EVANGELHO DE JOÃO IV
Glorificação de Jesus A Hora
Em vários momentos, João faz referência à hora de Jesus. Nas Bodas de Caná diz que sua hora ainda não chegou. A hora de Jesus é sem dúvida exatamente a da sua Páscoa (13,1;17,1). O acontecimento de sua Paixão, Morte e Ressurreição formam um todo uno e indissolúvel. A hora é esse momento em que Jesus é, ao mesmo tempo, elevado à cruz, que parece a hora das trevas e é na realidade a hora da glória. A cruz é a passagem para a glória. Ao morrer transparece a glória do Pai, que é amor e fidelidade até o fim.
Por diversas vezes tentam prender Jesus, mas só o conseguem quando chega a hora. Ele próprio reconhece este momento e toma a iniciativa de ir para o Horto das Oliveiras onde será preso. Ele se perturba diante dessa hora de sofrimento mas imediatamente aflora à sua consciência o significado profundo dessa hora: ” mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (12,27). É nesta hora que sua missão chega à sua realização máxima. Dentro desta perspectiva, compreende-se que João nos capítulos 18 e 19 não faça menção à agonia no horto, fale pouquíssimo das humilhações sofridas por Jesus, e omita qualquer alusão às trevas no momento da crucifixão.
João desde o início do seu Evangelho afirma que a glória de Deus se manifestou em Jesus (1,14) foi nEle que o próprio Deus se tornou definitivamente visível, pronunciável, atingível; Ele é a manifestação suprema do Pai: Jesus é o Filho que revela ao mundo o mistério do amor do Pai. Ora, este amor atinge sua expressão máxima precisamente na cruz. O amor de Deus revela o seu esplendor e a sua força vitoriosa, a sua glória. Contra todas as aparências, a morte de Jesus é na realidade instauração da sua realeza: Pilatos o declara Rei (18,36s) e manda fazer um letreiro: Jesus Nazareno Rei dos Judeus (19,19-22) e o príncipe deste mundo será derrotado. (12,31-33), isto porque à cruz se segue a ressurreição. Na cruz o Cristo aparece plenamente obediente, transparente ao Pai, em tudo e por tudo a sua imagem, capaz da mais completa doação.
A hora da morte e ressurreição tem um valor revelatório, soteriológico e escatológico:
Revelatório – ir ao Pai é a revelação mais do que manifesta dEle ter saído do Pai. A glória que recebe é a glória de Deus, seu Pai, que Ele possuía desde antes da criação.
Salvífico consiste no seguinte: morrendo, Jesus possui a plenitude da vida e dá a vida aos que nEle crêem.
Soteriológico consiste nisto: agora o Filho do Homem é julgado (12,31), é glorificado, isto é, daqui em diante, a ação de Jesus já esta cheia de sua glória e dos plenos poderes do Filho do Homem, o juiz dos últimos tempos; a hora é o início do fim dos tempos.
Igreja
Em João existe um senso vivo de Igreja, ele não ignora as grandes imagens eclesiológicas: reino, povo de Deus, rebanho etc. Ele a vê de seu peculiar ponto de vista; ele vê a Igreja em Cristo, ou seja, a Igreja é o Cristo morto e ressuscitado que continua sua atuação. Cristo personifica e recapitula a Igreja. João tem a convicção de que Jesus continua hoje realizando na Igreja os gestos realizados na sua vida terrena. Para ele, a Igreja está toda incluída em Cristo (cap. 15); ela nasce da cruz de Cristo (12,32ss); nela, através de Cristo, prolonga-se o diálogo trinitário (17,20ss).
A Igreja e os sacramentos aparecem neste Evangelho como parte essencial da vida em Cristo, a vida em seu nome (20,31), a vida eterna, o poder de nos tornarmos filhos de Deus ( 1,12). Assim, a imagem da verdadeira videira cujos ramos somos nós (cap. 15) exprime o mistério da união com Cristo na Igreja e contém uma alusão a que ela é o novo Povo de Deus . O mesmo se diga da alegoria do Bom Pastor e do seu rebanho (10,1-18), onde aparece a nota da sua expansão e da sua unidade: um só rebanho e um só pastor (10,16 cf 17,20-23); a Pedro é confiada a missão de apascentar todo o rebanho, cordeiros e ovelhas (21,15-17)
Sinais e Simbolismo
A linguagem deste Evangelho é altamente simbólica: Jesus se apresenta como Luz (8,12;9,5), Ressurreição e Vida (11,25), Caminho, Verdade e Vida ( 14,6) Pastor (10,11) Porta (10,7.9) Pão da Vida (6,35) Pão Vivo ( 6,51).
Nos acontecimentos narrados notam-se muitos sinais, assim, por exemplo, em Caná , a abundância exagerada do vinho revela, em forma de sinal, os bens salvíficos que a sua hora operará. Além disso a transformação da água em vinho simboliza a passagem do Antigo para o Novo Testamento; João Batista chama Jesus de esposo (3,29). A imagem que no Antigo Testamento serviu para traduzir a relação entre Javé e seu povo. No quadro dos sinais, estão duas belas cenas de diálogo com Nicodemos e com a Samaritana.
