetra até a separação de alma e do espírito, juntas e medula, e discerne sentimentos e pensamentos. 13E nenhuma criatura se esconde dela, todas as coisas estão desnudas e patentes aos olhos dEle, junto do qual para nosso benefício está o logos.
A palavra logos está no início e no fim de 4,12-13, por isso demarca estes versículos, assim com as palavras katapausij / katapauw demarcam os versículos 8-11. Isto pareceria indicar que os versículos 12-13 são queridos pelo autor para serem tomados como um todo. Porém, com a interpretação convencional de logos em 4,12 como “a Palavra” da Escritura se seguem várias dificuldades.
Primeiro está a dificuldade de que os usos de logos são inconsistentes: no v.12 se diz que o discurso é acerca da “palavra” ou a “conta” que os cristãos terão que render diante de Deus[23]. Isto torna estranha a busca de palavras como demarcação. Segundo que a imagem é inconsistente: em 4,12 a imagem é do penetrante poder do logos ainda que em 4,13 a imagem parece referir-se a um sacrifício ou possivelmente à sustentação do combate[24]. Terceiro, que não fica claro como uma imagem de uma “espada de dois gumes” se aplica a uma imagem de sacrifício, mas sim como referência à permanência no combate[25].
Por último, o uso de uma partícula conjuntiva oun em 4,14 torna difícil a interpretação corrente. Em 4,12 gar se refere ao que precede imediatamente: o penetrante poder da imagem de uma espada nos dá a razão porque a construção exortativa spoudaswmen é usada no versículo precedente nos proporcionando um sentido tolerável. Porém a partícula conectiva de 4,14 é mais difícil de explicar. Ainda mais quando se admite referir ao distante discurso sobre o sumo sacerdote de 2,13b-18 (a única discussão prévia de avrciereuj na epístola), a transição desde o v.13 é abrupta[26].
Uma possível resposta que pode resolver estes problemas como uma solução unificada consiste em tomar a palavra logov como referida ao próprio Jesus, assim como no prólogo joanino[27].
Se logos na expressão de 4,12-13 é entendida como referente a Jesus[28], a palavra pode adquirir o mesmo sentido em ambos os versículos. Em 4,12 a alusão poderia se referir à habilidade de Jesus em conferir uma circuncisão espiritual no coração, condição necessária para se realizar a entrada no descanso de Deus. Em 4,13 a alusão poderia se referir à sua união com Deus, o juiz, para ser intercessor pelos cristãos (“para nosso benefício”) = resposta à primeira dificuldade.
Temos então duas imagens incluídas: a imagem da circuncisão espiritual (v12) e a imagem da vítima sacrificial (v13). Em 4,12 volta-se à visão do que lhe precede: o primeiro Jesus (Josué) não fez o povo de Deus entrar no descanso de Deus, mas o segundo Jesus o fará. Em 4,13 a visão é mais adiante, ao que segue: Deus é o juiz de todos, diante do qual nada está escondido, porém Jesus está com Ele para nosso benefício, ou seja, como sumo sacerdote, tendo sido a vítima do sacrifício perfeito = resposta à segunda dificuldade[29].
A “espada de dois gumes” (macairan distomon) é melhor empregada se tomada como “faca de dois gumes”. No v.12 é a faca de circuncisão usada por Josué (Js 5,2)[30]. No v.13 trata da faca utilizada por Abraão para o sacrifício suspenso de Isaac (Gn 22,6)[31]. O v.12 se conecta ao versículo 8, onde Josué é mencionado como o que não conseguiu levar o povo ao descanso[32]. O v.13 olha mais adiante, ao v.14 e à discussão do sumo sacerdote que culmina no oferecimento de Jesus de si mesmo segundo o modelo de Isaac em 5,6-7[33]. A imagem da primeira metade do versículo é a de uma vítima sacrificial com o pescoço exposto à lâmina, e alude a Cristo como vítima; a segunda metade do versículo fala de Cristo como logos que atua como intercessor diante de Deus, ou seja, como sacerdote, resultado do seu oferecimento de si mesmo. Este duplo uso, tão versátil, de macaira está aludido pela palavra distomoj (dois gumes, duplo fio): a macaira (faca) serve para a circuncisão no v.12 e para o sacrifício no v.13. E, assim como a característica da lâmina, os versículos de falam destas suas duas funções também olham em direções opostas = resposta à terceira dificuldade.