Sacramentos
João refere-se aos sacramentos em narrações que evidenciam motivos cristológicos, especialmente a cruz e a ressurreição, O fato é que ele não relaciona os sacramentos com um momento ou mandamento particular de Cristo, mas com o evento Cristo em sua globalidade, cujo centro é exatamente a cruz e a ressurreição; ao mesmo tempo, que significa que os sacramentos fazem o fiel participar do mistério de Cristo em sua totalidade. João afirma que antes dos sacramentos vem a fé e nos sacramentos o que importa é encontrar a pessoa de Cristo e a Ele aderir.
Dos sete sacramentos o Quarto Evangelho faz referência de modo explícito ao Batismo, Eucaristia e Penitência, os outros não o faz a não ser de modo indireto.
No que se refere ao Batismo a conversa com Nicodemos (3,1-21) é considerada como uma verdadeira catequese batismal: é preciso nascer de novo da água e do Espírito para poder entrar no Reino dos Céus. Também o episódio da piscina de Betesda (5) prefigura o rito batismal da Igreja primitiva. O capítulo 6 é praticamente dedicado à Eucaristia: o milagre da multiplicação dos pães e peixes serve para expor com amplitude a doutrina do Pão da Vida, o Pão descido do céu que dá a vida eterna.
Quanto à Confirmação recolhe a promessa de Jesus de enviar o Espírito Santo aos Apóstolos (14,26; 16,13) que os confirmará na missão confiada e os guiará para a verdade plena. No que diz respeito ao Matrimônio nas Bodas de Caná (3,1-11) O Senhor ao aceitar o convite para o casamento, quis dar maior realce e confirmar de novo que o matrimônio é obra Sua, diz Santo Agostinho.
Quanto à Ordem, é tida em conta na “Oração sacerdotal de Jesus” (17), em que o Senhor intercede como Sumo Sacerdote diante do Pai Eterno por todos os Seus e se oferece como vítima para que também eles sejam santificados na verdade (17,19).
No sacramento da Penitência é mencionado quando o Senhor ressuscitado aparece aos apóstolos no Cenáculo: “Como o Pai me enviou, também Eu vos envio. Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: “recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos” (20,21-23).
Maria
João descreve as personagens femininas com fina sensibilidade: a samaritana, Marta e Maria de Betânia, Maria Madalena e principalmente Maria, a Mãe de Jesus.
No Prólogo, ao dizer que o Verbo se fez carne, a figura da Mãe de Deus oculta-se discreta entre linhas. É o papel ordinário de Maria no Evangelho: passar despercebida, especialmente nos momentos de glória do Filho. Depois, como nenhuma outra criatura, participará do triunfo de Cristo, e será também João quem a descreve em todo o seu esplendor no livro do Apocalipse (12,1) “um grande sinal apareceu no céu: uma mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”.
Ela é mencionada em duas cenas extremamente significativas: 2,1-11 narra as Bodas de Caná onde ela aparece no seu papel de intercessora atenta e em 19,25-27 a presença de Maria no Calvário como co-redentora junto à cruz. Ambos os relatos tem entre si um claro paralelismo. Ela é a referência de Jesus ao entrar e ao sair da sua atividade pública.
Ela é chamada de Mulher: a maioria dos estudiosos vêem neste título uma clara alusão ao “Proto-Evangelho”: Maria é a nova Eva, num paralelismo semelhante ao que se dá entre Adão e Jesus. Ela é mãe da nova humanidade resgatada.
O Quarto Evangelho contempla a maternidade divina de Maria em toda a sua plenitude. Mãe não só da Cabeça mas também de todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Jesus moribundo entrega ao discípulo o que mais ama: sua Mãe. Ao fazer isso Jesus não se limita a cuidar de que sua Mãe não fique desamparada com a morte do Filho único: acima de tudo, quer proclamar a sua maternidade espiritual sobre todos os redimidos. Este é o momento em que a co-redenção da Virgem Maria adquire toda a sua força e sentido. A Virgem Santíssima é constituída Mãe espiritual de todos os crentes. O discípulo amado representa aqueles que seguirão o Mestre e no Apóstolo João recebem Maria como Mãe. Só depois disso, Jesus dá por consumada a sua missão (19,28).
Escatologia
Quanto à Escatologia João insiste mais na salvação presente do que na consumação futura. O Quarto Evangelho é um enérgico e poderoso apelo a viver o presente, a permanecer fiel ao hoje, porque a plenitude da graça e da verdade, aparecida em Jesus Cristo, é tão disponível hoje quanto ontem, e mais do que ontem, porque a perfeição dos bens futuros é dada à fé hoje, como o será amanhã.
Alguns Textos Seletos
Dos sete milagres narrados no livro cinco não constam nos Sinóticos:
2,1-11 Bodas de Cana
4,46-54 cura do filho do funcionário real de Cafarnaum
5,1-9 cura de um enfermo na piscina de Betesda
6,1-13 – multiplicação dos pães as margens do lago
6,16-21- Jesus caminha sobre as águas do lago.
9,1-7 cura de um cego em Jerusalém
11,33-34- ressurreição de Lázaro.
Somente os do capítulo 6 estão também nos Sinóticos
Outros textos:
1,1-18 Prólogo
3,1-21 Diálogo com Nicodemos
4,1-42 – Encontro com a Samaritana
5,19-47 Discurso sobre a obra do Filho.
10,1-18 O Bom Pastor
13,1-16 – O lava-pés
17,1-26 Oração de Jesus