Tomando a expressão logos como referida a Jesus enquanto sumo sacerdote e intercessor, é explicado o uso da palavra oun no v.14: o v.13 deu a ocasião de voltar atrás e aludir à discussão precedente de Jesus como sumo sacerdote em 2,13b-18 = resposta à última dificuldade.
Na interpretação sugerida aqui, Hb 4,12-13, com sua alusão a Jesus como logos, trabalha como apoio na seção 3,7-6,20. Sintetiza a primeira parte, 3,7-4,11, que discute a promessa espiritualizada da terra, ou seja, o descanso de Deus. Ao representar Jesus como o divino logos o autor indica implicitamente porque a entrada na terra espiritualizada do descanso de Deus é possível: Jesus, que é igual a Deus, é capaz de efetuar a circuncisão espiritual do coração, necessário para a entrada[34]. Além do mais, ao mostrar Jesus como divino, o autor mostra implicitamente porque a entrada nesta terra espiritualizada do descanso de Deus será levada a cabo infalivelmente pelo grupo como um todo: novamente, a circuncisão espiritual realizada divinamente é segura em seus efeitos, a menos que seja frustrada por atos individuais de desobediência. Portanto o logos faz possível a realização da promessa da terra para aqueles que permanecerão em comunhão com Cristo, como indica o versículo de transição 3,6 que introduz 3,7-6,20. O mesmo logos é incluído na imagem do intercessor no v.13. Isto abre caminho para a menção do sacerdócio no v.14 e para a discussão seguinte de Jesus como sacerdote que ocupará o discurso até 8,1. Assim, o logos do v.13 prepara o caminho para a discussão da promessa de descendência que, em Hebreus, vem do sacrifício de Jesus, como sacerdote, e da conseqüente aliança de seu sangue (cf. Hb 13,20)[35].
O adjetivo zwn (“vivente”) usado em referência a logos no v.12 é importante para compreender algo acerca do tema implicado. Em outras partes da carta esta expressão é usada para o próprio Deus (3,12; 9,14; 10,31; 12,22), ou Cristo (7,25; 10,20), ou a vida humana (2,15; 7,8; 9,17; 10,38; 12,9), porém nunca de uma vida no pessoal. A interpretação usual de logos com referência à Escritura constitui assim uma notável divergência de seu uso em Hebreus[36]. Esta inconsistência desaparece se Jesus for o logos.
A palavra da Escritura era aquela que era acessível ao povo quando estava atravessando o primeiro êxodo à terra prometida; em 9,19 Moisés é descrito purificando o Livro da Lei no Sinai, enquanto que o povo (também purificado) estava formado[37]. Propor a mesma Escritura como o meio para a entrada dos que atravessam o novo êxodo para a terra prometida, espiritual, é deixar sem explicação a razão acerca da eficácia do logos cristão. Somente a fé não pode ser a razão, pois então a ênfase sobre a eficácia do logos careceria de sentido. A atividade do logos e uma fé ativa são requeridas para explicar a razão da garantia a respeito do ingresso dos cristãos, se é que a palavra de 4,12 no contexto imediato e geral deve cumprir-se[38].
A primeira parte do v.13 (kai ouvk estin ktisij avfanhj evnwpion auvtou) refere-se sobre a onisciência de Deus e sugere que Ele é o juiz[39]. A segunda parte (panta de gumna kai tetrachlismena toij ovfqalmoij auvtou) refere-se a um sacrifício, através da imagem de um colo “desnudo e patente”[40], e sugere que Deus seja também o que oferece o sacrifício[41]. A parte final do v. 13 (proj on hmin o logov) novamente se refere a Deus (proj on) e o logos se refere a Cristo. Logos está apresentando um sentido análogo à cláusula o logov hn prov ton yeon de Jo 1,1, exceto porque a cláusula em Hebreus se refere à Cristo após a ressurreição como fonte de misericórdia e favor (cf. 4,16 que aparenta referir-se a 4,13), e não à Cristo antes da encarnação. Nesta terceira parte do v.13 Deus novamente aparece como juiz, exceto pelo fato de que agora ele é juiz com Cristo como intercessor. Assim o v.13 contém um sumário em miniatura de uma profunda visão do Rol de Deus e Cristo na redenção:
- Deus como juiz de todas as criaturas (primeira parte do v.13);
- Deus oferece a Cristo como sacrifício (segunda parte do v.13);
- Deus atua como juiz, agora com Cristo como intercessor (terceira parte do v.13).